Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Einstein’s God Model: Relatividade Quântica contra Deus e a morte, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Imagine um thriller tecnocientífico que contasse com a consultoria de cientistas como Einstein, Thomas Edison, Niels Bohr e Nikola Tesla. Mas não há colisores de partículas ou fórmulas matemáticas. Há avançados experimentos na busca pela vida pós-morte. Esse é o curioso filme indie “Einstein’s God Model” (2016) do diretor Philip Johnson: como a busca de existências após a morte por meio de um Spectrographic EMF Receiver construído por Edison nos anos 1920 revive o velho conflito entre o modelo divino de Einstein contra o modelo ateu quântico de Bohr. Um grupo bizarro de “cientistas” (um físico renegado, um anestesista e um médium cego) irá confrontar Relatividade, Mecânica Quântica e Teoria das Cordas para buscar o mito da “segunda chance” (corrigir em mundos paralelos erros cometidos nesse mundo) e  uma interpretação gnóstica da Física que empurra os modelos teóricos para além da maior falha da Criação: a seta do Tempo. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

É conhecida a aporia de Einstein em relação à física experimental quântica de Neils Bohr e o princípio da Incerteza de Heisenberg. A descoberta de um mundo subatômico, ondulatório, descontínuo, probabilístico e incerto, questionando o Universo monista de Einstein (unido geometricamente num tempo-espaço curvo), fez ele reagir: “Deus não joga com dados”.

Para o filme sci-fi independente Einstein’s God Model esse era o modelo “divino” do famoso físico. Einstein ainda acreditava em Deus e achava que todo o conhecimento científico seria o percurso em direção a Ele, o limite de todo o conhecimento universal.

Einstein concebia um Universo onde o tempo seguiria uma única direção, como demonstra o conceito de entropia da termodinâmica – perda de energia, desorganização, morte. Em síntese:  a ideia de seta do tempo. 

Mas a mecânica quântica suscita a possibilidade de multiversos e o comportamento ondular do tempo permitiria pensarmos para além dos limites que nos obrigam a vermos uma única parte do tempo, sem percebermos as “ressonâncias” (Teoria das Cordas) de outros tempos e dimensões.

 

Colisores de partículas e o pós-morte

Einstein’s God Model (estreia do diretor Philip Johnson) entra nesse debate contando a estória de físicos independentes que fazem uma exótica parceria com médicos anestesistas: cansados de verem a comunidade de físicos estudarem o mundo subatômico em grandes colisores de partículas para tentar comprovar as teses das cordas e da mecânica quântica, decidem partir para outro campo – a existência da vida pós-morte.

Para eles, no momento da morte o cérebro humano pode perceber muito além da seta do tempo na qual nos limitamos quando estamos vivos: do outro lado poderíamos perceber o mundo subatômico, o universo quântico.

Einstein’s God Model é mais um filme sci-fi independente que faz uma leitura gnóstica da física moderna, ao lado de produções recentes como Coherence (2013), Mr. Nobody (2009), Primer (2004), Don’t Blink (2014), The OA (2016), Synchronicity (2015) entre outros em uma grande lista.

E a companhia teórica (que o filme inclusive cita nos créditos iniciais como fossem “consultores técnicos”) é de peso: Thomas Edison e o sua invenção Spectrographic EMF Receiver, A. Einstein (“presidente em relatividade”), N. Bohr (“Chefe em Operações Quânticas”), E. Witten (“Cartógrafo de Membranas Dimensionais”), J.G. Wright (“Ótica Multiverso”), W.O. Neil (“Técnico em Telefonia Gravitacional”) e N. Tesla (“Design do Spectrografic EMF Receiver”).

 

E por que uma leitura gnóstica da física? Se o princípio da incerteza de Heisenberg veio comprovar a suspeita do Gnosticismo de que a Criação é imperfeita e obra de um Demiurgo, por outro lado potencialmente confirma a cosmologia gnóstica (a pluralidade de mundos) e a também a possível transcendência da principal falha que nos mantém prisioneiros nesse cosmos : a entropia.

A morte não existira porque, através da gravidade (ou “grávitons”, as partículas das forças gravitacionais), a morte significaria apenas o deslocamento de uma “membrana” para outra através dos multiversos.

Como veremos, apesar de toda ambição teórica do filme de pretender fazer uma espécie de “Teoria de Tudo” (a velha ambição de Einstein da “Teoria do Campo Unificado” em unir o mundo macro e micro) Einstein’s God Model tem timing de humor, thriller e didáticas sínteses das principais teses da física moderna.

O Filme

A estória começa em 2002 num experimento no qual dois cientistas conectam um estudante voluntário ao que parece ser um scanner cerebral a um sistema de som antiquado com uma série de leitores e  dials analógicos. A máquina foi construída por nada menos do que Thomas Edison, um “Spectrographic EMF Receiver feita dentro de um projeto secreto chamado “God Model Project” nos anos 1920. Um dispositivo projetado para entrar em contato com os morto através de um velho telefone preto.

 

A experiência parece ter sido dolorosamente mal sucedida. Pulamos então para os dias atuais e encontramos um jovem anestesista, Brayden Taylor (Aaron Graham), se defrontando com a morte da sua namorada, Abbey – Kirby O’Connell.

Uma conversa casual com um colega, leva-o a saber de experiências com uma droga chamada Cetamina (que induz a percepções similares a pós-morte) e experiências anti-éticas realizadas com elas por um físico brilhante chamado Carl Meinsehoff (Darryl Warren) que, desde então, desapareceu.

Demora um pouco para os personagens principais se unirem para novos experimentos com a velha máquina de Edison: Craig (Brad Norman, a cobaia da experiência inicial) que ficou cego e transformou-se em um médium capaz de contatar os mortos em uma emissora de rádio evangélica; o físico Mastenbrook (Kenneth Hughes), remanescente da experiência inicial e que tenta melhorar a máquina de Edison conectando-a a um computador quântico – serão dele as principais linhas de diálogo com as elucidações científicas sobre todo o processo.

 

Os efeitos especiais são bastante impressionantes e criativos para uma produção independente com um orçamento tão limitado. E apesar de todos os diálogos discursivos em torno de relatividade, física quântica e teoria das cordas, o filme segue em ritmo de thriller. Um verdadeiro thriller técnico-científico.

A Segunda Chance

Mas como em todo filme que trata sobre a possibilidade da existência da sobrevivência da alma (no filme fala-se em “sobrevivência da personalidade”) a curiosidade científica é a menor motivação: tanto Craig como Brayden são movidos pelos sentimentos de culpa, remorso e arrependimento – Craig involuntariamente teria sido responsável pela morte de sua pequena irmã e Brayden acreditando que poderia ter salvo a sua noiva, deprimida por ter sofrido um aborto involuntário.

Como no filme The Discovery (clique aqui), ambos buscam a oportunidade de, pelo menos, se despedirem de uma forma digna para se libertarem da culpa e elucidar os fatos. 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

11 Comentários

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  1. Carta famosa de Einstein sobre religiao
    Nas palavras de Einstein:
    “Para mim, a religião judaica é, da mesma forma que todas as outras, uma incarnação das superstições mais infantis. (…)”
    “(…) a palavra Deus é uma expressão e um produto da fraqueza humana, e a Bíblia é uma colecção de honrosas mas primitivas lendas que são bastante infantis”
    “Eu não acredito em um Deus pessoal. Nunca neguei isso. Expressei-o de forma clara. Se algo em mim pode ser chamado de religioso, é a minha ilimitada admiração pela estrutura do mundo que a ciência é capaz de revelar”

  2. Einstein novamente usado
    Não sei de onde o autor da materia tirou que Einstein acreditava en Deus. Religiosos tentam desesperadamente atribuir a Einstein um religiosismo, já que um dos maiores cerebros de todos os tempos temer Deus é peça fundamental de propaganda. Sua frase sobre Deus não joga dados,vem num contexto de um momento que se aproveitada de suas discordancias com Planck, Bohr, Heisenberg, e a mecanica quantica, que de certo modo ofuscava um pouco sua teoria da relatividade geral. Mas biografos importantes de Einstein reconhecem sua visao da natureza sem necessidade de Deus.

    1. O Deus de Einstein

      Em 1921, perguntado pelo rabino H. Godentein, de Nova York, se acreditava em Deus, Einstein repondeu: “Acredito no Deus de Espinosa, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que interessa pelo destino e pelas ações do homem”.

      Deus para Einstein era o seu modelo monista, que se opunha à realidade porbabilística e incerta da física quântica. Esse é o tema do filme “Einstein’s God Model. 

    2. O autor não deixa muito claro

      O autor não deixa muito claro se interpretou corretamente a religiosidade de Einstein, mas parece ter favorecido a concepção equivocada ao citar Deus como “Ele”.

      Ainda assim podemos dizer que Einstein acreditava em Deus. O problema está no que Deus representa para Einstein e o que as pessoas entendem quando leem Deus e Einstein na mesma sentença. Claramente não é o Deus pessoal encontrado nas grandes religiões monoteístas – cristã, judaica e islâmica – mas na realidade a maioria das pessoas só o interpreta dessa maneira, o que gera uma confusão enorme. O Deus de Einstein é nada mais do que o universo, visto como “a harmonia ordenada do mundo”, como ele próprio esclareceu:

      Einstein tells Rabbi Herbert S. Goldstein:
      “I believe in Spinoza’s God, who reveals Himself in the lawful harmony of the world, not in a God Who concerns Himself with the fate and the doings of mankind.”
      (Dennis Brian, “Einstein: A Life”)

      1. Repetindo…

        Repetindo: “Ele” em Einstein é o seu modelo monista. Está claro que Einstein não acreditava num Deus que julgava as ações  humanas ou o destino da humanidade. Para ele, Deus é a “harmonia” – um Universo unido geometricamente num tempo-espaço curvo, e não o universo probabilístico que sugeria e mecânica quântica.

      2. Deus de Espinosa

        Exatamente, Einstein expressa exatamente essa opinião no seu livro Como Vejo o Mundo. Sua filosofia espinosana é a matriz de seus estudos científicos da Relatividade, Movimento Browniano, Dualidade Onda-Partícula e Emissões Radioativas. A crença de um Deus impessoal que se identifica com uma visão hiper-expandida da Natureza. mas este é um outro mundo de coisas, a quem devemos deixar a cargo de nossa querida Professora Marilena Chauí, a maior especialista em Espinosa do Mundo! O confronto entre a Mecânica Quântica de Niels Bohr com a Relatividade não me deixa confortável, uma teoria de tudo deveria incluir inclusive a conciliação destes opostos aparentes.

    3. O mesmo disse que tudo levava
      O mesmo disse que tudo levava a um Deus, mas deixou de acreditar no que não poderia provar, apenas isso, e o maior cérebro do mundo foi refutado por Tesla e por Herbert Dingle, sou contra religião fanática e esse “endeusamento” de cientistas ligeiramente grosseiro

  3. gosto muito dessas ideias…

    tudo fica mais interessante sem o tempo

    já que para o estudo do estágio atual do nosso desenvolvimento em vida, podemos deslocá-lo para frente e para trás, rapidamente ou lentamente

    e até passar por cataclismos, sem que ele não altere nada……………………………

    mas não é o nada como estamos acostumados a identificar e entender, é a outra parte de um todo

    por aqui, já espaço, seria a carapaça, e do outro lado a tartaruga

    ou o contrário

    ou justamente o que me faz gostar muito das ideias desses filmes, pois, acredito, os médiuns natos são cegos

    1. enquanto os outros…

      sempre precisaram de uma ferramente, mas não visual ou para deslocamento nos dois sentidos da vida, início e fim, porque não é partindo do fim que chegaremos ao início, nos perdemos em nós mesmos ou em outros já passados

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