Ela, por Homero Fonseca

Nunca houve mulher como aquela por quem meu amigo de velha data estava loucamente apaixonado.

Ela, por Homero Fonseca

O professor Zé Alonso de Arruda rides again.

Encontro meu velho amigo já meio calibrado, o que, em absoluto, não é novidade. Sentamo-nos num café, ele pediu uma cerveja e eu, um capuccino. Com o mestre aposentado, nunca há preâmbulos. Foi logo desfiando:

– Ela é extraordinária. Se você a conhecesse, também se apaixonaria por ela. Inteligente feito um raio, tem uma ampla bagagem cultural, sem jamais ser arrogante. Os olhos são um capítulo à parte: emitem a luz intensa de duas estrelas no cio. A voz é um concerto de Mozart tocado pelo Pink Floyd. Bem cuidada e bonita sem ser um escândalo, aparenta 30 anos, quando já entrou na casa dos 40. Sensual e suave, como uma diaba angelical. Foi casada com um professor igual a ela, separou-se, amigou-se com um pescador e viveu uns anos na Praia de Gaibu, curtindo a natureza e umas ervas hoje medicinais. Depois disso, se manteve solteira, leve e solta, sem se reprimir, mas, seletiva, não dá mole a qualquer um. Pratica danças sensuais e repete alguns jargões feministas sem os excessos anti-homem. Escreve belos poemas, porém não os publica por excesso de autocrítica. Tem horror a bolsonarista. Diz que prefere o sexo sereno e sábio de homens mais velhos à sofreguidão ansiosa de jovens imaturos. É aí que eu me encaixo à perfeição. Ela é deliciosa!

Parou a descrição cruelmente pormenorizada, tomou um longo gole da cerva, deu um trago no cigarro, expeliu a fumaça letal em amplas espirais e então me olhou com uma expressão enigmática. Sem dúvida, perscrutava o efeito daquela narrativa punk em minha pobre mente atordoada. Deve ter ficado satisfeito com minha expressão de inveja mal disfarçada, pois arrematou, com ar triunfante:

– E como se isso fosse pouco, Seu Fonseca, tem o ZA de minhas iniciais tatuado na bunda!

E calou-se por um bom tempo. Não aguentei a pressão atmosférica e fiz a pergunta que não queria calar em minha alma aparvalhada:

– Como ela se chama e onde a encontraste, Zé Alonso?

– O nome eu não sei. E ainda não a encontrei… Aproveita e coloca esse retrato no teu blogue, com o apelo: quem a encontrar por aí, por favor, me avise.

Homero Fonseca é pernambucano, escritor e jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco. Foi editor da revista Continente Multicultural, diretor de redação da Folha de Pernambuco, editor chefe do Diario de Pernambuco e repórter do Jornal do Commercio. Foi também professor de Teoria da Comunicação e recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Atualmente, dedica-se à literatura e mantém um blog em que aborda assuntos culturais.

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