Começa a grande luta da reconstrução nacional, por Luis Nassif

Nos próximos meses, haverá duro trabalho de começar a consertar os estragos feitos. Mas o tiro de partida foi bem dado

A simbologia da posse de Lula superou tudo o que se conheceu pós-redemocratização. Houve a explicitação clara das propostas de governo, com ênfase permanente no social e na redução das desigualdades. Ao mesmo tempo, mencionou conceitos de responsabilidade fiscal.

A ênfase maior foi nos vergonhosos indicadores de concentração de renda no país. O que indica que a reforma fiscal será uma das prioridades maiores da política econômica, junto à racionalização dos subsídios, limpando a área dos exageros cometidos no governo Bolsonaro, sem parâmetro algum, e definindo novas prioridades, dentro da política de zero carbono.

Na política econômica, enfatizou a questão da industrialização e da reciclagem industrial brasileira, em cima dos novos parâmetros tecnológicos e ambientais.

Sobre a polarização política, fez dois discursos para públicos distintos: os terroristas e os não-terroristas.

Para Bolsonaro e sua tropa, garantiu o fim do sigilo de cem anos, a apuração dos crimes pela Justiça, e, após o devido processo legal, punição, sem anistia.

Em relação ao país, um apelo reiterado à tolerância. Defendeu a liberdade religiosa, para todas as religiões. Apresentou Ministérios para a defesa da mulher, dos índios, dos direitos sociais e do combate à miséria. E garantiu que governará para todos.

Mas o ponto alto – em termos de simbologia política – foi a transmissão da faixa presidencial na rampa do Palácio do Alvorada. A caminhada de Lula, com uma criança de periferia, um cacique indígena, uma catadora de recicláveis, uma pessoa com deficiência – e o conteúdo do seu discurso -, entre outros, representaram um momento histórico, um reencontro do país com a civilização.

E, aí, se observa a mão de Janja da Silva. Ontem, escrevi aqui sobre seu potencial político. Pelas informações divulgadas, coube a ela valer-se da ausência de Bolsonaro para montar uma celebração multi racial e multi social repleta de significados. Mostrou uma sensibilidade poucas vezes vista na moderna história política brasileira, remetendo ao PT pré-governo.

Ao mesmo tempo, observaram-se em alguns canais do sistema – como a Globonews – uma defesa do combate à miséria, uma crítica à concentração de renda inéditas na história da emissora. Os analistas comportaram-se com uma desenvoltura e senso de modernidade inéditos na história do canal.

Esse fenômeno que, como o cometa Kohoutek, acontece de vinte em vinte anos, em geral impulsionado por níveis de pobreza degradantes. Risca os céus e, depois, volta para a escuridão. O início do primeiro governo Lula foi legitimado pela ampliação da miséria, após os erros de política econômica de Fernando Henrique Cardoso. Hoje em dia, a miséria alcançou níveis exponenciais. Além dela, há o fenômeno do golpe pairando no ar. Esses fatos fizeram a Globo liberar seus comentaristas, para seguir uma onda irresistível, porém provisória, da opinião pública.

Ao mesmo tempo, o presidente em exercício,  Hamilton Mourão, repôs os princípios de disciplina das Forças Armadas, e colocando-as como vítimas de um presidente poltrão, apresentou uma tentativa de dar uma saída honrosa para uma corporação que se desmoralizou.

Todos esses fatores vão na direção de fortalecimento das tentativas de Lula de montar sua base parlamentar. Mas não será fácil, especialmente depois da carne fresca do orçamento secreto, jogada por Bolsonaro e seus militares ao Centrão. Mas o tiro inicial de partida foi bem dado, inclusive com o revogaço, o conjunto de decretos revogando as piores maldades de Bolsonaro. Hoje de manhã completou-se com a portaria revogando todos os DAS 5 e 6.

O novo governo tem claro o sentido de urgência. E sua maior força é o espectro do bolsonarismo e do golpismo militar. Poderá ser a argamassa a consolidar o grande pacto pela democracia.

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Luis Nassif

13 Comentários

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  1. Algumas coisas nunca poderão ser construídas ou reconstruídas no Brasil, Nassif:

    1- a ética dos barões que comandam a grande imprensa;
    2- o compromisso de milhares de juízes e procuradores com os valores democráticos;
    3- a conclusão de ciclos históricos autoritários com a punição dos militares responsáveis por torturas e assassinatos políticos;
    4- o respeito institucional generalizado à humanidade de pobres, índios, negros, deficientes, etc;
    5- a independência política real em relação aos EUA;
    6- uma política econômica de longa duração que se preocupe menos com o acúmulo de dinheiro mais com o bem estar geral da população;
    7- a ruptura, minimização ou reparação das relações sociais rigidamente hierarquizadas em decorrência da violência colonial.

    Eu poderia citar outras coisas, mas estou muito cansado.

  2. Um relampejo decuriões. A cachorrinha representou o não humano subindo a rampa do poder, a natureza, o fim do famigerado antropocentrismo.

  3. Um relampejo de utopia. Exemplo de desigualdade: enquanto na reforma da previdência as pensões dos mais pobres do INSS foram reduzidas em 50%, a aristocracia estatal foi aumentada recentemente em 50%. Privilégios: enquanto existirem toda fala sobre desigualdade é hipocrisia. Parabéns pelo artigo Nassif, você nos representa!

  4. Ninguém aplaudiu a fala de Lula sobre a reindustrialização do Brasil no congresso. A luta será realmente grande contra tolos e maus samaritanos em geral.
    E a Janja mostrou muita competência. Foi um ótimo cartão de visitas.

  5. “Ao mesmo tempo, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, repôs os princípios de disciplina das Forças Armadas, e colocando-as como vítimas de um presidente poltrão, apresentou uma tentativa de dar uma saída honrosa para uma corporação que se desmoralizou.”
    VAI TER QUE ENTRAR, eu dizia lá pelos idos de 2015, sobre as manifestações públicos oficiais do alto oficialato da Forças Armadas, relativo a assumir uma posição mais ativa na condução do país. É que irresponsavelmente a elite – que manda – enlouqueceu; e para se ver livre do PT promoveu essa balbúrdia toda através de seus braços, justiça e comunicação. O país, em 2015 já era a cara da surrealidade; não mudou uma vírgula nos anos seguintes, piorou; só começando e volver-se, em parte, para a civilidade há quatro anos.
    Instituições em frangalhos, a única que sobrou inteira foram as Forças Armadas: era natural que tomassem o rumo que tomou. Infelizmente – já se sabia de antemão que não seria diferente – saem do episódio chamuscadas; mazelas expostas, sob desconfianças.
    Bem, parece que finalmente aterrissamos. Agora é esperar – e torcer – para a racionalidade imperar na sociedade brasileira.

  6. Nassif, sendo um crítico feroz do PT e do Lula desde 1980, eu então um jovem estudante da USP, fiz minha pequena campanha pessoal por ele dessa vez, desde o primeiro turno, infernizando familiares e amigos dia sim outro também no telefone. Não havia alternativa civilizada e o perigo de mais quatro anos de Bolsonaro era grande demais, me dava calafrios. Confesso que fiquei encantado com a posse ontem, especialmente com a linda surpresa da subida da rampa e da entrega da faixa pela moça catadora de latas. Me emocionou. Desejo o melhor para o governo e para o meu país. Apesar de saber na pele o que é o fanatismo petista, eu fico mais relaxado com as presenças de Geraldo Alckmin e Fernando Haddad no governo.

  7. “… A todas as lutas inglórios… não esquecemos jamais… ” enquanto isso, Roubini parece ter acertado nova catástrofe no Ocidente com estagflação prolongada. Serao anos difíceis ainda. A alta produtividade chinesa ainda é 6 por 12 horas e nada indica que mudará. Parte dessa industria precisa voltar ao Brasil que pode e deve jogar duro para proteger empregos e renda nacional. Por enquanto quem tem capital está ressabiado de investir em algo que não seja agro e bancos. Lula precisa via Estado gerar empregos, até gerar confiança e atrair o capital. Brics não ajudaram quando Dilma caiu. Precisamos nos virar sozinhos.

  8. Espero que o governo Lula peça para a tal nato cair fora daqui.

    Vendo imagens, e as pesquisando em matérias…temos que ficar atentos.

    Estava lendo uma matéria daqui sobre o a posse do Presidente Lula no NYT.

    Vi que que haviam dois escrevendo a coluna, um brasileiro. Entrei no seu twitter e vi que postou três vezes o mesmo.

    Até manipulação de cor pessoal existe. Além de tirar um pedaço da foto para parecer esvaziado.

    Chequei uma das fotos e vi que é usada há anos.

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