11 de setembro no Chile: filmes (2), por Walnice Nogueira Galvão

Do Chile, ou de cineastas chilenos no exílio, chegam filmes como Rua Santa Fé (2007) ou Allende, meu avô Allende(2015)

Operação Condor

11 de setembro no Chile: filmes (2)

por Walnice Nogueira Galvão

Decorrido um lapso de silêncio,  nota-se no presente século um recrudescimento do interesse pelo tema da instauração da ditadura de Pinochet, que culmina nas cercanias do aniversário de meio século do golpe (1973-2023). Uma tal intensificação se faz sentir após um quase olvido, quando as sondagens rarearam após uma primeira safra de filmes. A partir desse intervalo,  pedem registro produções que ou questionam os meandros do golpe, ou, o que aumenta sua relevância, tratam das ramificações mais inesperadas. Multiplicam-se as abordagens e os pontos de vista.

Entre eles, destacam-se novos filmes do documentarista Patricio Guzmán, autor da trilogia A batalha do Chile, que, embora mantendo os pés no passado, passaria a abordar seus desdobramentos.  Nostalgia da luz (2010) e O botão de pérola (2015) dedicam-se a uma vasta reflexão sobre os desaparecidos. E fomos brindados ainda com uma importantíssima biografia: Salvador Allende (2004).

Do Chile, ou de cineastas chilenos no exílio, chegam outros filmes, de diferentes diretores. Seja Rua Santa Fé (2007), sobre uma família de militantes acossada pelo regime;.ou Allende, meu avô Allende(2015), carinhosa reminiscências de uma neta; ou ainda Machuca (2004), que mostra a amizade entre  dois meninos no tempo de Allende, um burguês e outro pobre.   

Vieram-nos ainda vários filmes de Pablo Larraín, que não dá mostras de esgotar o assunto. Post Mortem (2011) enquadra o golpe do ponto de vista de um funcionário de necrotério. NO  (2012) fala  do plebiscito convocado para legitimar a ditadura e que saiu ao contrário após intensa campanha progressista. Neruda (2016) focaliza o policial encarregado de vigiar secretamente o poeta comunista. Tony Manero (2008) trata de um imitador obcecado pelo protagonista de Os embalos de sábado à noite, cujos tiques e cacoetes  copia em concursos de televisão.  E mais a sátira El Conde (2023), filme de terror em branco-e-preto, no qual Pinochet é um vampiro…

Do cinema estrangeiro vieram filmes relevantes. Da Suécia, O cavaleiro negro (2007), nsrrando os feitos do embaixador sueco e os riscos em que incorreu para salvar um grande número de perseguidos, abrigando-os e subtraindo-os aos algozes, para transportá-los extramuros sãos e salvos. Da Alemanha, Amor e revolução (2015) , também intitulado Colônia, sobre um campo de concentração e tortura, liderado por um ex-oficial nazista disfarçado de missionário.  Santiago, Italia  (2018) é obra do grande diretor Nanni Moretti, que  volta a 1973 para investigar o papel da Itália e de seu embaixador no salvamento dos caçados com a vida em perigo, a exemplo da Suécia.

O Brasil contribuiu com um documentário de investigação, Operação Condor (2007). As ditaduras dos anos 1960 e 1970 predominaram não só no Brasil, mas em todo o Cone Sul, onde vigorou a famigerada Operação Condor. Aí vemos como a polícia e as forças armadas dos países da região formaram um conluio de informações e serviços mútuos, sendo responsáveis por atentados, torturas, assassinatos, sequestros e desaparecimentos. E tudo sob a batuta dos Estados Unidos. Dirigido por um brasileiro, o filme vai desmontando peça por peça a máquina da repressão e revelando suas monstruosidades.

Já obra da geração seguinte e inteiramente divergente,o tema viria a produzir um resultado inusitado, ao focalizar com certo deslocamento as derivações do golpe. Dirigido pela filha de Costa-Gavras, Julie Gavras, A culpa é do Fidel (2006),  protagonizado por uma menina, conta as agruras de ser filha de esquerdistas, mesmo num país tão civilizado quanto a França. É bom lembrar que Costa-Gavras é o diretor de dois filmes clássicos e engajados sobre o golpe chileno, bem como seus antecedentes: Estado de sítio (1972) e Desaparecido (Missing) (1982). Julie Gavrasmostra como é difícil entender-se, em meio às dores do crescimento, num lar que hospeda les barbudos, como explica a menina. Certamente vemos ali como nada tem de banal a experiência de ser filha de artistas militantes, e o grau de mortificação que vem com a notoriedade.

Tema vivaz, feridas a cicatrizar: um cinema em busca de verrumações insólitas e capazes de surpreender.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

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