Eleições 2020/22: na guerra híbrida, esquerda precisa fazer comunicação anticíclica
por Wilson Ferreira
No rescaldo da derrota das esquerdas nas eleições municipais, as repostas à angustiante pergunta “O que fazer?” (frentes amplas, retornar às bases, cidadania autônoma etc.) são previsíveis. Por quê? Porque todas elas ignoram uma questão simples, mas decisiva no campo da guerra híbrida no qual os atores políticos estão operando – a maioria, inconsciente, agindo no modo piloto automático: a questão da COMUNICAÇÃO. Enquanto a esquerda a confunde com “propaganda”, esquece do seu papel estratégico de criação de “acontecimentos comunicacionais” num cenário de guerra semiótica. A criação de acontecimentos ANTICÍCLICOS que revertam o loop retroativo no qual a esquerda é prisioneira reativa – a esquerda que a direita adora…
No domingo à noite, após as eleições municipais de segundo turno, durante “Cobertura Especial” da GloboNews, o analista Merval Pereira só faltou abrir uma garrafa de champanhe para comemorar a derrocada eleitoral do PT: “O PT não levou nenhuma capital do País… um partido que nunca fez autocrítica…”, e por aí foi Merval, visivelmente eufórico e olhos arregalados.
No dia seguinte, no matinal “GloboNews em Ponto”, normalmente apresentado por Julia Duailibi, dessa vez era Bete Pacheco que ancorava. No telão, três analistas. A certa altura, Pacheco nem sabia mais o que perguntar ao “time de analistas”: “Vocês podem falar qualquer coisa… Aaahhh!… Vamos falar do PT!”, regozijou-se a apresentadora substituta.
No restante dos canais, seja fechado ou aberto, o clima não era muito diferente: “o grande derrotado nas eleições foi o extremismo”, estampava um dos letterings no rodapé da tela de um telejornal.
Em última instância, essa eleição foi a consolidação da narrativa da grande mídia após quase dez anos de guerra híbrida: a transformação do sentimento antipetismo em equivalente geral contra qualquer forma de existência de esquerda no espectro político.
Após a derrubada dos governos trabalhistas (a “esquerda”) com o golpe de 2016, a extrema-direita foi açodada pela grande mídia, materializando-se na candidatura Bolsonaro, conduzida na ponta dos dedos pelos “passadores de pano” do jornalismo corporativo até a vitória em 2018 – de resto acompanhando o movimento mundial iniciado pelo Brexit e Trump: historicamente, a extrema-direita sempre fez o serviço sujo nas crises do capitalismo: a de 2008 e a que ocorreria esse ano, convenientemente escamoteada no “grande reset global” da pandemia COVID-19.
O sensacionalismo da impagável estorinha do hacker português que invadiu o TSE (punido pela justiça com prisão domiciliar e com tornozeleira eletrônica, munido apenas com um celular conseguiu invadir o TSE… imagina, então, a CIA e NSA?) e o chamado “novo cangaço” que toma cidades e explode bancos, é a construção midiática do terrorismo tupiniquim (nunca dando nome aos bois: “crime organizado” e “PCC”) dentro da macro narrativa do repúdio aos “extremismos” – assim como Nazismo e Comunismo são colocados no mesmo eixo sintagmático, também terrorismo e esquerda são a nova equivalência para reciclar o velho discurso do antipetismo – agenda ideológica do próximo Estado policial justificado pelo álibi da marota noção do combate a “atos antidemocráticos”.
Como o leitor deve estar percebendo, os seis parágrafos acima tratam dos últimos lances do xadrez políticos pós-eleições, onde a grande mídia (pautando o conteúdo das mídias digitais, inclusive das chamadas “progressistas”) ocupa um papel fundamental no agendamento da opinião pública.
Em outras palavras, onde o papel da COMUNICAÇÃO é estratégico para a detonação de bombas semióticas na opinião pública, verdadeiros “acontecimentos comunicacionais” que progressivamente colocam a esquerda numa sinuca de bico – e o que é pior, sem a esquerda ter a menor noção da relevância da Comunicação na Política, porque confunde esse conceito com a mera “propaganda” – voltaremos a esse ponto adiante.
O que fazer?
No rescaldo das eleições municipais 2020, diante da evidente derrota das esquerdas (apesar de alguns tentarem tergiversar com números para tentar esconder a derrota), as análises da mídia progressistas para responder a clássica pergunta “o que fazer?” têm se concentrado nas seguintes teses:
(a) Formar uma frente ampla contra Bolsonaro, seja abrangendo centro-esquerda e a esquerda, descartando arrogâncias e vaidades entre partidos e candidatos… o problema é que a esquerda ainda insiste com a ideia de que votos são ativos estocáveis que poderão ser usados em uma próxima eleição. Fosse assim, não teríamos o fenômeno de bairros periféricos que votaram em Fernando Haddad do PT, darem depois a vitória da Dória Jr. nas eleições municipais de 2016.
Sem falar na indefectível presença do homem-bomba, “morde e assopra”, Ciro Gomes para embaralhar essa frente, ora pensando em centro-esquerda, ora em centro-direita.
(b) O campo progressista deve “retornar às bases” – as esquerdas teriam fracassado ao esquecerem do povo, preocupadas em gerir seus mandatos parlamentares e a máquina pública. Enquanto as bases foram lentamente cooptadas pelo neo-pentecostalismo (teologia da Prosperidade, que agora fornece o substrato da fé à uberização e precarização do trabalho – eufemisticamente chamado “empreendedorismo”), milícias e crime organizado.
(c) O “movimento político” (item “a”) é a única forma de “politização do povo”. Afinal, as supostas bases abandonadas pelas esquerdas deram quatro vitórias presidenciais consecutivas – a ilusão do voto como “capital político”. As massas teriam abandonado a esquerda graças ao terremoto da crise econômica global de 2008, que varreu governos da Europa, chegando Dilma e as forças políticas de esquerda.
(d) Procurar uma espécie de “recall” nas massas: mostrar os resultados positivos das gestões do partido no dia a dia das pessoas. Coisas concretas, como melhoria das condições de vida. “O povo vai perceber que a boa política foi praticada na época do PT”, afirma José de Filippi Jr. que levou o PT de volta à prefeitura de Diadema/SP. De novo, a ilusão dos “votos estocáveis”…
(e) O retorno do conceito de “autonomia” no campo da esquerda – ecos tardios do grupo “Socialismo ou Barbárie” (Castoriadis e Claude Lefort) que rompeu com o trotskismo e esquerda radical em 1949 até chegar ao movimento do “Autonomismo” ou da “Revolução Molecular” de Felix Guattari e Gilles Deleuze nos anos 1970: a defesa de mudanças sociais gradativas em rede, distante da burocracia partidária ou do Estado.
Por exemplo, o sociólogo Cândido Grzbowski fala em “cidadania autônoma”:
Nessas eleições a “reação de solidariedade” mostrou que “a cidadania faz a diferença… Nunca tivemos uma eleição com tanta gente eleita por movimentos, mas movimentos autônomos. Esse fenômeno mostra que, em última análise, quem vai resolver as coisas no país é a cidadania…movimento que se pode observar se refletiu em 2020 com indígenas, quilombolas, negros, LGBTs, mulheres de diferentes partidos de esquerda virando prefeitos e vereadores. “As mulheres se assumindo enquanto mulheres, e não tanto como PT, PSol, PCdoB etc., aponta o sociólogo – clique aqui.
Mas então, como explicar paradoxos como a da primeira prefeita negra e jovem eleita em Bauru/SP, Suéllen Rosim? Conservadora, evangélica, eleita pelo Patriota, partido aliado ao bolsonarismo. Produto daquilo que o autonomismo pretende se livrar: a cidadania abduzida pelo conservadorismo político e midiático, capaz de criar “frankensteins” como o “afro-empreendedorismo” ou o “empoderamento identitário” em comerciais e programas de TV.
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Pra dar mais um exemplo. O acontecimento dos últimos dias foi o assassinato de um policial em um roubo a uma loja na baixada fluminense. O assassino foi preso. O WhatsApp esta queimando de memes, áudios e comentários contra “a esquerda”, “o pessoal dos DHs”, etc.
E assim vai sendo consolidada uma hegemonia sem nenhuma resistência.
PS: o que houve com a programação do site pra postagem de comentários, heim? É pra desanimar mesmo?