Crianças da Ditadura, crianças da solidão

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Jornal GGN – Em junho de 2013, o Jornal GGN lançou a série “Crianças da Ditadura”, um trabalho inicial de resgate dos filhos de um tempo que não se deve esquecer. São depoimentos emocionantes recolhidos pela nossa equipe e que alinhavam uma parte da história do país. A “guerra” deixou marcas profundas, não só naqueles que se viram nos porões da ditadura, mas também naqueles que os cercavam. As famílias. As crianças dessas famílias.

Mônica Ribeiro e Ribeiro, então repórter do Jornal GGN, e Nacho Lemus, nosso colhedor de imagens e editor, entrevistaram quatro dessas crianças, hoje adultos com memórias tão diversas de outros que viveram a época.

O primeiro deles é Paulo Fonteles Júnior, que nasceu em um desses tantos porões, com pais militantes do movimento estudantil, presos e torturados. Na matéria, destaque para a seguinte declaração, fruto de suas lembranças: “Quando nasci, os militares me afastaram de minha mãe e ficaram de me entregar à minha avó. Demoraram tanto que minha família ficou preocupada. Quando realmente me entregaram, disseram que a demora ocorreu porque não tinham algemas para os meus pulsos”.

“Filho dessa raça não deve nascer”; veja relato de Paulo Fonteles Filho

http://www.youtube.com/watch?v=u-3RPACFkxY] 

A segunda entrevista é com Cecília Capistrano Bacha, neta de David Capistrano, líder do PCB (Partido Comunista do Brasil), desaparecido desde 1974 e com relatos de que teria ido para a Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), onde os agentes da repressão torturavam e matavam os “contrários” ao regime. Cecília se lembra de reuniões que aconteciam na casa do seu tio, quando era pequena, onde intelectuais e comunistas se reuniam.

“Vocês sabiam que comunista come criancinha?”; veja relato de Cecília Capistrano

http://www.youtube.com/watch?v=oEC77-tlUMM] 

A terceira entrevista da série foi com Rodrigo Arriagada Vianna, filho do jurista Cícero Silveira Vianna, também do PCB e um de seus ideólogos. Ele se considera um cidadão do mundo pois, com a militância do pai, fugiu com a família durante a perseguição política e caça aos comunistas, vivendo na clandestinidade. Rodrigo nasceu no Chile. Ele faz, ao GGN, a seguinte declaração: “O resgate da história dá um entendimento a mais. Eu não vou imitar meu pai, mas é importante eu conhecer a história dele para poder me conhecer.” 

“Conheço a história do meu pai para poder me conhecer”; veja relato de Rodrigo Vianna

[video:http://www.youtube.com/watch?v=sHA4SEgo5xA

A última entrevista deste trabalho foi com Carmen de Souza Nakasu, filha de Elzira Vilela e Licurgo Nakasu, membros da Ação Popular. Carmen tinha 1 ano de idade e foi levada, junto com os pais, quando tentavam fugir de São Paulo para o Rio de Janeiro. Ela conta que, em criança, era alegre e gostava de brincar com água, e após o período em que ficou nas mãos da repressão, passou a temer não só o banho quanto qualquer barulho de água. Carmen reconhece a luta de seus pais e declarou: “Eu tenho muito orgulho dos meus pais, por eles terem resistido bravamente por todo o tempo de tortura sem ter delatado ninguém”, disse, já às lágrimas.

“Eu tenho muito orgulho dos meus pais, por eles terem resistido bravamente”; veja relato de Carmen Nakasu

[video:http://www.youtube.com/watch?v=wkjNQ4M73zM 

Uma criança que caiu nas mãos da banda podre do regime instaurado não conseguiu recuperar sua vida. Mesmo não sendo parte da série de entrevistas do GGN, merece destaque. Carlos Alexandre Azevedo, filho do jornalista e cientista político Dermi Azevedo e da pedagoga Darcy Andozia. Cacá, como era chamado por sua família, tinha 1 ano e 8 meses quando foi levado de sua casa, na zona sul de São Paulo, para o Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) junto com seus pais. O pequeno Cacá foi torturado, como forma de atingir seus pais. Sua vida se perdeu a partir daí. A criança nunca mais se descolou do adulto que se tornou, tornando-o frágil ao extremo. Cacá se suicidou no início deste ano, após tantos anos de sofrimento. Seu pai, Dermi, publicou uma carta em rede social, uma homenagem ao filho, à criança que nunca se recuperou. Além disso, a revista IstoÉ havia publicado um entrevista, onde Cacá desnudou a alma, seus medos e os tormentos todos que carregou por toda a vida.

O suicídio de Carlos Alexandre, torturado durante a ditadura

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Conheci uma dessas crianças.

    Faz muito tempo, contei num blog do Nassif como conheci em BH uma dessas crianças da ditadura.

    Creio que foi por volta de 2001, quando comprei  materiais de construção em BH e tive de contratar uma caminhonete para levar os itens até  Pasárgada, bairro de Nova Lima.

    O motorista se chamava “Ramon” – mas assim com aspas porque durante a viagem ele contou a quantidade de vezes que sua mãe teve de trocar o nome dos filhos pequenos, inclusive do dele, pois em cada país que iam, ficavam sabendo de novas investidas de perseguidores do Brasil incumbidos de matá-los.

    Ele, a mãe e irmãos moraram na Suécia e noutros países europeus, depois foram para a África, México e Argentina, antes de poder voltar ao Brasil.

    Enquanto Ramón narrava, vi quanto mal fizeram a ele: falava com dificuldade, como um gago; o olhar que dirigia a  locais ou coisas aparentemente inocentes ou pacíficas era um olhar temeroso, desconfiado; e entre uma ou outra história daqueles tempos tumultuados da infância, falou das dificuldades atuais, brigas com a mulher, desavenças com vizinhos.

    Quando falei com ele da (virtual) possibilidade de requerer indenização do governo, ele ficou ácido. Disse que não apenas ele, mas outros da família haviam tentado e tentado. E que,  isso de indenização era privilégio apenas para alguns apaniguados que conheciam os canais por onde transitar para conseguir receber o dinheiro.

    Fiquei a imaginar quantas centenas, quem sabe milhares de crianças passaram, de um modo ou de outro, por sofrimentos como os de Ramón.

    Nunca mais o vi.  

    1. E 50 anos depois…e isso é apenas, o que veio a público.

      Por mais que alguns sobreviventes daquela época, que viveram na “pele” a ditadura e as torturas, tentem mostrar o quanto foi doído e custoso, viver na luta e na clandestinidade, jamais poderão escrever ou descrever, as atrocidades cometidas, pelos que se diziam, salvadores da pátria, contra o comunismo, dadas as altas complexidades do que eram as ordens e os cumprimentos delas, pelos agentes daquele governo impôsto e mantido à fôrça, sem representatividade, porem apoiado por uma direita covarde e uma imprensa miúda e dominada, e ainda, por um clero que foi “levado” a acreditar, no perigo de cairmos nas mãos do comunismo internacional. Talvez tivesse sido melhor, que esta ideologia tivesse obtido sucesso. Certamente teríamos sofrido menos, e machucado e traumatizado  menos inocentes, como aquelas “crianças da ditadura”. 

  2. Eu tenho evitado comentários

    Eu tenho evitado comentários após ler os relatos destas tragédias provocadas pelo Golpe de 64 porque me dá vontade de após cada leitura proferir muitooooos palavrões. É vergonhoso saber que existem seres humanos tão covardes e cruéis como estes relatados pelas pessoas torturadas fisica e moralmente. É arrepiante saber que tal barbárie existiu e continua a existir no meu país.

    Malditos sejam todos os que apoiaram a ditadura.

    Malditos sejam os membros das Forças Armadas, da elite brasileira (empresários, midia e banqueiros), das igrejas e da classe média( idiota e medíocre como hoje) que apoiaram a tortura e morte de cidadãos brasileiros. Nenhum ítem de desenvolvimento do país durante o golpe de 64 vale a barbárie, o aviltamento de vidas humanas.

    E não podemos esquecer jamais os países estrangeiros que instrumentalizaram o golpe e forneceram know how sobre como torturar com mais eficiência. Os mesmos países centrais que hoje continuam a causar tragédias humanitárias para roubar recursos e locupletar a elite financeira mundial.

    FDP.

     

     

    1. F.D.P é pouco !

      Acabei de externar minha opinião sobre o que ocorreu com muitas das maiores vítimas daqueles contra-revolucionários, entre os quais eu estive, os nossos filhos e netos, na página do Nassif, no Face, e aqui repito-a: Ensinei aos meus filhos, o quanto custou a liberdade, e a redemocratização brasileira, porem poupei-os de detalhes escabrosos, e dos extremos sofrimentos e torturas inconcebíveis pela qual muitos passaram, como os citados pelos companheiros desta pauta, verdadeira aula de história do GGN, para não dexa-los traumatizados, Chega o que sofrí. eles não merecem tais lembranças. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador