Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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No Filme “Almas à Venda” Corpos e Almas Resistem ao Mundo dos Negócios

 

Se as ideias do “management” começaram a ser concebidas há um século, sua motivação mais profunda (a Tecnognose e as tecnologias do espírito) vem desde o século XVII com o racionalismo de Descartes. “Almas à Venda” (Cold Souls, 2009), de forma irônica e com humor negro, tematiza criticamente como o mundo dos negócios (management + tecnologias do espírito) invade nossa última morada que tenta resistir: a alma.

 

O filme Almas à Venda (Could Souls, 2009) é uma comédia dramática instigante e com uma ácida ironia apresentando como “alma do tempo” atravessa a forma como lidamos com os problemas da alma. E qual é a alma do nosso tempo? A hegemonia das ideias do management, com conceitos vindos do mundo dos negócios. O cálculo das relações custo-benefício como forma de pensar generalizada que vai do mundo corporativo até nossos amores e amizades, trazendo a necessidade do ajuste fino das nossas almas a esse paradigma de performance e desempenho. A fim de nos adaptarmos ao management, entra em ação toda a agenda científica tecnognóstica das tecnologias do espírito (neurociências) que, como vimos em postagens anterioras (veja links abaixo), procuram fazer uma verdadeira cartografia e topografia da mente, na esperança de localizar a fonte última das nossas motivações, sentimentos, emoções e impressões. E o cinema, de “Vanilla Sky” até “A Origem” vem refletindo essa agenda, ou a “alma do nosso tempo”


“Almas à Venda” não apenas reflete essa agenda atual como faz uma reflexão crítica com muita ironia e non sense. O filme faz lembrar produções como “Quero Ser John Malkovich” e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, mas vai além na crítica. Enquanto os filmes anteriores são verdadeiras fábulas (narrativas com características genéricas e ahistóricas), em Almas à Venda o contexto histórico, econômico e político é bem delineado: o mundo globalizado e o neo-liberalismo dominado pelo paradigma da financeirização onde qualquer coisa (ações, títulos, carros, pessoas, sentimentos e até a alma) tem que ser submetida aos princípios da liquidez e mercantilização totais.


O filme começa com uma epígrafe impactante, que sintetiza bem a alma do nosso tempo: “A Alma localiza-se em uma pequena glândula no centro do nosso cérebro”, Rene Descartes, The Passion of Souls, 1649. Em seguida, vemos Paul Giamatti fazendo o papel do ator … Paul Giamatti nas cenas iniciais, tentando interpretar o personagem Tio Vânia em um ensaio da peça homônima de Tchekov. A peça está prestes a entrar em cartaz e ele enfrenta dificuldades com o papel: progressivamente sua vida pessoal confunde-se com a do personagem e, por isso, está atormentado e amargurado com a vida.


Seu agente indica um artigo na revista New Yorker sobre um serviço que seria a solução dos seus problemas: o “Armazém de Almas”, uma clínica na qual seus pacientes podem retirar sua alma e estocá-la e, até, substituir por outra alma de um doador anônimo. Sem a alma, Paul se descobre um homem mais leve, assertivo e sem angústia.


Mas se achava que tinha encontrado a solução para suas angústias e tormentos, Paul encontra mais problemas: sem a alma não consegue interpretar Tio Vânia ou fazer sexo com sua esposa. Consternado, retorna à clínica e decide experimentar a alma de um poeta russo. Mas logo percebe que essa alma é nobre e complexa demais para ocupar seu corpo e não consegue dar conta de toda a sua complexidade. Decide, então, reaver sua própria alma, estocada no depósito.


Desesperado, descobre que ela foi roubada e levada para a Rússia em um empreendimento sem escrúpulos e cruel: um empresário com ares de mafioso mantém um negócio em São Petersburgo de aliciamento cruel de doadores e tráfico de almas que são enviadas para os Estados Unidos no interior do corpo da “mula” Nina.


Determinado, Paul vai à Russia com ela para recuperar sua alma. No final do filme, Paul retorna à clínica onde descobre que a instituição foi vendida para um fundo de investimento.


Sensibilizado pelo drama pessoal da “mula” Nina (um corpo sem alma que carrega almas alheias no esquema do tráfico internacional) tentar reaver a alma dela no depósito. Descobre ser impossível porque os acionistas do fundo estão avaliando os “ativos” e definindo novas políticas de preço com base no risco associado ao investimento realizado.


Non sense total! O que torna a atmosfera surreal do filme é a absoluta naturalidade como os personagens lidam com a questão do “Armazém de Almas”: sem espanto, tudo verossímel, natural e rotineiro, como mais um exemplo de criatividade e empreendedorismo no mundo dos negócios.


Onde está a alma?


A epígrafe que abre o filme com a citação de Descartes é a chave para entender a “alma do tempo” e toda a crítica corrosiva do filme. É inacreditável perceber que a agenda tecnognóstica atual procura materializar por meio das tecnologias contemporâneas (neurológicas, fisiológicas, digitais e computacionais) um anseio secular do imaginário científico racionalista expresso na frase de Descartes no século XVII.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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