Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Os deuses estão mortos e as mulheres empoderadas em “Alien: Covenant”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Como sempre, um filme da franquia “Alien” se promove colocando em destaque a figura do monstruoso predador xenomorfo. Mas em “Alien: Covenant”(2017) o monstro é apenas uma isca para atrair o sadismo do público. No filme a figura do predador foi colocada em segundo plano para o diretor Ridley Scott fazer um acerto de contas com a mitologia que começou com “Alien” de 1979 através da figura do androide David. Assim como em “Blade Runner” com o replicante Roy, David rouba a cena simbolizando o nosso fascínio por frankensteins e golens. Mas também terror: e se a criatura ganhar inteligência e alma e também nos considerar como deuses e tentar fazer, da mesma maneira, o caminho de retorno aos seus criadores? E se ele se decepcionar conosco, assim como nós que matamos nossos próprios deuses? Ao mesmo tempo, as recorrentes mulheres empoderadas de Scott (Ripley, Shaw e, agora, Daniels) tomam as rédeas de uma ordem masculina amoral e decadente, ironicamente derrotada por um predador que mais parece um símbolo fálico hiperbólico. E o pano de fundo preferido de Scott: um Universo sem propósito ou sentido que observa a tudo indiferente

 “Eu quero assustar com a própria merda das pessoas. Esse é meu trabalho”, disparou o diretor Ridley Scott numa entrevista para Tim Lewis do Observer na Alemanha em evento promocional do filme Alien: Covenant. Scott leva à sério esse trabalho nesse terceiro filme que fecha a trilogia alien, às expensas dos outros filmes descartáveis da franquia que se concentravam no terror fácil de um predador praticamente invencível com um sangue ácido e que se reproduz violentando o próprio hospedeiro.

Retirando monstros, gosmas, sangue e chacinas, Alien: Covenant explicita essa “merda” que o diretor quer jogar na cara do público para assustá-lo – trata-se do extermínio da própria civilização humana em um Universo indiferente, sem sentido ou propósito. A não ser o de gerar vida em seu propósito mais básico e biológico: dominar, sobreviver, predar e se reproduzir. Scott quer jogar na nossa cara essa amoralidade ou “vontade de potência” (Nietzsche) que subjaz a própria Criação. E como a espécie humana se ilude tentando encontrar algum desígnio ético, moral ou divino num Universo supostamente criado por deuses.

Há 38 anos, Scott nos revelou a verdadeira máquina predadora que era aquele ser xenomorfo e como a empresa proprietária nave “Nostromo” era indiferente com a tripulação: tudo o que empresa queria era explorar aquela maravilhosa máquina de matar – quintessência da amoralidade corporativa. E sacrificar toda a tripulação para ser proprietária daquele ser que vivia no topo da cadeia evolutiva.

 

Amoralidade e empoderamento feminino

Em Prometheus (2012), o homem descobriu que seus próprios criadores (os “engenheiros”) eram amorais – criaram a humanidade e agora decidem exterminá-la. Por que? Apenas porque podem. Essa foi a resposta frustrante que o androide David ouviu do Dr. Holloway: “Porque sua espécie me fez?, perguntou David. “Os fizemos porque podíamos”, disse lacônico o Dr. “Você percebe o quão frustrante seria ouvir a mesma coisa do seu criador?”, lamentou David.

Esse lamento do androide David, decepcionado com a espécie que o criou, antecipa tudo o que acontecerá em Alien: Covenant: o homem se confrontará com a própria amoralidade da sua criação, o seu espelho – David aprendeu que o Universo é vazio de sentido, hostil, no qual os próprios “deuses” (os “engenheiros”, sejam aliens ou humanos) são amorais e frívolos, embora nutram alguma esperança em algo divino ou transcendente.

Mas ainda Scott joga outra “merda” para apavorar o público, principalmente masculino: o empoderamento feminino – a trilogia é marcada por mulheres fortes (Ripley, Shaw e Daniels). Scott aterroriza os homens com um máquina fálica xenomórfica que “estupra” homens para se reproduzir enquanto as mulheres assumem as rédeas – Shaw ainda arranca um deles à fórceps das suas entranhas em Prometheus.

Ridley Scott dirigindo a personagem Daniels

 

Mulheres se masculinizam enquanto os inseguros homens se feminilizam? Esse é o terror do declínio de uma civilização masculina que vê um monstro xenomorficamente fálico se impondo como máquina amoral de destruição – ele não é mal, apenas realiza a potencia da vida: reproduzir e predar.

Como veremos, a verdadeira “merda” que Scott joga na nossa cara é de que a Criação não nos ama – é apenas indiferente.

O Filme

Alien: Covenant narra o que aconteceu dez anos depois dos eventos de Prometheus, superando o fosso entre esse filme e o original Alien de 1979. A história começa com um acidente envolvendo a nave Covenant (“aliança”), levando em hiper sono a tripulação e mais 2 mil colonos, além de embriões congelados, em direção de um planeta paradisíaco, oportunidade para a humanidade recomeçar do zero. E um androide chamado Walter (Michael Fassbender) que monitora as funções da Covenant.

Os tripulantes são despertos por Walter, enquanto o capitão Jacob Branson (James Franco) morre tragicamente em uma falha na sua cápsula, deixando sua esposa Daniels (Katherine Waterston) e substituto no comando da nave, Oram (Billy Crudup), que terá que assumir a cadeira de capitão apesar da sua personalidade indecisa e medrosa. 

 

Ainda longe do seu destino, a tripulação capta um sinal de socorro proveniente de um planeta próximo que parece habitável. Esse é o ponto fraco e inverossímil do roteiro: a tripulação substitui o certo (o destino em um planeta estudado por anos e 100% semelhante à Terra) pelo duvidoso, apenas por que ninguém mais quer voltar ao hiper sono depois do acidente.

Então, decidem dar um salto de fé… para terminarem em um planeta chuvoso repleto de criaturas que parecem seres xenomórficos menores do que o alien original e que “engravidam” suas vítimas por meio de esporos.

Nesse ponto, o filme soa como uma variação do enredo de Alien de 1979. Isso até reaparecer o androide David do filme anterior Prometheus. Ele resgata todos de um ataque dos mini-xenomorfos e os recepciona em ruínas de um templo dos antigos engenheiros. David está agora com cabelos compridos, uma túnica que lembra alguma coisa entre um sacerdote ou profeta visionário, com um olhar agora estranhamente sombrio. Bem diferente do olhar inocente e curioso de Prometheus, no qual David ainda nutria alguma devoção pelos seus criadores humanos.

 Em Alien: Covenant não presenciamos chacinas e perseguições de predadores caçando humanos. Scott está mais interessado em dissecar as complexas relações de David (também performado por Fassbender) com outro androide, Walter, e ambos com os humanos.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. Assisti ao filme e a todo

    Assisti ao filme e a todo momento me lembrava de Lovecraft e seus universo povoado de horrores. Nunca associei Alien a um simbolo fálico, e suas mulheres de cabelo curtinho que se transformam são tema recorrente (exceto Ripley clone, cabeluda e mãe desde sempre).

    O enredo é sofrível e tem furos injustificáveis, desde o criopod que pega fogo por dentro (isso é pior que a falta de guarda-corpos ou corrimãos de Star Wars) até a mudança de curso, pra ficar em dois itens importantes que o texto acima já entrega. A violência explícita, de um modo que não se via nos outros filmes, me pareceu dispensável.

    Pra mim, o resultado é questionável, mesmo com a justificativa de “assustar com a própria merda das pessoas”.

     

    1. Não tem nada de absurdo no
      Não tem nada de absurdo no criopod pegar fogo quando está acordando o ocupante. Se a atmosfera estiver rica em oxigênio (o que é bem possível) qualquer coisa entra em combustão, só necessitando de uma fagulha.

  2. Sem contar que

    Um predador mata para saciar suas necessidades, a necessidade não é simplesmente matar, a necessidade é proteina ( salvo engano, li em algum lugar, o alien teria uma composição baseada em silício e não carbono, daí uma necessidade muito maior de alimento). 

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