Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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A ressaca, por Maíra Vasconcelos

A ressaca

por Maíra Vasconcelos

Pausa. O momento da ressaca após tantas palavras. A ressaca bem-posta à mesa em plena hora do chá, num domingo em fim de tarde. E logo após tanto chá, o dia quase acabou. Mas permaneço avidamente desperta, às vinte e três horas e quatro minutos. A escrever, mais uma vez. Pausa. O chá um pouco forte, conhecem? A camomila após passada em água quente se parece a um monte de abelha morta amontoada e quietinha. Assim o chá de camomila se parece à morte da abelha em mim.

Apesar da insistente grande ressaca, melhor sobrevivo após o chá. Por ocasião dessa ressaca, tomarei quantos chás de camomila! Exclamação. Assim mato as abelhas que, talvez, não devam mais me pertencer. Quiçá, as tenha em demasia e devo ater-me ao trabalho de espantá-las. Sai, abelha, vá. Quantas abelhas podem vagar em um só corpo? Quantos animais podem representar a nossa alma?

Após tantos chás, volto a escrever mais uma crônica reveladora dessa intimidade ultrajante. Pausa. – Para que tanto chá, meu bem? Cuide-se também dos excessos, você me parece tão murchinha esta noite. – Mas, meu bem, assim durmo logo e então sonhamos mais e juntinhos. Chá ajuda a sonhar. – Ah, meu amor, adoro a moleza do seu corpo após tanto chá, mas fique acordada mais um pouco e deixe para sonhar amanhã. – Você tem medo do nosso sonho compartilhado. Tantas noites são assim cheias do seu medo. Quem vai buscar nossos sonhos se não sou eu? Você mais parece um poste para esses assuntos.  

O momento da ressaca após tantas palavras. A ressaca dessas crônicas que nem ao menos alcançaram um ponto narrativo. Qual narrativa? Um diálogo surpresa. Como se fosse normal escrever assim. – Meu bem, aceita um chá após o almoço? Como se todo diálogo fosse parte essencial. De novo, apenas a criação de mais um adorno plástico e possível de se fazer escrever em meio a crônicas tão leves, levinhas. Quanto pesará uma abelha?

O momento da ressaca após tantas palavras. Tantas crônicas veramente saturadas, abundantemente cansadas da palavra flores floorrrr floresss s s s. E toda abelha exala flores. Que união fatal. Ah. Toda ressaca sempre foi um desajuste intempestivo e cruel. Até o mar assusta-se com seus próprios movimentos na braveza das mudanças que o açoitam. E quando meus olhos se fecham na ressaca, é como se a escuridão batesse a face, vinda assim salgada como onda de mar na rebentação.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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