11 de setembro no Chile: filmes
por Walnice Nogueira Galvão
O golpe do dia 11 de setembro de 1973 suscitou filmes importantes. Entre eles, brilha como padrão insuperável a trilogia de Patrício Guzmán, que, tendo participado do “experimento Allende”, depois filmaria o golpe e suas consequências. A trilogia tem por título A Batalha do Chile (1979) e um subtítulo que a explicita: A luta de um povo sem armas. Documenta minuciosamente como testemunha de vista o que foi o projeto socialista e inovador do governo Allende. E depois registra como a direita tomou o poder em 1973, em meio a um banho de sangue, passando a desmantelar meticulosamente o projeto. Filmado ao longo de muitos anos, foi concluído em 1979. Consta de três filmes: A insurreição da burguesia, O golpe militar e O poder popular, num total de cerca de seis horas. Teve produção de Chris Marker, o francês que foi o maior documentarista político que já houve, devotando-se a filmaras revoluções do século XX. É uma obra-prima e certamente a mais importante realização cinematográfica já feita sobre as ditaduras da América Latina.
Mais tarde, o mesmo cineasta continuaria a filmar, ajustando ligeiramente o ponto de vista e focalizando os desdobramentos. Vieram então O botão de pérola (2015), que se dedica a uma vasta reflexão sobre os desaparecidos, muitos deles atirados de um avião ao mar, elemento da natureza que comanda a reflexão no filme. Também foi praxe no Brasil, como foi o caso de Stuart Angel, o filho de Zuzu Angel. Nostalgia da luz (2010) filma, no deserto de Atacama, os cemitérios clandestinos de mortos e desaparecidos onde, trinta anos depois, familiares vão desenterrar ossos. E, o que ainda fazia falta, uma bem completa biografia do líder chileno: Salvador Allende (2004).
Outra biografia que fazia falta é a de Victor Jara, ora filmada como Massacre no estádio (2019). O documentário retraça a vida e a morte desse popular cantor militante, ativo no “experimento Allende”, um dos primeiros a ser trucidado pelos militares vitoriosos. Lembra a contribuição do cantor Zeca Afonso, cuja atuação em Portugal foi decisiva para a Revolução dos Cravos: não foi à toa que sua composição “Grândola vila morena” seria a senha transmitida pelo rádio que serviu como estopim para a insurreição. Os legendários Woody Guthrie e Pete Seeger, da música folk norte-americana, também estiveram à frente das lutas populares, o primeiro na Grande Depressão dos anos 30 e o segundo depois disso, nas canções de protesto e nas marchas pelos direitos civis. No Brasil, Geraldo Vandré estava se encaminhando para ser um deles, se a ditadura não tivesse ceifado sua carreira de menestrel. Victor Jara viria a tornar-se um relevante símbolo da luta pela liberdade.
Desaparecido (1982): mais conhecido como Missing. Prestou o grande serviço de divulgar os horrores do regime de Pinochet para o mundo: teve produção americana, é falado em inglês e estrelado por Jack Lemmon, que além do mais ganhou o Oscar de melhor ator, o que em geral catapulta o filme para o sucesso. Tudo isso é visão de longo alcance de um cineasta militante, Costa Gavras, que já tinha atingido a fama com o filme Z, que, embora tratasse de um atentado mais antigo, servia como denúncia da ditadura militar grega, a chamada “ditadura dos coronéis”, então vigente. Baseado numa história conhecida, Missing teve estrondoso sucesso internacional, narrando o caso de um pai americano cujo filho, jornalista de esquerda no Chile de Allende, é um dos desaparecidos.
Anos antes, e sob a égide de Allende, este diretor já tinha feito no Chile um filme militante, empunhando o cinema como arma na luta política. Trata-se de Estado de sítio (1972), que conta, ligeiramente ficcionalizado, o percurso de Dan Mitrione, agente secreto dos Estados Unidos que viera ao Cone Sul ensinar as forças armadas a torturar. O agente foi sequestrado e justiçado pelos Tupamaros, o agrupamento de guerrilha urbana fundado no Uruguai por um punhado de bravos, entre eles José Mujica e Raul Sendic. O filme foi proibido entre nós, pois mostrava a aplicação prática das aulas num prisioneiro, sob a bandeira brasileira pendurada na parede.
Todos eles são filmes de testemunho, tendo máxima relevância.
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.