Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A trivialização da catástrofe no filme “Sound Of My Voice”

Filmes cuja premissa parece ser de ficção científica como viagens no tempo ou universos alternativos. Mas esses temas são apenas o pretexto para discutir questões existenciais e relacionamentos. “Sound Of My Voice”(2011) segue essa tendência que os críticos definem como “psicodramas alt.sci-fi”. Aqui a narrativa sobre uma estranha seita cuja líder teria vindo do futuro põe em discussão a chamada “mentalidade da sobrevivência”, forte traço da mentalidade atual: a nossa difusa sensação de abandono e insegurança em relação ao futuro que alimentaria a frenética busca contemporânea por seitas, religiões e técnicas de autoajuda e autoconhecimento alardeadas pela cultura midiática. 

Uma mulher é encontrada vagando pelas ruas de Los Angeles apenas trajando um lençol enrolado pelo corpo, sem memória e apenas trazendo como marca visível do passado uma tatuagem de uma âncora com o número 54 ao lado.

Um jovem casal decide fazer um documentário sobre uma estranha seita, cuja líder é aquela mulher que foi encontrada vagando pelas ruas. Agora ela afirma vir do futuro, mais precisamente do ano 2054 – ela teria chegado a essa conclusão depois de estranhos flahs de memória e o número 54 tatuado.

         Uma menina com traços de autismo brinca sempre solitária em seu quarto, fazendo estranhas figuras com blocos de montar.

E finalmente aterrissa em Los Angeles uma agente do FBI que começa a montar em um quarto de hotel avançados dispositivos de espionagem.

Esses são os ingredientes do thriller psicológico “Sound of My Voice” do diretor Zal Batmanglij, mais um filme indie que os críticos definem como “psicodrama alt. Sci-fi”, isto é, com um tema de ficção científica colocado como pano de fundo são exploradas questões existenciais e de relacionamentos humanos. Nesse trabalho de Batmanglij o tema viagem no tempo é um mero pretexto para discutir como a mentalidade de sobrevivência (que parece trivializar a proximidade de alguma catástrofe e todos parecem sempre esperar pelo pior) repercute nos relacionamentos humanos atuais.

Filmes como “Another Earth” (2011 – veja links abaixo) do mesmo diretor e “Melancolia” (2011) de Lars Von Trier são outros exemplos dessa estética “alt. Sci-fi”.

O filme

Peter (Christopher Denham) e sua namorada Lorna (Nicole Vicius) são os novos adeptos de uma estranha seita cujas reuniões são feitas no porão de uma residência em algum lugar nos subúrbios de Los Angeles. Eles têm os olhos vendados e as mãos amarradas e são conduzidos até o local onde são recebidos com um típico personagem dessas seitas bizarras: cabelos longos, óculos com armação redonda como um hippie de meia idade. São conduzidos à presença de Maggie (Brit Marling, co-autora do roteiro), a viajante de 2054 que traz más notícias do futuro: afirma que estão próximos de uma guerra civil e da escassez de alimentos.

Peter e Lorna pretendem fazer um documentário sobre aquela seita e se infiltram como repórteres investigativos. Peter é mais cético e pretende desmascarar Maggie como uma charlatã. Mas Lorna está cada vez mais se rendendo ao carisma de Maggie. Essa divergência de percepções será o pivô da narrativa do filme, ao lado do estranho aperto de mãos ritual e super-maçônico que os fieis têm que dar ao ser saudado pelo hippie de meia idade toda vez que chegam para os encontros.

Apesar das divergências, Peter e Lorna têm algo em comum: nunca terminaram nada a que se propuseram na vida e veem no documentário a chance de realizar algo até o final.

Lentamente as sequências vão apresentando as técnicas de manipulação psicológica clássicas nas seitas como o momento em que todos comem uma maçã que representa a racionalidade e os valores desse mundo decadente. São induzidos à vomitá-la – na verdade um efeito psicológico em cadeia tal qual o bocejo. Cético, Peter não vomita, o que faz Maggie envolvê-lo em uma armadilha psicológica que o faz revelar os abusos que sofreu na infância. Em choque, Peter acaba vomitando também a maçã para o delírio dos fiéis.

A mentalidade da sobrevivência

Em um livro chamado “O Mínimo Eu – sobrevivência psíquica em tempos difíceis” (editora Brasiliense, 1986) o sociólogo norte-americano Christopher Lasch procurou entender porque apesar de vivermos em uma época de confortos materias desconhecidos em épocas passadas, vivemos obcecados por ideias de catástrofes iminentes – ecológicas, energéticas, econômicas, militares, nucleares, astronômicas etc. A preocupação da sobrevivência passaria, então, a ser o traço proeminente na cultura atual. O tema teria entrado de forma tão profunda na cultura popular e no debate político que qualquer tema se apresentaria como um questão de vida e de morte.

Para Lasch, o comportamento da vida cotidiana passa a assumir as características mais sinistras típicas de vivências em situações extremas: auto-observação irônica, individualidade multiforme e anestesia emocional.

“Sound Of My Voice” explora de forma seca e objetiva essas características de um cotidiano marcado por uma espécie de trivialização da catástrofe: a misteriosa líder Maggie impõe exercícios para que os adeptos liberem seus “eus verdadeiros” e suas potencialidades para que se tornem uma elite de pessoas fortes (os “escolhidos”) para sobreviverem ao futuro.

Os protagonistas mantêm um constante auto-distanciamento irônico – na medida em que Maggie, Peter e Lorna criam inusitadas situações cômicas em momentos emocionalmente pesados, suas personalidades e identidades vão se apresentando instáveis : quem é Maggie? Será uma charlatã? Uma narcisista? Uma viajante do tempo? Ou uma golpista perseguida pelo FBI?

Peter e Lorna passaram suas existências pulando de projeto em projeto de vida sem nunca terminar nada. Para eles, o documentário é simbólico: uma forma de se encontrarem. Mas ao mesmo tempo a divergência de percepções sobre Maggie, aliado com o ceticismo de Peter (na verdade uma forma de defesa emocional diante do seu próprio passado de abusos) e a necessidade de Lorna crer em algo cria um incrível vazio emocional em sequências propositalmente lentas, gélidas e precisas.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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