Combatendo notícias falsas II: A Lua não é oca, não é feita de queijo nem tem um lado escuro, por Felipe A. P. L. Costa

O artigo foi extraído e adaptado do livro "A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência"

Reprodução

Combatendo notícias falsas. II. A Lua não é oca, não é feita de queijo nem tem um lado escuro.

Por Felipe A. P. L. Costa*

Quando Ismália enlouqueceu,

Pôs-se na torre a sonhar…

Viu uma lua no céu,

Viu outra lua no mar.

Alphonsus de Guimaraens (1870-1921).

1. A LUA É DESPROVIDA DE ATMOSFERA.

Único satélite natural da Terra, a Lua é um corpo esférico e maciço [1]. Para os padrões do Sistema Solar (ver a Parte I, aqui), trata-se de um satélite relativamente grande, ainda que não o suficiente a ponto de reter uma atmosfera em torno de si [2].

Sendo desprovida de atmosfera, inexiste efeito estufa na Lua. O que implica em oscilações térmicas extremamente acentuadas – leia-se: manhãs escaldantes, noites congelantes [3].

Além dos extremos de temperatura, porém, a ausência de atmosfera tem uma série de consequências importantes. Por exemplo, não venta nem chove na Lua. Um observador humano que estivesse por lá teria ainda as seguintes experiências: não conseguiria respirar; não ouviria qualquer som; não conseguiria acender um fósforo; não veria um céu azul com nuvens. Em compensação, como não há ar atmosférico nem partículas em suspensão, o observador veria a paisagem ao redor com brilho e nitidez superiores aos que nós experimentamos aqui na Terra.

2. DE ONDE VEIO A LUA?

A origem da Lua ainda é um tema de discussão e pesquisa. Conforme anotou Patrusky (1991, p. 181):

“Nos dias pré-Apollo, antes que o homem pisasse na Lua, três teorias rivais estavam em moda: que a Lua se rompera ou se desprendera por fissão de uma Terra em revolução vertiginosa; que teria sido um nômade do espaço que, chegando perto demais, foi capturado pelo campo gravitacional da Terra; que fora formada simultaneamente com a Terra, do mesmo gás e da mesma poeira originas que deram origem ao restante do sistema solar.”

Mais recentemente, porém, outras hipóteses ganharam força. Uma delas diz respeito a um dos mais dramáticos episódios da história do nosso planeta: a colisão com um asteroide. A colisão gerou uma nuvem de detritos, boa parte dos quais permaneceu a girar em órbita da Terra. Essa nuvem de detritos foi se fundindo e, por acreção, deu origem a uma protolua. Quando esse objeto ultrapassou um diâmetro mínimo crítico (> 500 km; ver adiante), a gravitação passou a esculpi-lo, dando-lhe um formato esférico característico – a exemplo do que já havia ocorrido antes com a prototerra.

2.1. Antes dos poetas, a Lua foi dos agricultores.

Ao lado do Sol, a Lua talvez seja o objeto astronômico mais venerado pelos seres humanos. De fato, é difícil imaginar uma sociedade cuja cultura não dedique um capítulo especial ao nosso satélite natural. E os temas associados à Lua variam bastante, dos mais etéreos e fantasiosos (e.g., morada de S. Jorge e seu dragão) aos mais comezinhos e pragmáticos (e.g., como um tipo de marcador a indicar o momento certo de plantar ou colher).

3. LADO ESCURO OU LADO OCULTO?

Em meio a um sem número de erros e mal-entendidos a respeito de padrões ou processos astronômicos, comumente nos defrontamos com a ideia de que haveria um lado escuro da Lua – i.e., um lado que jamais seria iluminado pelos raios de Sol, permanecendo assim indefinidamente nas sombras [4].

Essa ideia é falsa. Mas não é de todo descabida.

A origem do mal-entendido tem a ver com o fato de que o mesmo lado da superfície lunar está sempre voltado para nós. E o mesmo lado está sempre voltado para nós porque a Lua e a Terra estão presas entre si. Como anotaram Comins & Kaufmann (2010, p. 192): “Contrário às aparências, a Lua não orbita a Terra. Em vez disso, ambos os corpos estão se movendo em torno de seu centro de massa, chamado baricentro”.

3.1. As fases da Lua.

O acoplamento (gravitacional) entre a Terra e a Lua resulta assim em um movimento bastante sincronizado em torno do baricentro. (Esse centro de massa comum, diga-se, está situado no interior da Terra, a uns 1.700 km de profundidade [5].) É a mesma sincronização que se consegue, por exemplo, com um par de esferas, presas entre si por uma barra e postas a girar sobre uma mesa.

Uma das consequências desses movimentos sincronizados são as fases da Lua (ver a figura que acompanha este artigo). A sincronização do par Terra-Lua em torno do Sol é tão precisa que é possível prever com segurança e bastante antecedência o dia e o horário exato do início de cada fase.

Nas palavras de Mourão (1998, p. 50):

“Quando a Lua está em conjunção com o Sol, tem-se, então, a lua nova ou novilúnio: a Lua é invisível, nasce às seis horas da manhã e passa pelo meridiano ao meio-dia.

Quando, sete dias e meio depois, a Lua se desloca 90° em relação ao Sol, tem-se a quadratura. Nessa fase, ela recebe o nome de quarto crescente ou primeiro quarto; seu aspecto é de um semicírculo, com uma parte iluminada voltada para o oeste. A Lua nasce ao meio-dia e passa pelo meridiano às dezoito horas.

Cerca de 15 dias depois da lua nova, a Lua se encontra em oposição ao Sol, quando, então, a diferença angular entre a Lua e o Sol atinge 180 graus, o que corresponde à lua cheia ou plenilúnio. Ela tem o aspecto de um globo luminoso visível durante toda a noite; nasce às dezoito horas, quando o Sol se põe, passa pelo meridiano à meia-noite e se põe às seis horas, quando o Sol nasce.

Logo após a porção iluminada vai diminuindo, até atingir 29 dias; depois de uma nova quadratura, quando, então, a diferença angular é de 270 graus, tem-se o quarto minguante ou último quarto. O aspecto da Lua é de um semicírculo voltado para o oeste; nasce à meia-noite e passa pelo meridiano às seis horas da manhã.”

NOTAS

[*] O presente artigo foi extraído e adaptado do livro A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (em processo de finalização). Outros trechos da obra já foram anteriormente divulgados neste Jornal GGN – e.g., Por que a Terra é esférica?; Revolução Agrícola, a mãe de todas as revoluções; e A escrita diarística e o fumo de um corpo que arde.

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[1] A composição química da Lua se assemelha à composição do manto terrestre – ver Wieczorek et al. (2006); em port., Comins & Kaufmann (2010). Embora seja um corpo menos denso que a Terra (3.346 vs. 5.515 kg m–3), em razão da escassez de átomos pesados (e.g., Fe), a Lua não é oca! E mais: ao contrário do que acreditavam os personagens de animação Wallace e Gromit (ver episódio ‘A Grand Day Out’), a Lua não é feita de queijo.

[2] Em termos absolutos, com um diâmetro equatorial de 3.476 km, a Lua é apenas o quinto em tamanho. Em termos relativos, porém, é o maior. Trata-se, a rigor, de um gigante: o diâmetro lunar corresponde a 27% do diâmetro da Terra. O diâmetro de Ganimedes (5.268 km), o maior satélite em termos absolutos, corresponde a 3,7% do de Júpiter (142.984 km) e o de Titã, a 4,3% do de Saturno (120.536 km). Nosso sistema planetário tem mais de 200 satélites naturais – para uma lista (parcial), ver Comins & Kaufmann (2010).

[3] As características térmicas da superfície lunar variam de acordo com a latitude ou o local (e.g., idade e composição mineral das rochas locais). No equador, a temperatura média diária é de 216 K (–57 °C), oscilando entre um máximo diurno de 392 K (119 °C) e um mínimo noturno de 95 K (–178 °C). A duração de um ‘dia lunar’ coincide com a lunação (ver a figura que acompanha este artigo) e equivale a ~29,5 dias terrestres. Em outras palavras, cada metro quadrado do equador lunar experimenta quase 355 horas de insolação direta e outras 355 horas na sombra. Para detalhes técnicos, ver Williams et al. (2017); em port., Comins & Kaufmann (2010).

[4] No âmbito da cultura popular, o mal-entendido parece ter sido fortemente nutrido pela tremenda popularidade do álbum The dark side of moon (1973), da banda de rock britânica Pink Floyd.

[5] A rigor, o que está  a orbitar o Sol é o baricentro, não é o centro de massa da Terra nem é o centro de massa da Lua. O baricentro do par Terra-Lua seria a distância média ponderada entre o centro de massa da Terra e o centro de massa da Lua.

Referências citadas

++ Comins, NF & Kaufmann, WJ, III. 2010 [2008]. Descobrindo o Universo, 8ª ed. P Alegre, Bookman.

++ Patrusky, B. 1991 [1988]. De onde veio a Lua? In: Leigh, J & Savold, D, orgs. O dia em que o raio correu atrás da dona-de-casa… e outros mistérios da ciência. SP, Nobel.

++ Wieczorek, MA & mais 15. 2006. The constitution and structure of the lunar interior. Reviews in Mineralogy & Geochemistry 60: 221-364.

++ Williams, J-P & mais 3. 2017. The global surface temperatures of the Moon as measured by the Diviner Lunar Radiometer Experiment. Icarus 283: 300-25.

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