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Desafios e Perspectivas para uma Transição Verde Sustentável no Brasil, por Fernanda Feil e Marco Crocco

O enfrentamento da crise climática está estreitamente ligado à habilidade de canalizar recursos financeiros para fomentar medidas inovadoras

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Desafios e Perspectivas para uma Transição Verde Sustentável no Brasil

por Fernanda Feil e Marco Crocco

O Brasil, como uma nação de vasta riqueza natural e uma complexidade socioeconômica profunda, encara desafios no enfrentamento à crise climática global. Esses desafios são multifacetados, abrangendo desde a infraestrutura financeira até a governança urbana, passando pela mitigação e preservação de ecossistemas vitais, como a Amazônia. Na vanguarda desse processo, estão algumas questões que, acreditamos, são de suma importância para trilharmos um caminho sustentável e justo, garantindo não apenas a proteção do meio ambiente, mas também o um processo de redução das heterogeneidades estruturais do país com estímulo ao adensamento produtivo. O texto a seguir delineia esses desafios primordiais e propõe reflexões e ações para abordá-los de maneira eficaz e equitativa.

O enfrentamento da crise climática está estreitamente ligado à habilidade de canalizar recursos financeiros para fomentar medidas inovadoras, de mitigação e adaptação. Nesse panorama, um sistema financeiro funcional e adequadamente configurado é fundamental para assegurar a efetividade de propostas direcionadas à sustentabilidade e preservação do meio ambiente. A relevância do setor financeiro nas deliberações sobre o enfrentamento das alterações climáticas é evidente, dada a expressividade dos recursos exigidos para minimizar o avanço do aquecimento global e seus impactos associados.

Domesticamente, a singularidade do sistema financeiro brasileiro emerge como um elemento central na análise das capacidades de resposta à crise climática. Em contraste com os países avançados, onde predomina uma ênfase no mercado de capitais, nossa estrutura se concentra fortemente no âmbito bancário. Essa estrutura, embora demonstre extrema eficiência em uma escala microeconômica, apresenta desafios no contexto macroeconômico, especialmente quando consideramos a necessidade de financiar um desenvolvimento sustentável. Portanto, o desafio reside não apenas em identificar as lacunas, mas em reconceituar nosso sistema financeiro, tornando-o um propulsor de desenvolvimento alinhado aos imperativos ambientais e climáticos.

É essencial sublinhar a importância de um sistema financeiro nacional que seja capaz de endereçar e financiar a transição verde e sustentável, contemplando as especificidades do contexto brasileiro. Enquanto as economias desenvolvidas têm apresentado inovações em finanças sustentáveis, é preciso cautela ao considerar a mera replicação dessas soluções em território brasileiro ou em outras regiões do Sul Global. Afinal, cada solução deve ser ponderada à luz das peculiaridades locais.

Não obstante, vale refletir se determinados instrumentos financeiros avançados, ainda que revestidos de inovação e sustentabilidade, não seriam meras estratégias paliativas que não abordam o cerne do problema. Estes, em determinadas ocasiões, podem proporcionar respostas imediatistas, mas não necessariamente soluções estruturais e duradouras para os desafios climáticos.

O Brasil, portanto, encontra-se diante da necessidade premente de construir um arcabouço financeiro que, embora inspire-se em práticas globais, esteja profundamente ancorado em suas realidades e necessidades. Isso implica em uma ação concertada do sistema financeiro como um todo que deve evoluir e adaptar-se para ser, genuinamente, uma ferramenta de desenvolvimento que harmonize crescimento econômico e sustentabilidade ambiental.

O segundo desafio para o enfrentamento da crise climática no Brasil, perpassa o paradigma da urbanização brasileira, sob a égide da sustentabilidade, que suscita uma multiplicidade de dilemas. Esse emaranhado de desafios reflete as complexidades intrínsecas das metrópoles brasileiras, que se entrecruzam com as demandas contemporâneas por desenvolvimento sustentável.

A precariedade infraestrutural, em especial no tocante à mobilidade urbana, emerge como uma das questões mais prementes. A deficiência de sistemas de transporte público, aliada ao caos veicular, não só limita a eficiência da movimentação urbana, mas também amplifica o impacto ecológico das cidades. A morfologia das cidades brasileiras, frequentemente caracterizada por um crescimento não planejado, culmina em tessituras urbanas fragmentadas. Tal fenômeno propicia a emergência de zonas de vulnerabilidade, nas quais o acesso a serviços essenciais é esporádico, quando não inexistente. A disposição espacial das metrópoles fomenta desigualdades, relegando determinados segmentos da população a periferias desassistidas e carentes.

O cerceamento de áreas verdes em prol do avanço imobiliário indiscriminado representa outro desafio crucial. Essas zonas, além de constituírem refúgios biológicos, atuam como moderadoras do microclima urbano e propiciadoras de qualidade de vida.

No espectro habitacional, a equação é ainda mais complexa. A urbanização acelerada, desprovida de um planejamento eficaz, relega parcelas consideráveis da população a habitações subnormais, onde o direito à infraestrutura básica é, paradoxalmente, um privilégio. Este panorama é agravado pelo manejo inadequado de resíduos, que além de impactar negativamente o ambiente, compromete a saúde pública.

A intricada rede de governança urbana requer uma atuação colaborativa e interdisciplinar. Embora a sinergia entre diferentes setores da sociedade seja imprescindível para a concretização de cidades sustentáveis, o cenário atual, por vezes, é pautado por lacunas de estratégias de curto prazo, minando avanços significativos.

Inserido nesse contexto, o conceito de “transição justa” desponta como uma métrica essencial. Ele evoca a necessidade de assegurar que a marcha rumo à sustentabilidade não reproduza ou amplifique desigualdades preexistentes, garantindo que os grupos mais vulneráveis sejam protegidos e beneficiados no processo.

A adaptação das cidades à realidade climática, portanto, não pode ser desvinculada da questão da justiça social. Se almejamos uma transição urbana sustentável, ela deve ser fundamentada em estratégias que promovam equidade, acessibilidade e, sobretudo, dignidade para todos os habitantes. A realidade de deslocamentos acelerados em meio a crises climáticas reforça a urgência de tais reflexões e ações.

Finalmente, diante da magnitude e urgência dos desafios climáticos, o Brasil encontra-se em um cenário singular dado que somos guardiões de uma rica biodiversidade e, concomitantemente, é caracterizado por uma complexidade socioeconômica notável.

No núcleo dos desafios contemporâneos, destaca-se a incontornável missão de preservar a Amazônia. Esta vasta floresta, essencial para a conservação da biodiversidade e equilíbrio  climático global, não apenas serve de refúgio para um vasto leque de espécies, mas também se estabelece como um bastião de estabilidade climática e ambiental. Concomitantemente, emerge a urgência de promover uma agricultura de baixo carbono que harmonize a sustentabilidade ambiental com a garantia de subsistência e prosperidade para os brasileiros.

Além da valorização dessas dimensões, é imperativo reconhecer a complexidade da tarefa de mitigação climática, cuja solução reside, em grande parte, no adensamento produtivo e na inovação tecnológica. Ao vislumbrarmos uma transição para uma economia de baixo carbono, torna-se vital que esta evolução seja conduzida por meio do crescimento com adensamento tecnológico, garantindo não apenas empregos, mas também o avanço na renda e a mitigação da histórica heterogeneidade estrutural que marca a sociedade brasileira.

Diante do cenário brasileiro, caracterizado por marcantes desigualdades, a crise climática ameaça intensificar ainda mais essas distorções, impactando com maior severidade os grupos mais vulneráveis. Portanto, as estratégias de mitigação devem abranger uma abordagem que vá além da perspectiva técnica, incorporando inovações que permitam o desenvolvimento do país mediante uma mudança tecnológica, e assim, assumindo um caráter inclusivo e humanista, focado no adensamento produtivo.

Enquanto projetamos o futuro, é imperativo que as soluções sejam permeadas por uma visão integradora, oportunizando a todos os cidadãos brasileiros. É imprescindível investir em tecnologias limpas e renováveis, fomentando empregos qualificados e dignamente remunerados, bem como instituir políticas públicas voltadas à formação e capacitação para os emergentes setores do futuro.

Em conclusão, a mitigação climática, mais do que um imperativo ecológico, é um desafio que transpassa dimensões sociais, econômicas e financeiras. A postura adotada diante deste cenário delineará o Brasil das próximas décadas. Assumamos, assim, o compromisso não apenas de tutelar nossa inestimável biodiversidade, mas também de edificar um Brasil equânime, próspero e resiliente para todos os seus cidadãos.

Fernanda Feil – Professora colaboradora no PPGE/UFF e pesquisadora do Finde/UFF

Marco Crocco – Professor titular Cedeplar/UFMG e presidente do BHTec

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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O Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileira (NEB) desenvolve estudos e pesquisas sobre economia brasileira, em seus diversos aspectos (histórico, político, macroeconômico, setorial, regional e internacional), sob a perspectiva da heterodoxia. O NEB compreende como heterodoxas as abordagens que rejeitam a hipótese segundo a qual o livre mercado proporciona a melhor forma possível de organização da economia e da sociedade.

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