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Eventos extremos no Brasil e a urgente mudança na política e economia, por Samuel de Paula

Além das mudanças estruturais necessárias em áreas suscetíveis a desastres naturais, é fundamental promover a cultura da prevenção

Prefeitura de Porto Alegre

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Eventos extremos no Brasil e a urgente mudança na política e economia brasileira

por Samuel de Paula

Nas últimas décadas, as mudanças climáticas têm gerado efeitos significativos nos sistemas naturais e nas comunidades em todo o mundo. As evidências desses impactos são particularmente sólidas e abrangentes quando se trata dos sistemas naturais, enquanto também identificamos alguns impactos relacionados às mudanças climáticas nos sistemas humanos (IPPC, 2014). No Brasil, já se observa alguns impactos significativos com esse mês de setembro tendo manifestado eventos climáticos extremos. O estado do Rio Grande do Sul tem enfrentado as consequências de um ciclone que assolou mais de 87 municípios. Este ciclone é conhecido como extratropical, não sendo um fenômeno fora do comum, que, no entanto, atinge mais as regiões como Uruguai e Argentina. Ele é formado a partir de um embate entre a massa de ar fria com a massa de ar quente. Assim, ocorre ventos fortes, chuvas, ocasionando aumento dos níveis dos rios e deslizamentos de encostas.

No Rio Grande do Sul o fenômeno impactou diretamente mais de 147 mil cidadãos, as cidades mais atingidas foram Muçum, Lajeado, Maquiné, Dom Pedro de Alcântara, resultando na trágica perda de mais de 40 vidas e deixando cerca de 11 mil pessoas desalojadas e desabrigadas, conforme informações da Defesa Civil estadual. Contudo, este não é o primeiro ciclone a atingir o estado neste ano de 2023. Em meados de junho, outro ciclone já havia devastado mais de 40 municípios, levando a óbito pelo menos 16 pessoas. Na época, Henrique Gomes Acosta, diretor do Departamento de Planejamento Governamental (Deplan), o classificou como o mais severo dos últimos 40 anos. Surpreendentemente, em menos de três meses, enfrentamos outro ciclone, ainda mais severo.

Infelizmente, este não é um evento isolado. Em maio de 2022, o Rio Grande do Sul testemunhou a tempestade Yakecan, que trouxe ventos de quase 100 km/h e causou destruição, embora felizmente não tenha ceifado vidas. Em 2020, o estado sofreu com a passagem de um ciclone bomba, que resultou na perda de uma vida. Antes disso, em janeiro de 2019, o Rio Grande do Sul foi afetado por uma tempestade intensa que causou duas mortes. Em janeiro de 2016, ventos atingiram aproximadamente 120 km/h, e em 2004, o estado enfrentou o furacão Catarina, deixando centenas de feridos.

Além das mudanças estruturais necessárias em áreas suscetíveis a desastres naturais, como melhorias nos sistemas de drenagem, é fundamental promover a cultura da prevenção. Monitorar eventos extremos, antecipar sua chegada, educar a população, estabelecer uma sinalização eficiente, emitir alertas prévios e criar grupos de prevenção integrados entre as forças estaduais são medidas essenciais para reduzir os impactos desses desastres.

Apesar do notável aumento nos gastos com defesa civil em 2023, quando comparado aos anos anteriores, ainda parece insuficiente para as necessidades emergentes do estado. Em 2021, no período de 1º de janeiro a 7 de setembro, o estado destinou R$ 693.400,00 para a defesa civil. Já em 2022, no mesmo período, o governo estadual mais que triplicou esses gastos, totalizando R$ 2.575.744,24. E acompanhando essa tendência de crescimento, em 2023, até 7 de setembro, o estado mais que dobrou as despesas em comparação com 2022, atingindo o montante de R$5.233.781,35. As principais categorias de despesas incluem alojamentos e cozinhas, auxílio financeiro aos municípios, assistência às vítimas, aquisição de máquinas e equipamentos para limpeza e resgate, veículos e serviços de tecnologia da informação.

Despesa por ano com Defesa Civil – Rio Grande do Sul (R$)

Fonte: Elaboração própria, partir dos dados da transparência do estado do Rio Grande do Sul.

Além das despesas e dos projetos de prevenção, é fundamental investigar e responsabilizar os erros e omissões dos órgãos públicos estaduais. O Ministério Público Federal (MPF) iniciou um inquérito civil para apurar a responsabilidade dos órgãos públicos pelas medidas preventivas que poderiam ter sido adotadas para minimizar os danos causados pelas enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul. De acordo com as primeiras investigações do MPF, as enchentes resultaram em danos significativos à vida e ao patrimônio de um grande número de residentes em cidades das regiões serranas e dos vales, abrangendo aproximadamente 30 municípios nas microrregiões de Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Lajeado. A portaria de abertura do inquérito determinou que ofícios sejam enviados inicialmente aos prefeitos municipais e aos representantes da Defesa Civil nas regiões de Bento Gonçalves, Caxias e Lajeado, a fim de que prestem informações relevantes para a investigação em curso. Adicionalmente, o MPF solicitou à Defesa Civil que forneça cópias de todas as comunicações recebidas da Companhia Energética Rio das Antas (Ceran) relacionadas ao monitoramento do aumento do nível das águas do rio devido às recentes chuvas.

Outro Fenômeno extremo no Brasil: Ondas de Calor

Uma intensa onda de calor está afetando o Brasil nos últimos dias, trazendo temperaturas extremamente altas em vários estados do país, incluindo recordes de calor em algumas cidades. Surpreendentemente, essas altas temperaturas ocorrem mesmo durante a estação do inverno.

O Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) emitiu um alerta meteorológico especial de nível laranja (indicando perigo) devido a essa onda de calor. De acordo com os padrões internacionais, esse aviso é acionado quando as temperaturas, especialmente as máximas, excedem em pelo menos 5°C a média histórica, persistindo por um período mínimo de três dias consecutivos. Os estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Pará estão entre os mais afetados. Por exemplo, na cidade de Água Clara, Mato Grosso do Sul, as temperaturas alcançaram 40,6 °C. No norte do país, algumas cidades em Tocantins registraram temperaturas próximas dos 40 °C nesta segunda-feira (18/09), como Santa Rosa do Tocantins (39,1°C), Lagoa da Confusão (39°C), Pedro Afonso (38,9°C) e Pedro do Araguaia (38,9°C).

Além das altas temperaturas, em alguns locais, a umidade do ar está extremamente baixa. São Paulo lidera com apenas 11% de umidade, seguido por Seropédica, no Rio de Janeiro, com 12%, e Montes Claros, Minas Gerais, com 13% (INMET). Essa onda de calor no Brasil é resultado da combinação entre o aquecimento global e o fenômeno El Niño, que se manifesta com grande intensidade em 2023.

A situação vivida por esses estados, e em especial pelo Rio Grande do Sul, é um reflexo das complexidades e urgências globais. Se já reconhecemos a necessidade de reformas econômicas e políticas drásticas, de um projeto coletivo de transformação, e da implementação de desenvolvimento sustentável, é crucial que integremos a esse discurso uma abordagem proativa de gestão de desastres. Afinal, não se trata apenas de neutralizar carbono ou transitar para uma economia verde; é sobre preparar, adaptar e proteger nossa sociedade contra os perigos iminentes.

A frequência e severidade destes fenômenos climáticos, que causaram danos irreparáveis no estado gaúcho, ressaltam a importância de pensarmos no longo prazo. As ações corretivas e preventivas tomadas pelo estado, incluindo o notável aumento nos gastos com defesa civil, são etapas iniciais, mas ainda insuficientes.

Os eventos recentes mostram que investimentos pontuais e reações a desastres não são suficientes. O monitoramento constante, a educação da população e uma coordenação efetiva entre os órgãos públicos são medidas essenciais.

E enquanto investigações como a iniciada pelo Ministério Público Federal são cruciais para apurar responsabilidades e garantir que erros e omissões sejam corrigidos, o verdadeiro desafio é garantir que tais erros não se repitam. Portanto, além das reflexões sobre as transformações necessárias em nossa economia e políticas, é crucial também internalizar a importância de estratégias proativas e contínuas de mitigação e preparação para desastres naturais.

 Neste contexto, torna-se cada vez mais evidente que enfrentar a crise climática requer uma abordagem específica tanto na economia quanto na política. Ocorrências como ondas de calor intensas, eventos climáticos extremos e o aumento das temperaturas são apenas alguns dos fenômenos com os quais estamos lidando. A necessidade de repensar nossa abordagem em relação ao meio ambiente e às mudanças climáticas é inegável. Isso implica na adoção de políticas que promovam a sustentabilidade, a transição para fontes de energia limpa, a preservação dos recursos naturais e a redução das emissões de gases de efeito estufa. Além disso, requer uma economia que valorize não apenas o crescimento econômico, mas também o desenvolvimento sustentável, que seja justo, tanto do ponto de vista ecológico quanto social.

Referências:

IPCC, Alterações Climáticas, Impacto Adaptação e Vulnerabilidade de 2014, Resumo para Decisores (Cambridge University Press 2014) 20< https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/03/ar5_wg2_spmport-1.pdf> acessado 22 abril 2023. 

Samuel de Paula – Mestrando em economia na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador do FINDE (UFF), Niterói, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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