Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Grata e importante “surpresa” na Expansão do BRICS: Etiópia, qual o sentido?, por Guilherme Afonso Gomes dos Santos

Os países candidatos ao BRICS precisam ter projeto nacional e de combate às desigualdades e pobreza e visar modernização socioeconômica

Igreja de Pedra de Lalibela – Etiópia

Grata e importante “surpresa” na Expansão do BRICS: Etiópia, qual o sentido?

por Guilherme Afonso Gomes dos Santos

Primeiramente a Etiópia é um país de grande população, aproximadamente 107 milhões e maior de longe de sua região (Chifre da África Oriental); vem crescendo a taxas maiores que a média regional e mundial e é um potencial hub logístico e de integração geoeconômica da região.

Apesar de não possuir território propriamente marítimo, a faixa de terra até os portos dos países vizinhos (especialmente Djibouti, além de Eritreia e Somália, e Sudão mais afastado) para o Mar Vermelho, e Golfo de Áden, que dão acesso ao Oceano Índico e Mar Mediterrâneo, não estão a uma distância considerável do país. Na realidade não é distância geográfica que dificulta a integração geoeconômica, mas a instabilidade política na região, os chamados “crimes transnacionais”, tais como a pirataria e a rivalidade histórica entre os países (a própria Eritreia proclamou independência da Etiópia em 1993, houve guerras civis e há problemas de pirataria centrada na Somália). Se o processo de integração da Etiópia no BRICS ocorrer de maneira bem-sucedida, no sentido da integração com outros países da área, este demonstra-se como uma excelente oportunidade de estabilização regional.

No sentido estratégico, é importante a representatividade africana, após o Egito, país que detém o controle do Canal de Suez (8% do comércio em geral e de petróleo do mundo passa por ali) ser admitido no Bloco; tanto o corpo governamental egípcio, quanto sul-africano (membro histórico do BRICS) têm consciência que essa é uma oportunidade para o continente e a Etiópia é estratégica por sua posição geográfica privilegiada e pela proximidade com o Mar Vermelho.

No sentido estratégico de integração inter-regional, de ambos os lados do Mar Vermelho e do Estreito de Bab Al Mandab, é importante ter um parceiro assim, porque após a retomada das negociações Irã-Arábia Saudita (intermediada pela China e ambos do BRICS agora; Irã também é da OCX), há uma possibilidade de acordo de paz no Iêmen, entre combatentes houtis nacionalistas (apoiados pelo Irã) e o governo iemenita (apoiado pela Arábia Saudita). Se for estabilizada a ponta Sudoeste da Península Arábica, o lado africano do Estreito pode se tornar um hub logístico integrado não apenas regional, porém adjacente com o Oriente Médio, em termos de produção industrial, energética e exploração mineral, sendo as reservas etíopes de tantálio e outros materiais, grandes.

É importante assinalar que Arábia Saudita e Irã, dois dos maiores produtores e exportadores de petróleo e energia mundiais – e rivais históricos – foram admitidos no BRICS após protocolos de entendimento diplomático intermediados pela China (ainda em 2023), que, por sua vez, tem ampliado investimentos tanto na África quanto no Oriente Médio e tem interesses claros na Etiópia, com a construção de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) em curso e em vias de ampliação.

O grande desafio é a estabilização regional, sendo o entendimento diplomático e a integração entre os países, o enfrentamento ao chamado extremismo, com as derivações da Al Qaeda e especialmente do Estado Islâmico (ISIS/EI) na África Oriental, além do combate à pirataria e seus efeitos, tarefas prementes dos governos regionais. Muitos desses problemas de insegurança são causados pela situação de miserabilidade e pobreza extrema, falta de organização dos Estados e de capacidade de desenvolvimento, sendo essa iniciativa da expansão do BRICS, portanto, uma oportunidade importante para os etíopes e para os países do Chifre da África em geral.

O mundo não é movido por ideologias frágeis, maniqueístas e facilmente refutáveis, como “bloco da democracia” (ou seja, o imperialismo) X “bloco das ditaduras e dos corruptos”, que é a nova propaganda da mídia hegemônica burguesa e suas filiais ao redor do mundo. Não há geopolítica e geoeconomia “benevolentes”, há interesses de países e necessidades concretas de desenvolvimentos nacionais.

 Países como a Etiópia e do chamado Sul Global em geral, devem colocar sua agenda de desenvolvimento com autonomia e aproveitarem a crise e decadência relativa do mundo ocidental-liberal-“democrático” e imperialista e a ascensão relativa dos países do BRICS, para que, de fato, isso se torne um bloco e um mecanismo de uma nova era de desenvolvimento socioeconômico e prosperidade. O fortalecimento do BRICS e sua transformação em um efetivo bloco geopolítico e geoeconômico poderá ser uma das faces da criação de um mundo multipolar, de maior integração autônoma e soberana do Sul Global, ao mesmo tempo que pode reduzir a dependência destes das instituições de Bretton Woods, controladas e que têm como beneficiários os países hegemônicos e imperialistas.

 As coordenadas geopolíticas estão se transformando e se mostrando mais dinâmicas; realmente não estamos no chamado “fim da história” tão propagado por intelectuais ideólogos do neoliberalismo, quando do fim da Guerra Fria (1989-1991) e ascensão da unipolaridade estadunidense. O pedido de vários países da África, Ásia e América Latina a adentrarem no BRICS, aliás, mostra e a fraqueza da crença no neoliberalismo e nas instituições comandadas pelos países do mundo norte-atlântico (ou Norte Global) e uma perda de poder político e econômico relativa destes. Porém, é necessário que os países candidatos a adentrarem ao BRICS possuam projeto nacional e de combate às desigualdades e pobreza e que visem à modernização socioeconômica estrutural, com autonomia e soberania; o imperialismo “benevolente e civilizado” não está contente, mas sua crise é estrutural e a história anda para a frente, não em linha reta e sem contradições…nos resta esperar que sociedades da Etiópia, dos países-membros do BRICS, incluindo o Brasil, além de novos candidatos aproveitem a janela estratégica de oportunidades de desenvolvimento socioeconômico nesse “novo jogo” do sistema internacional.

Guilherme Afonso Gomes dos Santos – Economista, Historiador e Bach em RI (Internacionalista). Mestre e Doutorando em Economia Política Mundial UFABC

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