do blog Direitos Humanos no Trabalho
A montadora que trabalhei, no ABC de São Paulo, vivia às turras com o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Para mal dos pecados, o sindicato tinha uma efetiva liderança sobre boa parte dos mais de vinte mil operários da montadora. Por conta, sobretudo, da sua intensa participação no dia-a-dia da fábrica.
Comitê de Fábrica
Em cada grande setor da montadora – pintura, estamparia, linhas de montagem e outros – os operários elegiam um representante do setor para representá-los em um Comitê de Fábrica onde eram tratados todos os assuntos de interesse dos empregados. O Comitê de Fábrica era estruturado: tinha sala de trabalho, sala de reuniões, ramais telefônicos, endereço de e-mail e uma secretária, de Esses operários trabalhavam exclusivamente no atendimento das questões que envolviam os demais empregados do seu setor. Na prática, o Comitê de Fábrica reportava-se ao Sindicato dos Metalúrgicos e tornou-se um poder paralelo ao gerente das áreas e uma fonte permanente de conflitos.
Na prática, os gerentes não podiam tomar nenhuma decisão que afetasse a rotina dos operários sem consultar o Comitê de Fábrica. Em uma ocasião, por exemplo, o gerente de uma determinada área, junto com a equipe de um banco, decidiu onde fisicamente iria ser montado um caixa automático do banco. Tomaram essa decisão sem consultar o Comitê de Fábrica. Foi o bastante para que todo o setor paralisasse suas atividades e só as retomasse depois que o Comitê de Fábrica fosse formalmente convidado a participar da decisão do local de instalação do caixa automático.
Greve geral
Esse modelo de organização proporcionou ao sindicato um fantástico poder de comunicação suportado por um jornal tabloide diário de quatro páginas distribuído a todos os mais de 20 mil operários da fábrica. Por consequência, o Comitê e, por extensão, o sindicato tinham uma grande capacidade de mobilização. Uma greve geral, por exemplo, podia ser deflagrado muito rapidamente, apenas o tempo necessário para atender os requisitos legais.
Nem por isso o sindicato abusava desse seu poder. As razões para uma greve geral tinham que ser suficientemente fortes para garantir, se fosse necessário, longevidade ao movimento. O presidente do sindicato dizia sempre que era fácil entrar numa greve; o difícil era sair dela. Assim, se os estoques de carros no pátio ou nas concessionárias eram altos, a greve teria que ser suficientemente longa para esgotar os estoques. O momento ideal de iniciar uma greve era quando o estoque era zero e já havia filas nas concessionárias. Mesmo o consumidor fiel à marca se cansa de esperar e acaba mudando para uma marca que tenha pronta entrega. Isso significa perder mercado e é realmente muito grave para uma montadora.
A probabilidade de uma greve geral cresce muito quando se aproxima a data-base e a negociação por reajustes salariais coletivos. Com um mês de antecedência, a montadora tenta formar “estoques de emergência”. O Sindicato, através do Comitê de Fábrica, tenta evitar que os operários façam horas extras e, assim, inviabilizem a formação dos estoques.
No caso das reivindicações de reajustes salariais coletivos, as negociações começam lentamente. Em geral, por conta da enorme diferença entre o que é pedido pelo sindicato e o que é oferecido pela montadora. Se há outros itens na pauta – como benefícios, por exemplo – eles podem ir sendo negociados e, eventualmente, ficarem “apalavrados”. O humor das partes também influencia o andamento.
Quando o sindicato julgar que as negociações não levarão a nada, ele buscará o caminho da greve. Num dia, assembleias nos términos de cada turno de trabalho e, no dia seguinte, a fábrica estará 100% paralisada.
Todos os dias, no decorrer da greve, o sindicato realiza assembleias na porta da fábrica para manter o pessoal informado do andamento das negociações. As assembleias são um espetáculo a parte. Na carroceria de um caminhão, com equipamentos de som potentes, o presidente ou um diretor do sindicato com “presença de palco” dá o seu recado. Além do status das negociações, o orador solta frases bombásticas para acirrar dos ânimos. Lembro-me bem de uma delas, sempre repetida: “Hoje o patrão tenta beber mais um cálice do sangue dos operários! Mas vão morrer de sede! Nosso sangue não beberá!”.
Média e pão na chapa
O momento difícil é o momento de acabar a greve. Os operários começam a se preocupar com o salário que irão receber no final do mês. A montadora fica receosa de perder mercado e também fica pressionada pelo custo sem receita.
Eu acompanhei em algumas ocasiões, como observador, o processo de “acabar com a greve”. O primeiro passo foi um “encontro secreto” entre o presidente do sindicato e, da parte da montadora, o homem forte das negociações, no caso o Vice-Presidente de Recursos Humanos. O “encontro secreto” foi numa padaria modesta em São Bernardo, regado a média e pão na chapa. Nessa reunião, o representante da montadora apresentava o reajuste máximo que poderia aceitar. Esse era, de verdade, número final e teria que ser razoavelmente maior do que o que estava sendo negociado até então. O presidente do sindicato precisaria disso para poder propor, na assembleia, o fim da greve. E à montadora interessava fortalecer a liderança do presidente do sindicato, mantê-lo forte no poder. A pior greve de todas e aquela que você não tem com quem negociar ou o negociador não lidera o pessoal. Além disso, o sindicato ligado à CUT tinha oposição dentro da fábrica – um grupo ligado ao PSTU – e não interessava à montadora correr o risco de fortalecer esse grupo muito mais radical que o pessoal da CUT.
Fim da greve
Definidos esses aspectos, só faltava o mise-em-scène da negociação oficial. Na noite daquele dia, reuniram-se oficialmente representantes das partes em litígio, num hotel perto do Ibirapuera. Pela montadora, seis ou sete gerentes das áreas financeiras e de recursos humanos; pelo sindicato, seus diretores. Aparentemente, ninguém na mesa de negociações sabia que os valores já estavam acordados. O processo negocial, pensando no futuro, tinha que ser preservado. A negociação varava a noite. Lá pelas 5 da manhã, o número mágico já acordado aparecia como fruto das sucessivas rodadas.
Estava acabada a greve. Mas os pontos acordados tinham que ser aprovados em uma assembleia que já fora previamente convocada. Os representantes do Comitê de Fábrica reuniam suas equipes, procuravam os líderes naturais, e informavam que o acordo fora fechado e que os números finais teriam que ser aprovados na assembleia.
No horário previsto – 16 horas – ocorre a assembleia e o presidente do sindicato anuncia, eufórico, o aumento que, depois de uma noite de negociações, tinha sido “arrancado da montadora”. Colocada em votação, o final da greve foi aprovado por aclamação. E a paz volta a reinar até a próxima greve geral.
Caiubi Miranda
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
De qual época estamos
De qual época estamos falando, já que a Comissão de Fábrica tinha até e-mail, conforme está escrito na matéria?
A data,a acoisa, o nome da coisa e como a coisa funcionava
Perfeito, está faltando muita coisa nessa história. As datas são fundamentais.
Falta descrever o jogo bruto e sujo do RH dessa inicialmete boa empresa.
Um exemplo foi quando o arrocho salarial foi de tal ordem que setores começaram a ter
faltas por motivo de operários não comparecerem para trabalhar. Não se tartava de greve,
era que não havia dinheiro nem comida na casa desses operários, então eles iam procurar
bicos expedientes de emergência. O pessoal do RH foi verificar na casa dos faltantes e só
aí liberou crédito especial na coopperativa da empresa para compra de mantimentos e assim
indizir o retorno do pessoal ao serviço. Isso ocorria lá pelos anos 79/80 no setor de montagem
dos bancos, por exemplo. Não era greve nesse caso, era uma pressão atroz para cima dos
trabalhadores. Havia la uma cela com grades como nas cadeias policiais, onde um poderia
ser detido e interrogado pelos “amigos” da fábrica que trabalhavam na PF. Esses “amigos”,
que eram escolhidos para desfrutarem de uma frota de centenas de carros emprestados
pela fabrica como cortesia. Eram autoridades policiais, políticos,diretores de escola,juízes.
Para entender um pouco mais o que se passava, seria interessante analisar o fucionamento
dos setores de RH, “setor Dpto. de Desenvolvimento Comportamental” e ” Dpto. de Atendimento
dos Amigos da …nome da fábrica” . O nome que o Sr, Miranda sabe melhor que eu.
E depois se dizem
E depois se dizem “progressistas”… Imagina a comissão de fábrica votando uma eliminação de cargos que se tornariam obsoletos com o advento da tecnologia…
Teríamos os conferidores de soma até hoje…
Bando de reacionários…
Texto, no mínimo, fantasioso.
Texto, no mínimo, fantasioso. Ou, pelo menos, fora de época e generalizador. Fui operário, sindicalista e dou rizadas do texto. Já haviam e-mails nessa época? Internet? Cara, não creia que o brasileio é tão desmemoriado assim.
corrigindo: risadas e não
corrigindo: risadas e não “rizadas”. (Antes que algum troll desqualifique o comentŕio.
O texto é interessante, mas
O texto é interessante, mas não diz de que ano se trata.
Comitê de Fábrica com e-mail? As fotos parecem ser da década de 70 ou 80…
Mas se já tinha CUT e PSTU, teria que ser dos anos 90….
Ótimo
Um “banho” de realidade, de como a “banda toca, tocava e continua a tocar” – MAS faltou outro “ator”.
O governo.
Vc. deve lembrar, que em muitas ocasiões de “greve geral”, sindicatos e montadoras ( com ANFAVEA e/ou ABIMDE puxando a “fila”), as negociações tambem visavam obter vantagens dos governos, tipo, para conseguir o aumento acordado entre sindicato e empresas, “manter a economia girando ” , eram cobradas em grupo, pressão mesmo, que os governos ( federal: IPI e BNDES e estaduais: ICMS), liberassem algumas “vantagens tributárias, transitórias ou não”.
Sempre a conversa de sempre: aumento e previsibilidade da produção mantendo postos de trabalho, o financiamento do produto ao consumidor final, aumento de salário e beneficios;compensaria a liberalidade de tributação – um proposto jogo de “ganha-ganha”: o consumidor com carro mais barato, o banco podendo financiar mais, o salario aumentando gera mais consumo, portanto mais impostos.