A Lava Jato e o desmonte da credibilidade da mídia, por Luis Nassif

De lá para cá, há uma decadência irreversível dos jornais. Não conseguiram desenvolver um produto alternativo aos blogs e redes sociais.

O artigo é polêmico. Nele, Márcio Chaer, do Consultor Jurídico, atribuí à cobertura da Lava Jato parte das explicações para a grande mídia ter perdido 68% dos leitores em 4 anos. No artigo, ele admite a existência de outros fatores. Mas a cobertura da Lava Jato foi o grande divisor de águas.

Esqueça-se a responsabilidade social e política da mídia, o compromisso com fatos e valores democráticos, e fixemo-nos apenas no vetor negócios.

Quando as redes sociais ganharam fôlego e a Internet colocou em xeque o modelo de negócios da mídia, houve duas estratégias de grupos de mídia. Os grandes jornais, de alcance nacional ou internacional – como Financial Times, The Guardian, The New York Times – investiram pesadamente na qualidade do conteúdo e nas assinaturas digitais, como forma de compensar a queda do faturamento publicitário.

O Roberto Marinho australiano, Rupert Murdoch, enveredou por outros caminhos. Buscou recursos no mercado internacional, então com ampla liquidez, saiu comprando jornais em vários países, criou uma rede social – que não deu certo – e fez sua grande aposta em um canal de TV paga, buscando o público de ultradireita.

O canal, Fox News, tornou-se a emissora mais assistida pelos americanos. Além disso, Murdoch entendeu o poder de disseminação de notícias nas redes sociais, sem nenhum critério jornalístico, e passou a trabalhar a Fox como se fosse um grande perfil de rede social. A emissora criava notícias falsas, ataques virulentos contra adversários, e, depois, contava com as redes sociais para sua disseminação.

Na época, os grupos de mídia nacionais viviam dois problemas. O primeiro, o rescaldo da grande crise de 1999. Depois de uma década gloriosa, a de 1990, tomaram vultosos empréstimos em dólares para ampliar a capacidade. O avanço das redes sociais abortou o crescimento da mídia tradicional. E a maxidesvalorização cambial aumentou significativamente seu passivo.

O segundo problema foi o afastamento da velha geração de proprietários, Otávio Frias de Oliveira, da Folha,  Roberto Marinho, nas Organizações Globo e Rui Mesquita, no Estadão. Assumiram os postos herdeiros sem segurança e sem sensibilidade maior para o seu negócio.

Sem rumo, acabaram sendo influenciados por Roberto Civita, o cappo da Editora Abril, que trouxe dos Estados Unidos o modelo Murdoch.

O desastre ocorreu ali. A mídia passou a emular o jogo de Fakenews e de discurso de ódio próprio das redes sociais. Abriu mão do diferencial de qualidade. Embarcou na ilusão de que substituiriam os partidos políticos, ganhando força política para comandar o país e impedir o avanço da concorrência – veículos internacionais mas, principalmente, os novos gigantes que surgiam, como Google e Facebook.

O resultado disso tudo foi a vitória de Pirro da Lava Jato. Por algum tempo, a mídia julgou-se vitoriosa, invencível, podendo moldar o país à custa de suas manchetes. O sonho acabou com o impeachment de Dilma. Entra Michel Temer, esgota-se a bandeira da Lava Jato, há uma destruição institucional do país que leva até Bolsonaro.

De lá para cá, há uma decadência irreversível dos jornais. Não conseguiram desenvolver um produto alternativo aos blogs e redes sociais. Perderam a noção das grandes reportagens, dos grandes perfis. Os jornalões, hoje em dia, são uma sucessão de colunas distribuindo notas curtas, caça-likes, sem capacidade de contextualizar, aprofundar os temas, diferenciar-se da rapidez da Internet.

Entra-se agora no ano mais importante de nossas vidas, aquele no qual se irá definir o destino do Brasil como nação. Em uma ponta, Bolsonaro em processo acelerado de destruição das instituições e do Estado. Na outra, Lula, pretendendo montar um arco de alianças conciliador.

E a mídia, como fica? Os colunistas de maior visibilidade tentam escapar da polarização indecente dos últimos anos – que pretendia colocar Bolsonaro e Lula como faces de uma mesma moeda. Por outro lado, a Globonews tenta ressuscitar o fantasma da morte de Celso Daniel – um factoide desmontado pela própria Polícia Civil de São Paulo. Atacando as duas pontas, pretendem recriar o mito de El Cid, o Campeador – o soberano espanhol que, morto, foi colocado em um cavalo para iludir os inimigos de que ainda vivia e comandava.

Em nenhum momento se busca separar as notícias das interpretações, do opinionismo embolorado dos editoriais. Seria uma enorme oportunidade de algum veículo sair à frente, como a Folhas com a campanha das diretas.

Mas falta nos veículos a audácia dos antigos comandantes de redação.

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. Não foi o camisa preta do Paraná e nem seus meninos que fizeram a mídia golpista perder credibilidade,eles fizeram isso sozinhos e ficou bastante claro no dizer que esses sujeitos herdaram o dito poder de seus papais.
    A internet foi somente a pá de cal. Será que nos esquecemos da capa da revistinha dos salões de cabeleireiros sobre a morte de Elis Regina? Das coberturas incriminando dia sio outro também o PT desde a sua fundação? Da cobertura da morte do prefeito Celso Daniel? Dos casos sempre citados do Bar bodega e da Escola Base?
    São trastes que não se dão a devida importância e que não dão a devida importância a democracia,aliás,nem sabem o que é isso.
    Hoje,aqueles que não são um conglomerado financeiro,são pertencentes a esses conglomerados.

  2. A imprensa escrita foi capaz de sobreviver a todas as inovações surgidas desde que assumiu influência – e, portanto, poder, ainda que subsidiário – sem abrir mão de seu diferencial de qualidade.
    Qual é esse diferencial?
    A possibilidade de aprofundar as matérias, através da palavra que encerra ou possibilita a reflexão, o pensamento crítico – algo que demanda tempo e paciência.
    O tempo, para as mídias digitais, é comprimido ao máximo – e a paciência deixa de existir, por desnecessária.
    A imprensa escrita emular o modo de se expressar das mídias digitais é uma piada de mau gosto – imagine-se ler uma matéria de página e meia, quatro colunas, recheadas de xingamentos, impropérios e vacuidades. Quem aguenta?
    A imprensa escrita não abandonou o diferencial que lhe fez a glória, por séculos.
    Ele simplesmente não existe mais. O que existe hoje são os clickbaits, as fakenews, os xingamentos, cancelamentos, e desqualificação. Que estão, todos, no seu leito natural. A falta de raciocínio crítico, de vontade de se aprofundar nos temas propostos. E um sujeito qualquer, com tanto carisma quanto uma jaca podre, vociferando impropérios que o midiota, por si, não teria coragem de fazer. A coragem sobra apenas para os likes e compartilhamentos (e a caixa registradora tilintando).
    A falta de vontade de ler, de paciência para raciocinar, de capacidade de desenvolver opinião própria, tudo isso que eu, ao longo da vida, testemunhei no meu círculo próximo e de trabalho, eram, anteriormente, motivo de certa vergonha – as pessoas sentiam-se incomodadas, quando flagradas nesse estado. Ainda que fosse algo muito leve e passageiro.
    Não se sentem mais assim. As mídias sociais, a internet, eliminou esse mal-estar, e levou-os ao paraíso.
    A imprensa escrita reinou durante séculos, a televisão praticamente preencheu todo o século passado.
    A internet, as mídias sociais, ainda são um bebê brincando a cada dia com um chocalho novo.
    E já fizeram esse estrago todo.

  3. Nassif, parabéns pelo excelente “Caso Veja”. Sua leitura me levou a necessidade de finalmente ler o também excelente livro do falecido PHA – 4º Poder. Será que a regulação da mídia saí no eventual novo Governo Lula? Será que a mídia alternativa terá finalmente musculatura/coesão para conseguir esclarecer a opinião pública sobre esse tabu? Sou de 1967, esse é o maior anseio da minha geração.

  4. Bom, mas duas restrições: 1) a saída dos velhos capitães da chefia nos 80 foi bom para os jornais, que se renovaram. Estavam necrosados ou cínicos, com o Globo de Mariho.2) É contraditório defender isenção e e ao mesmo tempo a campanha diretas-já da Folha, totalmente engajada. Não vejo como conciliar isenção com engajamneto. A não ser que acredite em engajamennto do bem.

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