É sempre Carnaval, por Danilo Nunes

Em outras terras brasileiras o povo se prepara para uma época onde a cultura popular está no maior destaque de nossa alegoria.

Acervo USP

É SEMPRE CARNAVAL

Um carnaval fora de época não impede a sensação de um povo festeiro. Um povo que chora, sente dor, mas extravasa em noites carnavalescas. Bailes, cortejos e desfiles se unificam nesse feriado de Tiradentes, onde é iniciado antes de 21 de abril e segue até depois do próprio feriado. Em alguns lugares, esse feriado folião se estende, fazendo escolas, agremiações, blocos e cortejos vivenciarem uma das maiores expressões culturais mais  autênticas do povo brasileiro.

Notícias como: “Viradouro sai como favorita”, “Dragões da Real homenageia Adoniran Barbosa”, ” Blocos ignoram pedido da Prefeitura de São e vão para a rua”, são algumas notícias que mostra a importância e destaque cultural, econômica, turística que o (a) brasileiro (a), mesmo que essa data (por conta da pandemia) seja realizada em época diferente

Do Rio de Janeiro e de São Paulo, os desfiles, bateria e as alas das agremiações que passam um ano inteiro ensaiando e se preparando para o momento tão esperado. Assim como na Bahia, os trio elétricos se aquecem e se planejam, em outras terras brasileiras o povo se prepara para uma época onde a cultura popular está no maior destaque de nossa alegoria.

Só que isso não começou de agora e, através deste singelo cordel contarei um pouco dessa história:

De festa que eu vou falar
Com alegria e astral
Tem nome de Carnaval
Sagrado e popular
Sua origem eu vou contar
O nome vem do latim
Carnevalle, diz assim
Adeus a carne procês
Não tem nenhuma escassez
O jejum era no fim

O tempo que vem depois
Até a páscoa chegar
De quaresma vai chamar
Paramos nem um nem dois
Mas um mês só de arroz
Nos ligando ao sagrado
Sem ter a carne no prato. 
Lá no começo da História
Devotos com fé e glória
Deixaram o rito marcado   

Festejando a colheita
Com a agricultura inicia
Não tem hora não tem dia
Forma, lugar e receita
Todo o povo se enfeita
E começa a brincadeira
Na praça, rua e feira.
No Egito, pra divindade
Por todo o mar da cidade
Tinham barcas de madeira

Não sei onde começou
Mas vou lembrar de países
Grécia, Egito com Ísis
Em Roma Baco reinou
E a festa não acabou.
Na Babilônia também
Não se sabe de onde vem
Rituais realizavam
As Sacéias praticavam
Detentos se davam bem

Era o rei réu o réu, rei
A Rainha o réu pegava
Do banquete se fartava 
Ninguém ligava pra lei
Pelo menos é o que sei.
Depois surravam o homem
E o deixavam com  fome
Pra no fim, ser enforcado
Empalavam o coitado
Esqueciam do seu nome

A História tem os seus ritos
Como o rei que apanhava
No templo ele ficava
Era surrado aos gritos
Se firmaria o conflito
Tudo na frente do povo.
Depois disso o rei de novo
É levado por sua gente
Satisfeita e contente
Ao trono para o renovo

E então foi determinado
Um período anual
Pra brincar o carnaval
O tempo foi fixado.
E a quaresma tinha o fardo
De retiro e oração
Mas antes com empolgação
Todo povo se fartava
A folia realizava
Sem cautela e razão

A festa da liberdade
Foi escrita desde então
Por toda a população
Que fantasia a verdade
E esquece a realidade
Se vestindo nesse dia
De urso para a folia
E no velho continente
De um tempo inconseqüente
Terra cocanha surgia

O jovem a regra fazia
Brincando com alegria
Na calorosa zoeira 
De farra, festa e folia
Tinha tom de rebeldia
Nesse período dançante
Dos charivaris cantantes
Os cortejos ecoavam
Povo e Elite estavam
Nas festas de carnaval

Em terras Italianas
Tempo do renascimento
 A arte em florescimento
Lá na região da Toscana
Ganhava a vida urbana
Classes se aproximavam
Na farra, se misturavam
Triunfos e alegoria
A coroa mostraria
Que os nobres se apoderavam

Com jeito firme e preciso
É que a commedia d’larte
Na Itália teve sua parte
Nos jogos de improvisos
Despertando muitos risos
Nos bailes organizados
Com máscaras e bailados
De amantes misteriosos
Beijos doces e amorosos
Corações apaixonados

Na América ecoou
Com a barca colonial
Liderada por Cabral
Pelo oceano chegou
No Brasil desembarcou
A festa mais cobiçada
Mas deu uma misturada
Com os nativos da terra
Subindo e descendo serra
Ela foi miscigenada

Brancos trouxeram suas crenças
E os índios na resistência
Seus cultos tinham essência
Mostrando as diferenças
Que causavam desavenças
Mas os colonizadores
Que tinham os seus valores
Escravizaram na guerra
Inda buscaram em outra terra
Negros para os seus senhores

A história já conhecemos
Muitos falam que o Brasil
Nada tem de mãe gentil
E disso nós lembraremos
Mas para não nos perdermos
Vamos falar de carnaval
Do festivo bacanal
Que no Brasil ganha forma
Sem regras, pudor e norma
Do início até o final

Os negros que começaram
Com todas as brincadeira
Com muita farra festeira
Pelas ruas se espalharam
E os seus rostos pintaram
Confete,  água perfumada
Eram em pessoas jogadas
Entrudos já começavam
Brincadeiras embalavam
As folias badaladas

Foi então que toda a imprensa
Começou a condenar
O entrudo e pra completar
Deram sua amarga sentença
E os ricos com indiferença
Pela festa popular
Passaram a desfrutar
De baile em finos salões
Excluindo os cordões
Tentando o povo calar

O povão não desistiu
De fazer a brincadeira
Resistiu a sua maneira
Por seu direito se uniu
Nascendo pelo Brasil
Cordões, ranchos foliões
Com formas e devoções
Entre elas o Carnaval
Pop, de massa e rural
Seguindo as tradições

Uns anos depois surgiram
As marchinhas de carnaval
A música em alto astral
E cada vez mais se uniram
Ritmos que embalariam
E na canção brasileira
Com Abre Alas faceira
Foi que Chiquinha Gonzaga
Mulher de grande sacada
Entrava na brincadeira

Mil novecentos e dez
Nosso samba surgiria
Pelo Telefone ia
Levar o samba nos pés
De salões a cabarés
Onde o povo se unia
Com muito samba e alegria
A festa ganhou o Brasil
De cantos e encantos mil
No país se firmaria

Com africanas nações
E os afoxés da Bahia
A festa o povo fazia
Batuque nos corações
Em Olinda tinham nações
Maracatus e seus baques
E o frevo tinha destaque
Corsos no Rio de Janeiro
Elite em carros festeiros
Ecoando outro sotaque     

O Rio fez realidade
Com suas primeiras escolas
Samba, do povo que mora
Na pobre comunidade
De gente em pura verdade
Vai como Pode, a primeira
Portela de madureira
Veio a Deixa Falar
Que virou Estácio de Sá
As escolas pioneiras

Na década de cinquenta
O lindo estado Bahia
Que sua história fazia
O trio elétrico inventa
Guitarra baiana esquenta
Com fervor, a multidão
O axé vira a sensação
Dodô e Osmar, Armandinho
Olodum no pelourinho
Ganhou todo o folião

A tal festa carnaval
Tem histórias para aprender
Mas não preciso dizer
Que o Brasil tem astral
Aqui até em futebol
Se faz batuque e marchinha
Cantando eô e vassourinha
Olinda, Rio e Bahia
Terra de tanta magia!
Com abadá e sombrinha

Deixo a vocês a história
Por puro conhecimento
Hoje em todo momento
Que não se perca a memória
De todo povo e sua glória
De canto universal
De cultura magistral
Nessa festa popular
Que veio de além mar
E aqui virou Carnaval

Danilo Nunes é músico, ator, historiador e pesquisador de Cultura Popular Brasileira e Latinoamericana

Instagram: @danilonunes013

Facebook: @danilonunesbr

Redação

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