Finde/GEEP - Democracia e Economia
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.
[email protected]

Moeda Social Arariboia, por Anna Isabela Fernandes e Victor Bridi

Com circulação restrita à cidade de Niterói, a moeda arariboia pode ser utilizada exclusivamente em negócios locais

Prefeitura Municipal de Niterói

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Moeda Social Arariboia: driblar os desafios tecnológicos é fundamental para ampliar a inclusão social

por Anna Isabela Fernandes e Victor Bridi

A Moeda Social Arariboia é um programa permanente de transferência de renda, que visa auxiliar famílias niteroienses em situação de pobreza ou extrema pobreza, inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal. Inspirado na experiência de Maricá, município vizinho, que implementou a Renda Básica da Cidadania, o programa adota uma moeda social digital chamada arariboia, similar à mumbuca. Com circulação restrita à cidade de Niterói, a moeda arariboia pode ser utilizada exclusivamente em negócios locais (que variam de pequenos prestadores de serviços a grandes redes de supermercados) cadastrados previamente pela prefeitura, mantendo uma equivalência direta, de um para um, com o real.

Atualmente, o benefício da Moeda Social Arariboia abrange mais de 36 mil famílias e, até agosto de 2023, mais de 5,7 mil comércios e prestadores de serviços na cidade estavam cadastrados no programa. Em 1 ano e 8 meses, essa política pública possibilitou um volume de mais de 2 milhões de transações comerciais realizadas na moeda local, conforme informações da Prefeitura de Niterói.

Desde julho, o valor básico mensal do auxílio é de 293 arariboias, destinadas a um responsável por família, com acréscimo de 106 arariboias para cada membro adicional da residência – limitado a um total de seis beneficiários. Assim, famílias com seis ou mais integrantes recebem o teto de 823 arariboias mensais. O pagamento do benefício não impõe quaisquer condições aos favorecidos, sendo utilizados como critérios apenas a renda familiar e a inscrição no Cadastro Único.

Os beneficiários do programa recebem um cartão com tecnologia NFC (Near Field Communication), a mesma utilizada para pagamentos por aproximação com aparelhos celulares, que lhes possibilita usar suas arariboias por meio do cartão físico ou de um aplicativo móvel, que permite consultar extratos e o saldo, além de proporcionar a realização de transferências, de maneira similar ao sistema Pix.

O programa destaca-se por seu papel no alívio imediato da pobreza e no fortalecimento da economia niteroiense. O primeiro objetivo se materializa via mecanismo de transferência de renda, fornecendo apoio financeiro direto às famílias em situação de vulnerabilidade social, enquanto o segundo se dá via circulação da moeda social, que impulsiona o comércio e beneficia os pequenos negócios locais, criando um ciclo positivo de desenvolvimento econômico, sobretudo em regiões periféricas do município. O programa possibilita ainda facilitar a inclusão bancária, eliminando a burocracia dos bancos convencionais e garantindo que os cidadãos em situação de vulnerabilidade tenham acesso rápido ao benefício.

Pesquisadores do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Secretaria de Assistência Social e Economia Solidária (SMASES) e a Secretaria de Planejamento, Modernização da Gestão e Controle de Niterói (SEPLAG), conduziram um estudo recente sobre a implementação da moeda arariboia. Como resultado, foram identificados alguns desafios inerentes ao programa em termos de impacto, escalabilidade e redução das desigualdades, dentre os quais destacamos três.

Em primeiro lugar, o uso de moedas sociais digitais pressupõe que os beneficiários tenham familiaridade com os recursos tecnológicos incorporados em um programa de assistência que não utiliza papel-moeda. Assim, há risco de exclusão de parte dos participantes, decorrente dos baixos níveis de proficiência digital, seja para manusear o cartão ou inserir senha nos aparelhos dos estabelecimentos comerciais, seja para utilizar de maneira independente os recursos disponíveis no aplicativo.

O segundo entrave diz respeito ao acesso à infraestrutura de tecnologia. Os participantes do programa devem possuir recursos financeiros para adquirir dispositivos celulares e contratar serviços de conectividade que viabilizem a circulação da moeda digital. Na ausência de condições mínimas de acesso, somadas aos baixos níveis de familiaridade com tecnologias, cria-se um potencial risco de exclusão de grupos já historicamente marginalizados.

O último desafio é oferecer aos usuários da arariboia uma estrutura de conectividade adequada para melhor uso e acesso dos serviços, situação rara para quem vive em áreas mais vulneráveis do território. A ausência ou fragilidade desta infraestrutura pode restringir a efetividade do aplicativo e da moeda digital, desincentivar o seu uso em face de oscilações na validação de transações, dificultar o processo de conversão da moeda local em moeda nacional, comprometendo assim os objetivos do programa.

É importante ressaltar que tais desafios têm sido identificados de forma recorrente em programas de transferência de renda, que enxergam nas moedas sociais digitais uma solução transparente, rápida e escalável para alívio da pobreza e desenvolvimento de economias locais. No entanto, é necessário planejar estratégias de supervisão da qualidade da conectividade, da internet e planos de dados sociais, voltados para este público. Esta tarefa deve ser feita em colaboração com outras entidades, secretarias e empresas que forneçam serviços de internet em áreas vulneráveis e de difícil acesso. Ao mesmo tempo, é de suma importância disponibilizar outros meios de alcance à aparelhos compatíveis com o aplicativo da moeda social. Por fim, a criação de um plano que promova a realização de oficinas de capacitação digital no âmbito da economia solidária pode ser uma alternativa para melhoria da proficiência digital.

O Programa Moeda Social Arariboia se converte em uma ferramenta concreta para amenizar a pobreza e promover a igualdade, com a vantagem de ter baixo custo de implementação. Porém, ao vislumbrar um futuro inclusivo, é imprescindível atentar para os desafios tecnológicos que estão postos. Ao trilhar um caminho que permita contornar esses obstáculos, o programa pode se tornar uma referência nacional de como políticas públicas inovadoras conseguem abraçar a tecnologia como instrumento para a transferência de renda.

Anna Isabela Fernandes – Mestranda em Economia no Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense (PGPE/UFF) e pesquisadora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento (CEDE).

Victor Bridi – Doutorando em Economia no PPGE/ UFF e pesquisador do CEDE

Referências

BRITTO, A.; WALTENBERG, F.; BRIDI, V.; CARVALHO, T.; ESTURIÃO, I.; FERNANDES, A.I.; MACIEL, F.; SANTOS, L. 2023. “Avaliação Executiva do Programa Moeda Social Arariboia”, mimeo, (Relatório de pesquisa).

PREFEITURA DE NITERÓI. Moeda Social Arariboia: Nova recarga sai nesta sexta-feira (11). 2023.

PREFEITURA DE NITERÓI. Moeda Arariboia atinge R$ 200 milhões em circulação na cidade. 2023.

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Finde/GEEP - Democracia e Economia

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador