Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Lula entre Globo, “Véios da Havan” e mercadores da fé…, por Armando Coelho Neto

Eis o mundo das “selfies”, do faça você mesmo, a nova maravilha da mão de obra excedente, dos trabalhadores descartáveis.

Fundação Perseu Abramo

Lula entre Globo, “Véios da Havan” e mercadores da fé…

por Armando Coelho Neto

Aconteceu numa das lojas Americanas, centro de São Paulo. Fui comprar um produto e a vendedora insistiu para baixar o aplicativo da loja, e assim eu ganharia R$ 10 reais de desconto. “Moça, você está vendendo seu emprego por esse valor? Quando todos comprarem pelo aplicativo, você vai ficar desempregada”. Tentei avançar na explicação, mas ela não estava muito interessada nesse assunto.

Constrangimentos do mundo moderno que tocam nossa sensibilidade. Onde estão os bancários e tantos outros empregados que foram substituídos por aplicativos e máquinas e cartões? Em muitos países, um simples cartão resolve o problema do transporte urbano e, eventualidades são contornadas pelos motoristas. No Brasil cobradores continuam nas roletas, até que se defina o que fazer com eles.

Eis o mundo das “selfies”, do faça você mesmo, a nova maravilha da mão de obra excedente, dos trabalhadores descartáveis. Quem se atreve a questionar isso é tratado como inimigo do progresso, inimigo do novo, da tecnologia. De qualquer modo, são áreas a exigir a presença do Estado, que sempre esbarra nos defensores do lucro a qualquer custo, do Estado mínimo ou mesmo ausente.

Numa de suas polêmicas falas, o presidente Lula disse que o adolescente que faz entrega de comida, muitas vezes sente o cheiro de algo que sequer vai ver ou comer, e corre o risco de seguir para a próxima entrega com a barriga roncando. E, em sendo evangélico, digo eu, será compelido a doar 10% para o pastor que certamente pedirá seu voto para os que os exploram no dia a dia.

Recentemente, no Rio de Janeiro, um policial militar – usuário desse tipo de serviço, chegou a atirar num entregador, o qual, por não ter onde deixar a sua bicicleta, se recusou a subir para entregar a encomenda. Leia-se, o interessado não quis descer para pegar a encomenda, mas desceu para atirar no pobre coitado. Não teria sido aquela a única violência praticada contra entregadores de comida, mercadoria.

Em agosto do ano passado, o relatório “Caminhos do Trabalho 2023”, divulgado pelo Ministério do Trabalho em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), revela que quase 60% dos trabalhadores de aplicativos no país já sofreram algum tipo de violência. A informação é do Portal Jurídico Magis, que alerta para um dado importante: o entregador não é obrigado a fazer entregas na porta do interessado.

São vastos os casos de humilhações, violências tais como ameaças, racismo contra entregadores. Em Ceilândia (DF), uma usuária jogou a comida no entregador. No Rio, um Motoboy foi ameaçado por se negar a subir para entregar pedido. Tudo isso sem contar os chás de galão e carteiraços por parte de pessoas que alegam ser policiais, promotores, juízes ou subjetivas condições de superioridade.

Sem disciplina legal alguma, o tema tem ficado a mercê de leis locais de alguns municípios e ou decisões em assembleias de condominiais. Em quaisquer dos casos de olho na segurança dos condomínios (muitos vítimas de assalto) e ou na vulnerabilidade do entregador. Com algumas exceções, a regra é não subir e algumas empresas do ramo orientam os entregadores nesse sentido.

“As pessoas pelas quais penso que luto, sequer sabem que existo”, ouvi essa frase de padre durante uma viagem ao interior de Pernambuco e dela me apropriei. Recorro a ela nesse momento, primeiramente por conta da mocinha que estava vendendo seu emprego por R$ 10 reais (luto por ela). Em segundo, ao ver o presidente Lula fogo cruzado da mídia, preocupado a penúria dessa gente.

Entregador, motoqueiro, doméstica, profissionais do Uber. Lula sabe que essa gente existe, ela não quer saber dele, mas ele está lutando por ela. Ironicamente, 40% de entregadores e motoristas se identificam como “de direita” de forma genérica, mas três quartos deles (30% do total de entrevistados) diz ser de “extrema direita”. Na sequência, 41% se dizem de “de centro” até chegar na esquerda, diz o Datafolha.

E assim, o neoliberalismo ganha ares toscos de Evangelistão. Uma louca pode descer da goiabeira para salvar o país e outra já se prepara para seu pole dance. A esquerda defende “o sistema”, o “mito” é revolucionário. Comunismo é palavrão, Israel é cristão, apologia ao crime virou liberdade de expressão. Sabujice, covardia, entreguismo são sinônimos de patriotismo: é só vestir camisa da seleção brasileira.

A mocinha das Americanas que vende seu emprego e o entregador de extrema direita fazem parte de um roteiro de culto à irracionalidade política, com manipulação e dominação de massas, de forma a manter a falsa ideia de democracia. Com a grande mídia desacreditada pela direita e esquerda, a farsa das frases feitas vindas de fonte única constroem realidade paralela, recortada, calcificada.

Como disse o professor José Geraldo de Sousa Junior, para uma deputada burrinha, na CPI do MST, “A realidade é recortada por um processo cognitivo de historialização. Então eu não posso discutir um tema que contrapõe visão de mundo”. E quem sou eu para tentar desconstruir a percepção de mundo da gente simples, que é fruto de mídia, FFAA, Véios da Havan, mercadores da fé…

Não importa que as coisas não façam sentido, pois a falta de sentido é elemento essencial nesse processo de degeneração cognitiva, que levam baratas a aplaudirem chinelo. Se eu melhorar na vida é fruto de bênção, sorte ou esforço pessoal (apesar do Lula e do comunismo). Pouco importa as condições criadas por Lula. “O povo só enxerga o que já está escrito em sua cognição”.

Não basta ser bom. Tem que parecer bom, mesmo Lula sendo ótimo.

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

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Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

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  1. “Comunismo é palavrão, Israel é cristão, apologia ao crime virou liberdade de expressão. ” Isso dá samba, mas o gerente continua insistindo na oferta do “aplicativo” para não ter mais que falar comigo, a caixa do supermercado nos manda para as caixas automáticas, os atendentes de telemarketing nos dizem para baixar o aplicativo da luz, do gás, do telefone. Os sites nos devolvem para os aplicativos, e todos eles têm meta para cumprir. A meta é perder os empregos ou a utilidade o mais rapidamente possível. O que lhes prometem em troca não sabemos. Eles só sorriem gentilmente e insistem na oferta. Talvez estejam imbuidos da mesma fé dos adeptos do Malafaia quando esse lhes exige 10% do dinheiro do aluguel, ainda que esteja atrasado, do auxílio que o governo lhes dá ou da esmola que possam receber quando não tiverem mais nada. É a promessa com Jesus. O crente especial contribui com 30% porque o pacto com deus é mais estreito. Deus vai atender primeiro. https://youtu.be/2ciZaxPOVqw
    https://youtu.be/erFNHWG9vXg . As vezes eu tenho a impressão de que este mundo é governado por uma quadrilha muito antiga, que tem vida milenar e se diverte nos atormentando.

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