A obrigatória opinião do mercado
por Homero Fonseca
Com a autodestruição da URSS e satélites (1990), cessou a ameaça iminente de uma nova guerra mundial (capitalismo x socialismo) e a paz desse vácuo levou as potências “ocidentais” (capitalistas) a concentrar sua atenção na conquista de corações e mentes. Sem o contraponto da ideologista comunista (derrotada) bilhões de dólares foram investidos na formação contínua e sistemática do pensamento (via think tanks) de professores, estudantes, empresários e líderes comunitários.
Em paralelo, promoveu-se uma doutrinação maciça das forças armadas dos países periféricos, como o Brasil e toda a América Latina. Os militares de hoje são diferentes dos militares de 1964: conquistados pela ideologia neoliberal, não têm resquícios de nacionalismo, trocaram o messianismo salvacionista (impulso de tantos golpes e intervenções) pelo pragmatismo dos privilégios e mordomias e, fiéis aos mentores, colocam as FFAA como forças policiais nacionais e braço auxiliar do Pentágono.
No vazio ideológico pós fim-da URSS, o mercado propriamente dito, com suas poderosas ferramentas de marketing, comunicação e agora inteligência artificial, serve ao distinto público a droga alucinógena do consumismo. E Hollywood faz o resto, atiçando um narcisismo infantilóide (que explica multidões de adultos vestidos de Homem Aranha e Barbie), impulsionando ($$$) a indústria cultural e do entretenimento.
Guerras localizadas continuaram a ser travadas pelo mundo (por procuração ou com a presença direta das FFAA dos EUA), sempre com dois objetivos: impor o interesse geopolítico do Império do Ocidente (petróleo, nióbio, rotas, fornecedores. consumidores e, em breve, água) e girar as engrenagens econômicas da indústria bélica (parcialmente ociosa após o fim da guerra fria): Iraque, Líbia, Síria, Afeganistão etc.
Esse vasto quadro é uma conspiração? Não. Não existe um comando unificado dirigindo tudo isso. Existem ações coordenadas em alguns setores. Mas o que une a todos é o fio dos interesses comuns. Se cada um faz a sua parte, no fim tudo dá certo (para os interesses em jogo). Portanto, não se trata de uma teoria conspiratória, mas de uma visão abrangente e dialética da complexa geopolítica mundial.
Tudo isso me veio à mente quando, assistindo ao noticiário televisivo sobre as últimas medidas econômicas e sociais do governo Lula, veio a infalível, descarada e enjoativa “opinião do mercado”. Ou seja, os veículos de comunicação brasileiro não fazem a menor questão de esconder: são porta-vozes do “mercado”. É por isso que nem precisam combinar nada, o noticiário é sempre o mesmo. E a opinião do mercado é obrigatória.
Tudo fica claro se traduzirmos “mercado” por “capitalismo financeiro”, ou, em linguagem popular, os donos do dinheiro. Ligando as pontas soltas, entendemos a guerra na Ucrânia e a posição da China e os acontecimentos no Brasil a partir de 2014/2018.
Homero Fonseca é pernambucano, escritor e jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco. Foi editor da revista Continente Multicultural, diretor de redação da Folha de Pernambuco, editor chefe do Diario de Pernambuco e repórter do Jornal do Commercio. Foi também professor de Teoria da Comunicação e recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Atualmente, dedica-se à literatura e mantém um blog em que aborda assuntos culturais.
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