
Palestinos têm direito de defesa e o Hamas o de agradecer
por Armando Coelho Neto
Desde o fatídico e inexplicável ataque do Hamas a Israel em outubro passado, a imprensa serviçal do império estadunidense repete à exaustão que Israel tem o direito de se defender, transformando isso em mantra ou cantilena. É claro que tem, como qualquer ser humano, povo ou país quando atacado. O problema, porém, pode estar, em saber e ou definir quem atacou primeiro, e quais os limites da “retorsão”.
Quem atacou primeiro, Hamas ou Israel? Não espere o leitor resposta para tal questão, mas sim considerações sobre os donos da guerra e das palavras. Trata-se de provocação aos senhores do vernáculo, dos signos, dos significados, dos significantes – ainda que semiologia, semiótica nunca tenha sido o forte desse palpiteiro. Trata-se de provocação à hermenêutica do pensamento dominante.
Com a mesma arrogância que Israel aparenta tentar exterminar o povo palestino, quer escolher as palavras que se deve dar às suas atrocidades. Automaticamente, as palavras de Israel são adotadas pela grande mídia vira-lata. Mais vale a palavra de Israel e o sentido que o tal pais dá, do que a realidade nua e crua: mortos, corpos dilacerados, vísceras expostas, agonizantes (seja criança, mulheres grávidas).
Em todos os lugares onde o povo judeu é respeitado, há reverencial acolhida a expressão: “lembrar para não esquecer” alusiva ao holocausto. Portanto, não há melhor momento para lembrar o holocausto do que esse, visto que parte do povo outrora vítima dele dá nítidos sinais de amnésia. Assim, preciosismos linguísticos nesse momento é um convite para a banalização do holocausto.
Nesse espaço já foi dito que os seis milhões de mortos no holocausto começou com um morto. Não será Israel e a mídia imperialista que irá impor a régua ou número para ressignificar, reconfigurar e ou confundir a realidade nua e crua. Então, querem dizer que genocídio, holocausto, assassinato em massa só se configura quando a combinação de X + Y imposto pela ONU resulta no algoritmo definidor?
O debate sobre nomes alimenta a sanha para esconder a realidade cruel. O portal G-1, por exemplo, chamou de simples confusão por comida, a matança de mais de uma centena de pessoas famintas aglomeradas esperando alimento. Eis o momento escolhido por parte dos soldados de Israel, não para exercer direito de defesa, mas sim para exercer o direito de pôr em prática a sua própria maldade.
O Hamas mantém retidas pessoas tratadas como reféns. E são. Mas por que o silêncio quanto aos palestinos presos em Israel antes do repudiante outubro/2023? Que nome pode ser dado a tais cidadãos presos em Israel, até por conta de ofendículos dirigidos a soldados israelenses? Como visto, a preferência por certas palavras dá o tom do insano debate, no qual até a palavra paz é proibida.
No preciosismo das palavras, Israel há tempos exige que Lula trate o grupo de resistência Hamas como terrorista. Leia-se, o filhote do império quer ter o privilégio de dar nomes, conforme sua conveniência. Entretanto, o terrorismo, segundo estudiosos também integram os tais “Poderes Erráticos”, admitido pela ONU, ainda que de soslaio ou às esgueiras, e não vai mais longe por que a ONU tem dono.
Terrorismo é, por princípio, a arma do mais fraco, dos que têm armas desiguais, sem dinheiro, espaço na mídia e, no caso presente, não tem sequer direito a ser um Estado. Fossem os palestinos para as ruas portando florzinha, vestidos de branco, faixas e palavras de ordem seriam ouvidos? Manifestantes fazem isso mundo afora pedindo cessar fogo, mas Estados Unidos, Europa e Israel fazem ouvidos moucos.
Não se trata de defender terrorismo nem de condenar o povo judeu como um todo. Há protestos contra a guerra até dentro de Israel. Na outra ponta, existe um povo humilhado, ultrajado, sem direitos. Israelenses e palestinos têm o mesmo direito de se defender. E aqui, retome-se a questão lá de cima, já que não fica claro pelo algoritmo da ONU quem atacou primeiro, o que é defesa ou “retorsão”.
Se terrorismo tem a ideia de impor medo coletivo, atacar e matar pessoas, destruir instalações públicas e privadas, a população de Gaza estaria por acaso sem medo, imune a ataques e sem mortos? Seguindo o algoritmo imposto pela ONU, quem seria mais terrorista nesse conflito? Se a falida ONU não consegue hoje explicar sua própria existência, mais difícil explicar seus algoritmos. Israel menos ainda.
Recentemente, o político Rui Costa Pimenta foi ao Catar, e conseguiu uma entrevista com o Ismail Haniyeh (defensor dos interesses dos palestinos), coordenador do braço político do Hamas. Ismail aproveitou para agradecer os apelos do presidente Lula por um cessar fogo, e por isso Lula foi execrado pela mídia vira-lata. Alheia à tragédia, até riu da humilhação de um embaixador brasileiro…
Deduz-se, pois, que as palavras têm mais importância do que a tragédia. Aqueles que defendem o direito de Israel de se defender, não admitem que os palestinos se defendam. Mais que isso, querem lhe tirar até mesmo o direito de agradecer, bem como o direito dos corações mais sensíveis se solidarizem com as vítimas do holocausto que se avizinha. Pela libertação dos presos dos dois lados, pela paz!
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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Maravilhoso texto, realista, verdadeiro. Os Palestinos têm sim o Direito de se defender…
Obrigada!