Exposição no Rio revive início da ditadura militar

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Guardião do acervo de vários artistas e intelectuais brasileiros, o Instituto Moreira Salles (IMS) do Rio de Janeiro fez desse legado a matéria-prima de um evento que procura reviver o ano em que o Brasil mergulhou na ditadura militar. Em 1964 – Arte e Cultura no Ano do Golpe será aberta hoje (8), às 19h, com a releitura do espetáculo musical Opinião. A partir de amanhã (9) o público poderá visitar a exposição que traz um panorama da vida cultural naquele ano.

 Folha de contato com fotografias da passeata de calouros da Universidade de Brasília, da coleção Jorge Bodanzky (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Passeata de calouros da Universidade de Brasília, da coleção Jorge BodanzkyFernando Frazão/Agência Brasil

Estreado em dezembro de 1964, o show foi considerado um marco na resistência cultural ao regime militar. Na releitura, a cantora Joyce vai interpretar o repertório que na época foi cantado por Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia), acompanhada pelo grupo Casuarina. O jornalista Sérgio Cabral, biógrafo de Nara, participará do espetáculo fazendo comentários e contando histórias do showoriginal.

Haverá uma única apresentação, mas a íntegra do espetáculo será disponibilizada no siteespecialmente criado pelo IMS . Também farão parte do evento, que se estenderá até novembro, debates, outros dois espetáculos musicais e uma mostra de filmes que estavam em cartaz naquele ano. A mostra, aliás, já começou, antes mesmo da abertura do evento, com a exibição, no último fim de semana, dos filmes O Processo, de Orson Welles, Ivan, o Terrível – parte 2, de Sergei Eisenstein, e A Noite, de Michelangelo Antonioni.

“O centro do projeto é o site, que vai ser alimentado e atualizado ao longo do ano, e a exposição, ambos com o objetivo básico de mostrar 1964 pelos olhos dos artistas que fazem parte de nosso acervo”, explica o curador do evento, Paulo Roberto Pires, também editor da revista de ensaiosSerrote, do IMS. “A proposta é fazer uma imersão ao longo do ano no dia a dia de 1964. Algumas coisas na mostra são muito políticas e outras não. Como, por exemplo, o ensaio sobre a Festa de Iemanjá, que a fotógrafa Maureen Bisilliat estava  fazendo em 1964 e as fotos de publicidade da época”, detalha.

O acervo do fotógrafo Jorge Bodansky, que o IMS acaba de receber, também está na mostra. Fazem parte da coleção imagens de Brasília nos dias do golpe, como uma foto em que estudantes ouvem no rádio as notícias sobre o que estava ocorrendo no país.

Além da cronologia da época, o site terá trechos de filmes, imagens e uma atualização semanal, com crônicas, colunas e outros textos produzidos em 1964 pelos autores que integram o acervo do instituto, como Rachel de Queiroz, Otto Lara Resende e Millôr Fernandes.  “A ideia é mostrar ao público de hoje como eram as diferentes visões da época, antes e depois do golpe”, diz o curador.

Rio de Janeiro - Exposição Em 1964 - Arte e Cultura no Ano do Golpe. Exemplares e Capas da Revista Pif Paf (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Exemplares e capas da Revista Pif PafFernando Frazão/Agência Brasil

Na literatura, foi no ano de 1964 que Clarice Lispector publicou dois de seus livros mais importantes, A Paixão Segundo G.H. e A Legião Estrangeira. Também naquele ano, Otto Lara Resende lançou seu discutido romance O Braço Direito e Millôr a sua revista de humor Pif-Paf, que apesar da vida curta (apenas oito números) ficou na história como o marco inicial da imprensa alternativa no Brasil.

Segundo Paulo Roberto, a proposta de uma remontagem do Opinião partiu do próprio diretor do espetáculo em 1964, Augusto Boal, falecido em 2009. “Na ocasião, ele conversou com a Joyce e disse que não faria sentido reproduzir os textos [de Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes] porque estavam muito vinculados ao contexto da época. Então decidimos não fazer uma reconstituição do espetáculo, mas sim uma releitura”, conta.

 Fotografias do restaurante-bar Zicartola, com os músicos Cartola, Zé Kéti e Nelson Cavaquinho.(Fernando Frazão/Agência Brasil)

Fotografias do restaurante Zicartola, com os músicos Cartola, Zé Kéti e Nelson CavaquinhoFernando Frazão/Agência Brasil

Após o golpe, o bar era um refúgio para muita gente que estava sendo perseguida pelo novo regime, mas, ao que tudo indica, agentes da repressão também iam lá. “O Sérgio Cabral conta que estava no ZiCartola quando foi informado que estavam à sua procura. ‘Foge daqui porque estão te seguindo”, disseram ao jornalista. Ele se levantou e foi pra casa. Não aconteceu nada.”

Dois outros espetáculos musicais alusivos a 1964 serão encenados no auditório do IMS, um dele um tributo a Baden Powell, cujo acervo pessoal também se encontra no Instituto. “1964 foi o ano em que Baden iniciou sua carreira internacional, gravando um disco na França”, diz o curador. Segundo ele, a exposição terá atualizações até novembro.

Os ingressos para o show custam R$ 40 a inteira e R$ 20 a meia entrada. A exposição poderá ser visitada de terça-feira a domingo, das 11h às 20h. A entrada é franca. O IMS fica na Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea, zona sul do Rio.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. A memória é estranha

    Eu vi Opiniao, já com Maria Betânia. E seria capaz de jurar que foi muito depois de 64, quando eu tinha apenas 16 anos e era de uma família de centro-direita. Eu juraria que tinha sido ao menos em 67, quando entrei para a faculdade, no mínimo em 66, quando já era crítica da ditadura. Nao sei quanto tempo o show ficou em cartaz, alguém sabe? 

  2. Grupo Opinião

    Li em 

    http://www.clickcultural.com.br/teatro/biografia.grupos-grupo_opiniao-7.html 

    onde  há este trecho:

    O grupo passa por algumas dificuldades e mesmo com a precária sobrevivência mantém-se até 1976, quando novamente João das Neves, com uma surpreendente cenografia de Germano Blum e trilha sonora de Rufo Herrera, monta seu texto O Último Carro, que devido ao sucesso no Rio de Janeiro foi levada para a 14ª Bienal Internacional de São Paulo, onde repete o êxito carioca e recebe o Grande Prêmio da Bienal, em 1977. 

    Após uma ampla pesquisa junto a populações carentes, João das Neves reúne o material e dá-lhe forma cênica, na peça Mural Mulher, em 1979. Nos anos seguintes, as atividades foram diminuindo e o diretor, último remanescente dos fundadores do Grupo Opinião, deixa o teatro em 1983. 

    E neste link, mais informações:

    http://pcb.org.br/fdr/index.php?option=com_content&view=article&id=474:teatro-e-resistencia-cultural-o-grupo-opiniao&catid=7:e-por-falar-em-pcb

     

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