Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Já passou, por Rui Daher

Como queríamos e cantávamos durante a ditadura militar, o simulacro desejado por Jair Messias Bolsonaro, asseclas, clã e apoiadores já passou.

Reprodução redes sociais

Já passou, por Rui Daher

Durante o período da ditadura civil-militar (1964-1985), fez muito sucesso um samba, quase um hino-enredo, de Chico Buarque, perspectiva otimista de que logo sairíamos das trevas antidemocráticas.

“Vai passar”, desfilando em avenidas de sangrentos paralelepípedos, cantávamos, famintos por bife-a-cavalo, batatas fritas e goiabada cascão, carnavalizando a falta de liberdade.

Um dia passou.

No entanto, em plagas de sentimentos seculares e cruéis para com minorias étnicas e sociais, Federação de Corporações conduzida por privilegiado 1% rico, trevas, autoritarismo, negacionismo científico em situações pandêmicas, bloqueios de expressão, liberação de armas, fanatismo religioso, rebaixamento cultural, enfim, os mais diversos bichos escrotos logo saíram dos esgotos para nos lembrar que o bom dura pouco.

Já em 2016, passados apenas 31 anos do fim do governo militar, muitos, eu inclusive, começávamos a alertar para um obscurantismo letárgico, de rápida passagem para ganância maior: voltar ao Poder de Estado.

Consumou-se o golpe à presidente Dilma Rousseff. Aquilo que tinha ares de repreensões de gestão, sobretudo econômica, foi ganhando ares de direita gulosa e, mais tarde, de ultradireita, com a criação de um mito de espírito sanguinário que, avisava eu, serviria apenas para o Brasil se agisse como banco de sangue humano.

De 2019 a 2022, Jair Messias Bolsonaro se excedeu em comprovar meus vaticínios. Com um senão trágico. Safo, enganou-me: nunca poderia imaginar que vendo-o agir fora da liturgia do cargo, mentir de forma descarada diante de vídeos, gravações, discursos, despautérios e gafes internacionais, conseguiu que quase metade dos eleitores repetissem o voto nele. Por pouco o ignaro não venceu.

Sim, fizeram. Com o mascar bovino costumeiro, em manada, cobriram-se de pano verde e amarelo, intensificaram aleivosias nas redes, montaram acampamentos em frente aos quartéis (“esperança, salve”), e seguiram a trilha clássica do golpe de Estado: conflitos de rua antecipadamente planejados na cúpula para fechar os poderes Legislativo e Judiciário, as Forças Armadas coniventes com o “Intento”.   

Muito mais? Fizeram. Deram um tiro no pé.

No dia oito de janeiro de 2023 invadiram Brasília (DF). Naquele dia, os bois da democracia, seguiram outro instinto, e “não se deixaram marcar, tanger, ferrar, engordar ou matar”, e bradaram: “com gente é diferente”.

MAS JÁ PASSOU

Como queríamos e cantávamos durante a ditadura militar, o simulacro desejado por Jair Messias Bolsonaro, asseclas, clã e apoiadores já passou.

Para constatar não é preciso ir aos fatos institucionais já demarcados, aos reconhecimentos externos já consignados, à notória pulverização do espectro político que reserva ínfimo espaço para ultras direitas e esquerdas. Deixemos isso para os scholars que logo estarão fartos de estudar esse lixo histórico.

Meu espírito galhofeiro força-me a declinar o orgasmo seco que tive com as coreografias da posse e entrega da faixa de presidente da República a Luiz Ignacio Lula da Silva, a nomeação de Anielle Franco, como ministra da Igualdade Racial, e Sônia Guajajara, como ministra dos Povos Indígenas.

Senti ratos e escrotos se jogando ao mar. Outros invadindo a Flórida. Glauber transando no sertão. Ariano criando Chicó e João Grilo. Darcy nos ensinando como é o povo brasileiro. João Trinta revisitando com Jards Macalé o enredo do Carnaval Ratos e Urubus (1989) e o Banquete dos Mendigos (1973).

Vale dizer: a alegria colorida voltou e os funestos disfarçados de bandeira foram embora. Eu por motivos mais dignos também logo vou. Caberá a vocês não deixarem eles voltarem.

Alegria! Alegria!

Imagino sisudos críticos, tanto de direita como de esquerda, agoniados com aquele espetáculo de sons e cores. Têm a licença concedida de acharem este um colunista, digamos, como se falava no passado de “O Pasquim”, da esquerda festiva. Cago.

Rui Daher – administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

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