IDDC - Instituto da Democracia
O Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação tem como objetivo avançar e aprofundar a discussão sobre a democracia brasileira, tendo em vista sua organização, os hábitos democráticos da população e a organização da mídia no país.
[email protected]

Marielle Franco: corpo, território e o anúncio da primavera, por Biroli & Souza

Seu assassinato também evoca os crimes contra mulheres negras atuantes na política municipal da região.

Marielle Franco: corpo, território e o anúncio da primavera

por Flávia Biroli e Ladyane Souza

Seis anos após o assassinato da vereadora Marielle Franco, o encerramento das investigações da Polícia Federal reforça o caráter emblemático do crime. Havia, desde o início, indícios de que se tratava de um feminicídio político, característico do que tem sido definido como violência política contra as mulheres ou de gênero. O relatório policial evidencia um traço dessa violência na América Latina: a conexão entre o seu corpo e o seu território. Sabemos agora que o motivo do crime foi a disputa envolvendo loteamentos na Zona Oeste do Rio de Janeiro, situados em áreas de forte interesse das milícias. A atuação de Marielle em prol de moradia popular, em resistência às explorações milicianas, é apontada como o principal mote para o assassinato brutal.

Sugerimos percebê-lo no que revela de relações de poder que desafiam a democracia e os fundamentos mais básicos da cidadania. As fronteiras entre Estado e crime se tornaram permeáveis, em um fenômeno que se assemelha ao dos narco-estados em outros países da região. As instituições se transformam em meio para o controle de territórios e corpos. Alguns lucram e muitas e muitos são destituídos de direitos básicos, como o direito à moradia e à vida. É uma lógica avessa à representação política plural, principalmente à representação de interesses da gente comum, a partir dos seus territórios. Marielle foi vista como intrusa e tratada como obstáculo a ser eliminado porque seu corpo de mulher negra representava e atuava por uma outra política territorial.

Seu assassinato também evoca os crimes contra mulheres negras atuantes na política municipal da região. Na Baixada Fluminense, nas últimas décadas, foram assassinadas Lídia Menezes, Elizabeth Corrêa Ribeiro, Márcia Machado Guimarães, Aga Pinheiro Lopes e Sandra Silva. O recado de que corpos negros são “matáveis” vem junto com o de que elas não são bem-vindas na política. O Estado é disputado de maneira abertamente não democrática: promove-se, com dinheiro do crime, candidaturas e lógicas que impedem a representação de interesses populares e a garantia de direitos básicos.

O conflito territorial é um conflito de poder sobre corpos concretos. Na política, esses corpos assumem uma dimensão pública de ligação com a terra e o território que representam. Por isso, o corpo dessas mulheres é um corpo-território. Mas a resistência à violência também se dá por meio dele. Marielle defendeu o protagonismo político das mulheres faveladas. Elas têm a potência da “flor que rompe o asfalto”. Para que a primavera que elas anunciam se cumpra, é preciso justiça, com garantias do direito à participação política e controles democráticos sobre o Estado.

Flávia Biroli – Professora Titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília

Ladyane Souza – Advogada e consultora na Universidade Técnica de Munique

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

IDDC - Instituto da Democracia

O Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação tem como objetivo avançar e aprofundar a discussão sobre a democracia brasileira, tendo em vista sua organização, os hábitos democráticos da população e a organização da mídia no país.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador