Intervenção no Rio: juntando alguns pontos, por Reginaldo Moraes

Foto Hilton

Intervenção no Rio: juntando alguns pontos

por Reginaldo Moraes

Já que as coisas estão bem pouco claras, não faz mal pensar em voz alta. Com o risco de falar bobagem. Melhor isso do que fingir de morto. Vamos matutar.

1. Faz já algum tempo que o ministro da justiça diz que o Rio está entregue ao crime organizado, que teria contaminado as forças de segurança. A fala causou desconforto mas foi acomodada com alguns panos quentes.

2. Volta e meia, se vem com a metáfora do crime organizado como metástese. Temer utilizou o termo, mas gente de esquerda também tem dito isso, referindo-se especificamente ao Rio. Luis R. Soares acaba de fazê-lo. Essa metáfora médica tem algum brilho, mas é perigosa. Metástese é algo que não se trata, não adianta. A única “solução” é a morfina. O próprio Soares advertiu: o crime organizado tem uma certa dependência do Estado. Mas deveria ir além: o crime organizado se propaga em determinados contextos. Ele é socialmente produzido. Há crime organizado em muitas partes do mundo. E muito mais organizado do que o crime do Rio. Muito mais. O problema do Rio é outro – a desagregação social e política avança e é alimentada deliberadamente. Até o general-interventor admitiu: há mídia demais nessa crise. E isso não é casual.

3. Deterioração crescente do quadro político sem sinais de recuperação econômica. Esta semana foi dura…. Desagregação acentuada pelo tiroteio entre candidatos potenciais à presidência, todos eles muito frágeis do ponto de vista eleitoral. Semana do desespero com tentativa patética de ressurreição da candidatura Huck. E o governo parecer perder apoio no Congresso às vésperas de votação da reforma da previdência, sonho de consumo do grande capital.

4. Sinais de alarme no carnaval. O desfile da Tuiuti avisa que a desmoralização dos golpistas chegou onde não devia chegar. Nem Globo nem o governo Temer engoliram a desfeita. Tomaram-na como um cartão amarelo em meio a um jogo difícil. Na mesma semana, faixas estranhas assustam “autoridades” e a classe média carioca: “O morro vai descer se… “ . A frase “o morro vai descer” é um dos fantasmas mais renitentes e apavorantes da orla carioca.

5. No meio disso tudo, uma bomba de onde só vem bomba (e por vezes, literal). Bolsonaro diz que metralharia a Rocinha, depois de dar ultimato aos “bandidos”: entreguem-se ou atiro! Empresários aplaudem e “golpistas mansos” se calam. O ato de intervenção é Bolsonaro em escala ampliada, estendido a todas as comunidades do Rio: entreguem-se ou fuzilo. O ministro da Defesa não podia ser mais enfático: prometeu bloqueio de morros e vias de acesso. Globo repete essa idéia em manchete: militares nas favelas. Esse é o alvo.

6. Em meio à maior festa e maior fonte de renda da cidade, o prefeito abandona o governo e vai à Alemanha. A viagem “oficial” é desmoralizada pela revelação de que a missão era falsa. Passeio. O governador Pezão diz que “estava despreparado” para o carnaval – Pezão nasceu anteontem e não sabe o que é a vida. Já está sendo chamado de “C#são”. A Globo infla noticiário sobre calamidade pública, algo que até o general-interventor percebe (e diz!). Se o país está sendo conduzido ao desmanche, o Rio parece ser uma vitrine avançada.

Esses são pelos menos alguns pontos a juntar. Longinquamente, salvo engano da memória, apenas um presidente latino-americano adotou uma saída exótica como aquela que Temer parece engatar. Bordaberry governava um Uruguai que saia pelas tampas – crise econômica, insatisfação social, guerrilha. Os militares o pressionaram, ele entregou o poder, um auto-golpe. Os militares assumiram o controle de fato e Bordaberry continuou como presidente decorativo. Essa expressão já foi utilizada antes por Temer. Talvez esteja com saudade do papel. Com popularidade em baixa, apoio periclitante no Congresso, sem candidato que defensa seu “legado”, Temer tem uma saída à Bordaberry ou a la Bush, que, também, em baixa, inventou uma guerra para “unir o país”. Bush conseguiu, por uns 3 anos, manter um fervor “patriótico”, ajudado pela mídia e pela covardia dos democratas. Dizia claramente que queria ser conhecido como o presidente da guerra. Temer quer ser conhecido como o presidente da segurança? Bolsonaro com “fa-lo-ei”?

No próximo dia 19 tem manifestação marcada contra a reforma da previdência. Neste sábado, novo desfile da Tuiuti, com “temores” de transbordamento, com manifestações anti-governo. Para o governo, o quadro é tudo, menos confortável. E é incerto para todo mundo. Uma das vantagens do governo é que as esquerdas também estão sem tática ou estratégia. Lideranças locais que haviam despontado nos últimos anos parecem ter caído na clandestinidade – ou no confessionário. No Rio, até o momento, sequer parecem existir. Espero estar errado e elas estejam, apenas, agindo nas sombras. Ah, como espero que isso seja verdade!

 

Redação

3 Comentários

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  1. Já deu!

    Desculpem a falta de paciência.

    Não dá mais!

    Sou policial civil no Rio de Janeiro há 15 anos!

    Estou cansado e profundamente arrependido de fazer parte desse teatro de horrores.

    Não consegui assistir o vídeo da Jaqueline Muniz. Só consegui ler o texto do Soares (Luís Eduardo) até o trecho onde ele inistiu em nos querer fazer acreditar que Forças Armadas ou Polícia Federal coneguiriam “barrar” as rotas de entrada de armas e drogas em nosso país, e claro, para o RJ e adjacências.

    Não dá, é muita desonestidade ou falta de coragem intelectual, ou ambas as coisas!

    Ninguém diz o óbvio:

    1- No mundo inteiro, a emmpresa global tráfico de drogas se implante em diversos níveis e países de acordo com a conformação da estrutura social de cada país e região. Onde há mais desigualdade, mais violência.

    2- No mundo inteiro, não é a droga que traz violência, mas sim a proibição em si e o nível de violência usada na repressão. Nas escalas globais de tráfico, o Estado detentor do monopólio do uso da força constitucional cede a disputa pela hegemonia do uso da violência, e nossas execuções cotidianas (nas franjas pobres das cidades), com cor e classe social, são a prova do andamento desse projeto econômico e político (já que a ideia de repressão ao tráfico também é fonte de poder político).

    Mas execuções não passam na TV, pelo menos não com o enfoque dado na extorsão midiática produzida nesse Carnaval. 

    3- Não há relação alguma com volumes ou fluxos de drogas ou aumento ou descréscimo no uso nos índices de letalidade violenta, é só olhar os índices da Europa ou até mesmo dos bairros ricos de SP e RJ.

    Não tem caveirão ou ROTA na Vieira Souto ou na Oscar Freire, mas pó com certeza tem e muito (por favor, não sou moralista nesse aspecto!).

    Sem uma discussão global ou pelo menos nacional sobre comércio de drogas e uma possibilidade de anistia aos crimes de tráfico, com recompra pelo Estado das armas cladestinas (ou algo do tipo) não haverá pacificação alguma.

     

    Sem a concentração de esforços para combater o crime mais grave (homicidio por arma de fogo), as favelas e outros bairros continuarão reféns do principal insumo que dá poder as falanges de esfarrapados armados com fuzis: o medo de morrer e a falta de medo de ser punido ao matar!!!

    Sem uma discussão séria com a indústria de armas nada poderá ser feito.

    (sim, se tem fuzil para as FFAA, para as polícias, e para os bandidos, tem alguém fabricando para todo mundo, não?)

    Para carros, peritos do nosso combalido Estado, servindo a empresas seguradoras e aos donos de veículos, conseguem descobrir a numeração original de veículos, em um processo chamado de exame metalográfico, que revelam os dados certos embaixo das adulterações (os chamdos “bacalhaus”, troca de números de chassis), permitindo que esses veículos não sejam inutilizados e retornem a circulação (seja através dos donos, sejam nos leilões das seguradoras, que amortizam assim seus prejuízos).

    Com armas nunca fazemos isso, e as armas, sejam adulteradas, sejam as que vem com numeração, quase nunca são submetidas a um estudo e investigação para determinar suas origens.

    Descaso? Falta de recursos? Ou seletividade?

    Olha, estou de saco cheio.

    Chega de Jaqueline Muniz ou de outros “especialistas”.

    É só olhar a Lei Seca, meu deus!

    Qual país do mundo conseguiu regrar a decisão do ser humano em usar essa ou aquela susbtância.

    E se há uso, há venda. 

    Novamente, no nosso país adotamos uma regra engraçada (mas trágica), que ne verdade só alivia para o rico (como sempre): matamos e prendemos traficantes e dizemos que o uso é crime menor e que merece tratamento!

    Ou seja: foda-se o trabalhador que fornece o insumo.

    Algo como deixar livre o uso do carro e matar e prender o dono do posto!

    Chega!

     

     

     

     

    1. Amigo
      Teu desabafo é excelente e digno de nota!.
      Mas gostaria apenas da dar outro enfoque ao problema das drogas ( sou da area ).
      As drogas deveriam ser encaradas como um problema de saúde pública e não apenas como segurança pública. A violência é apenas consequência.; a causa seria tornar crime aquilo que é uma doença : pessoas que se valem de psicotropicos para aliviar seu estado de ansiedade ou depressão em relação aos problemas sócias que até hoje são maqyiados para parecer que a culpa é dos indivíduos. Temos que abandonar o empirismo e aceitar que o problema já foi estudado, basta apenas que aqueles que detém o poder mas são ignorantes, sair da cadeira de deixar aqueles que dominam o assunto poderem se manifestar e ter voz neste griteiro onde há muito barulho mas nada recognicivel.

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