A ignorância disseminada sobre os efeito das importações desenfreadas, por Luís Nassif

É a produção interna que garante o desenvolvimento da tecnologia, a geração de empregos e a criação de uma rede de fornecedores.

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Um dos grandes motivos do atraso nacional é a dificuldade de compreensão, por parte da mídia, sobre alguns fenômenos óbvios sobre processos de desenvolvimento.

No início do século 20,  quando a abertura comercial irrestrita – com livre fluxo de capitais – impedia qualquer veleidade de industrialização brasileira, o que diziam os defensores daquele suicídio econômico? Foi bom para modernizar os hábitos de consumo. Hábitos de consumo, não de produção.

Agora, no fragor das discussões sobre o carro elétrico, um jornalista experiente – Élio Gaspari -, em seu artigo em O Globo, trata a indústria automobilística local como “cega”, pelas resistências à importação de automóveis elétricos. Não consegue diferenciar importação de produção local, uma diferença óbvia. Pensa o país apenas com os olhos do consumidor classe média.

Cada automóvel importado é um automóvel a menos produzido por aqui, impactando emprego, receita fiscal. É por isso que a maior nação do planeta, os Estados Unidos, impuseram impostos de importação aos veículos elétricos chineses.

Atribui a queda das exportações de automóveis brasileiros à resistência para importação de automóveis elétricos. É como a sopa de Pedro Malasartes: vai juntando todos os ingredientes sobre a indústria automobilística e joga na panela, achando que vai virar sopa.

Recentemente, os Ministérios da Fazenda e da Indústria e do Comércio resolveram taxar as importações de elétricos e, com os recursos do imposto de importação, criar incentivos para a produção interna. Essa informação não entrou no sopão.

É a produção interna que garante o desenvolvimento da tecnologia, a geração de empregos e a criação de uma rede de fornecedores. E competitividade para, mais à frente, ampliar as exportações.

Às vezes penso que a síndrome das tardes de chá das Casas Mappin do início do século 20 não saiu da cabeça de parte do país. Ah, as porcelanas finas da China, Japão e Europa, os ternos de linho 120 importados do Egito, o algodão dos Estados Unidos, a seda chinesa, o camelhair da Ásia Central.

No último ano, houve um crescimento exponencial da importação de automóveis elétricos e híbridos.

O flex fuel ainda continua sendo o modelo mais adquirido. Tirando ele, os elétricos caminham para superar até o diesel.

A análise do licenciamento de automóveis mostra, do mesmo modo, um crescimento acentuado dos importados.

A proporção ainda é pequena, frente ao licenciamento total.

O crescimento dos importados pode ser melhor avaliado no gráfico abaixo.

Enquanto há uma queda no licenciamento de nacionais.

O aumento da demanda por carros elétricos é um bom sinal para fortalecer a política de estímulo à produção interna. Mas, mais cedo ou mais tarde, o governo Lula terá que encarar a competição chinesa.

A peça acima é chinesa. Pode ser adquirida para pronta entrega por R$ 380 mil. Um similar brasileiro, da Romi, custa R$ 850 mil. A cada dia que passa, o mercado vai sendo dominado por intermediários, com suas empresas offshore, atuando como representantes comerciais de empresas chinesas.

Hoje em dia, trata-se da maior ameaça à industrialização do país.

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Luis Nassif

9 Comentários

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  1. A maior ameaça à industrialização do País, são os cartéis atuantes nos principais insumos e semiacabados, que permitem que produtos manufaturados sejam extremamente competitivos em relação aos produzidos no País.

  2. Nassif,
    Uma pequena contribuição sobre as importações e a indústria de carros elétricos. O governo Lula (os técnicos) e o Haddad também tem uma visão limitada sobre a questão.
    Começo lembrando que o Haddad, quando Prefeito de SP, diminuiu o IPVA de carros elétricos (e híbridos) e isentou do rodízio. Existe montadora, que criou híbrido no Brasil, onde os seus vendedores falam que tem apenas um pequeno motor elétrico (de baixa eficiência) para entrar na classificação de híbrido.
    No Brasil não há justificativa, do ponto de vista ecológico e da matriz energética, dar benefícios para carros 100% elétricos ou híbridos a gasolina.
    Diferente da Europa, onde existe escassez de Petróleo, os carros de “passeio” (veículos não utilitários) brasileiros não utilizam o Diesel (proibido desde a década 70). Na Europa, o maior número de veículos são motorizados com Diesel (que tem um consumo menor por km rodado), porém são exponencialmente mais poluentes que a gasolina.
    Os veículos a Etanol que foram criados como parte de uma solução para a matriz energética brasileira, tiveram como efeito colateral positivo a questão ecológica (uma geração menor de monóxido de carbono e as plantações de cana de açúcar geram oxigênio).
    Do ponto de vista da poluição do ar, ajudaria a Europa carros a Etanol, mas a questão principal dos governos europeus não é a poluição ambiental. O problema maior é a dependência da importação de combustível. Trocar Petróleo por Etanol não mudaria a dependência de importação de combustível para Europa, por isto os carros a Etanol nunca entram na discussão para os Europeus.
    As regulamentações e leis europeias sobre poluição veicular objetivam diminuir a importação e dependência de fontes de energia. Os carros elétricos europeus utilizam energia elétrica gerada por usinas nucleares (em diminuição) e usinas termoelétricas (alimentadas por combustíveis fosseis muito poluentes), existe uma economia financeira, as usinas termoelétricas são poluentes, porém consomem menos combustível (do que os carros com motores individuais).
    O modelo europeu finge se preocupar com a questão ambiental (existe uma diminuição, mas seria maior com etanol, por exemplo), mas o foco é econômico.
    Um estudo do Grupo Stellantis (dono de 14 marcas, entre elas a americana Dodge, a Italiana Fiat e a francesa Citroen) concluiu que um carro elétrico na matriz energética europeia era responsável pela geração de monóxido de carbono superior a um carro etanol no Brasil. Abaixo o resultado, os veículos percorreram 240 km sob as mesmas condições:
    • Gasolina (E27): 60,64 kg CO2eq
    • 100% elétrico (BEV) com energia europeia: 30,41 kg CO2eq
    • Etanol (E100): 25,79 kg CO2eq
    • 100% elétrico (BEV) com energia brasileira: 21,45 kg CO2eq
    Nassif, mas agora vem a cereja do bolo.
    A insuspeita Volvo, informa que o Volvo XC40 motor combustão emitiu 14 toneladas de CO², já o elétrico XC40 Recharge propagou 24 toneladas nos respectivos processos de produção, segundo a Volvo, das 10 toneladas a mais de poluição do elétrico, 70% são oriundas das baterias.
    Façamos uma regra de 3 básica:
    Poluição Etanol – Poluição elétrico = 4,34 kg CO2eq para 240 km rodados.
    Poluição produção elétrico – Poluição produção etanol = 10.000 kg CO2.
    O carro a Elétrico precisa rodar 600.000 km para compensar a sua poluição de partida.
    Sabe quando isto vai acontecer? Nunca.
    A bateria de um carro elétrico suporta aproximadamente 3.000 ciclos de carga, o que traduzindo em quilômetros será algo entre 160.000 km e 200.000 km. Então, a cada 200.000 km, com base nos números da Volvo, você gerará mais 7 toneladas de CO2 colocando baterias novas (sem considerar o descarte da bateria, que gerará poluentes muito agressivos ao meio ambiente).
    Ou seja, se os números do Grupo Stellantis e da Volvo (que também são fabricantes de carros elétricos e no caso da Volvo mudará toda a sua linha de produtos para 100% elétricos) não estiverem errados, os carros a Etanol poluem menos (muito menos) que os carros elétricos.
    Para não ser radical na questão, carros híbridos a Etanol (com uso menor de baterias, se “possível” evitando baterias a lítio) podem ser uma opção. Mas, para ter uma solução acessível e menos poluente, o carro Etanol é o Campeão.
    Resolvida esta questão, volto a questão da emissão de gases CO2, segundo o IEMA (Instituto de Energia e Meio Ambiente) os processos industriais são responsáveis por apenas 5% da geração de CO2 no Brasil, o transporte representa 38% deste número, ou seja, aproximadamente 2% da poluição. O transporte rodoviário fica com 90%, 1,8% do total e dentro dele temos:
    – 62% Diesel;
    – 35% Gasolina;
    – 3 % Etanol.
    Pelos números da IEMA, o setor de transporte deveria estar numa priorização muito baixa, mas como sempre copiamos modelos de fora, colocamos a discussão deles na pauta. O vilão é o Diesel, uma ação que o governo poderia implantar é proibir o “jeitinho brasileiro” que vende carros a diesel para uso não utilitário. Desde a década de 70, a venda de carros novos não utilitários no Brasil está proibida, mas a indústria dribla esta proibição vendendo camionetes cabine dupla (“pick-ups” em inglês) e SUVs (Veículos Utilitários Esportivos da sigla em inglês). No caso das SUVs a mentira é gigante, pq são carros de passeios grandes, alguns nem são classificados como SUVs fora do Brasil (entram na categoria “crossover”, pois SUVs deveriam ser carros mais “parrudos” resistentes a fora de estrada).
    Outras ações eficientes, seriam os programas Pronave incentivarem o etanol contra a gasolina, no caso do primeiro flexibilizando as exigências e dando incentivos.
    Os pontos negativos do Etanol são a cadeia de produção e o espaço que ele tira da produção de alimentos. O segundo ponto negativo tem sido minimizado pelas tecnologias:
    – Maior eficiência nas plantações;
    – Maior eficiência da produção;
    – Carros com menor consumo (os automóveis cresceram 80/90 para 2020, mas seus motores diminuíram e ficaram mais eficientes).
    Falando rapidamente sobre o menor consumo atual dos carros utilizando Etanol, mesmo com o aumento do trânsito nas cidades brasileiras, os carros novos consomem 30% menos por km rodado nas cidades, que um carro novo das décadas de 80 e 90 consumiam.
    Vou parar por aqui, pois a postagem ficou grande, sem entrar na questão do futuro problema poluição de baterias de lítio. Finalizando, enfatizando que qualquer defesa na imprensa de forma exacerbada no Brasil de carros elétricos terá cara de Lobby.

  3. Espero que o sr. Nassif esteja contribuindo com a indústria nacional, e não esteja escrevendo esse texto do seu apple, conversando com suas fontes através do seu iphone e indo ao encontro delas em seu carro importado. Afinal, precisamos fortalecer a indústria nacional.

    1. Respeitosamente, seu comentário não soma, parece os comentários “socialista de iphone” (aliás, Marx não falou em usar Samsung ou voto de pobreza).
      Valorizar a indústria nacional não é boicotar importados.
      Durante dez anos, fui executivo pela área comercial de um varejo (líder de segmento), qdo assumi a posição 18% do meu faturamento eram produtos importados, diminui o número para 12% (com melhora de margem e redução de estoques). Mas, no micro os números eram bem variados. Teve categorias que zerei a importação e outras categorias que não importávamos, mas passamos a importar 50% do que faturavamos. Por mais nacionalista que eu sou (e já era), sem ação governamental você tem suas ações limitadas.

  4. A China se tornou o que é não foi por barrar importações.Os daqui usam a falácia de proteger empregos, deitam e rolam em isenções mas de repente pegam o boné e somem sem olhar pra trás, não é Ford?

  5. Concordo com o articulista, mas há ainda outro impecilio a industrialização do país. Não só isso, mas também a manutenção do pouco que temos. O ambiente de negócios do país ainda é muito hostil a iniciativa. Ainda temos uma teia de impostos confusa, dificuldades na abertura do negócio, desinformação organizada por parte de órgãos públicos de forma a criar dificuldades e vender facilidades. Fiscalização corrupta. Ambiente político degradado.

  6. Como fica a situação para consumo de cultura, como LPs, CDs, livros e filmes? Deveria ter isenção. Os Beatles não são brasileiros, relançaram uma coletânea com mixagens surpreendentes, eu fui pagar as coletâneas vermelha e azul pela imusic (que era até então o melhor site de importação), por 275 reais, e a alfândega quis taxar 900 reais pela importação. Pedi revisão e eles “abaixaram” para 218 reais. Recusei a pagar e pedi o estorno à loja.

    Enquanto o sertanejo, o funk e toda indústria do jabá cultural imperar no Brasil, não há justificativa ao dizer que também é para fomentar a cultura nacional.

  7. Entendam, a pior ameaça q sabota nossas mempresas eh custo Brasil com uma carga tributária q inviabiliza a competitividade!

    Pq demonizam tanto a importação?

    Por a caso somos Cuba?

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