Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O ódio envenena e mata no curta “Cólera”, por Wilson Ferreira

Selecionado e premiado em todos os festivais de horror e fantástico nos quais foi exibido, o curta espanhol “Cólera” (2013) de Aritz Moreno é uma preocupante representação contemporânea da escalada do espírito de linchamento, ódio e intolerância. O curta comprova como o gênero, desde o filme “O “Gabinete do Dr. Caligari” de 1919 que teria antevisto o nazismo, é um termômetro da cultura e da sociedade em cada momento: na Espanha, a crise econômica e o crescimento da xenofobia e o ódio racial; no mundo a intolerância e o racismo como um mal viral e endêmico, assim como a cólera. Além disso, o curta consegue em seus seis minutos de um único plano sequência fazer uma síntese do psiquismo da personalidade autoritária: o ódio pode matar sua vítima, mas também envenenar o próprio algoz.

O ódio envenena e mata. O seis minutos do curta metragem Cólera do espanhol Aritz Moreno nos impacta como um raio pela sua mensagem direta e contundente. Rodado em um único plano-sequência que mistura os pontos de vista de todos os personagens, o curta foi baseado em um comic book do norte-americano Richard Corben.

Selecionado e premiado em mais de cem festivais em todo o mundo, podemos ler no poster promocional um verbete curto e direto: “Cólera: m. Pat. Enfermidade contagiosa epidêmica aguda e muito grave” – veja o curta abaixo.

O curta relata de forma crua a população agressiva e colérica de um vilarejo que pretende fazer justiça com as próprias mãos. Armados com paus, pedras e espingardas pagarão as consequências desse linchamento. Todos estão se dirigindo a um pequeno casebre construído de forma precária com tábuas velhas e papelão, isolado no meio de um campo. Lá se encontra o objeto de todo ódio da população, alguém que, segundo eles, já teria causado “problemas demais”. “Finalmente uma vila limpa!”, brada o líder do populacho enfurecido e levantando uma espingarda.

O filme foi premiado em diversos festivais de horror e fantástico, o que nos faz refletir a importância desse gênero como um sintoma de crises sociais – conflitos de raças e classes.

Gênero horror é sintoma social?

Desde o filme A Noite dos Mortos Vivos de George Romero há uma interpretação dos problemas sociais pela metáfora do contágio, do epidêmico e do viral. Naquele momento tínhamos o recrudescimento da Guerra do Vietnã e dos conflitos raciais e lutas por direitos civis. Monstros, zumbis são como os alteregos da crise da cultura e da sociedade na relação com o outro: ódio, intolerância, racismo e xenofobia.

Se no passado, filmes de terror como O Gabinete do Dr. Caligari de 1919 (marco do expressionismo alemão) representava a Alemanha pré-nazismo pela metáfora da manipulação hipnótica e da psicose de um país que caminhava inexoravelmente para a guerra, hoje a metáfora é a do contágio e da epidemia.

Em Cólera esse contágio é duplo: uma suposta doença que ameaça um vilarejo e o ódio mobilizador do linchamento que contamina em retorno o próprio psiquismo de todos.

O horror espanhol: o mal virótico

Desde a crise econômica da Zona do Euro a partir de 2008, e da Espanha em particular, é perceptível a escalada de filmes espanhóis onde o mal se propaga de forma endêmica e viral: RECREC 2-PossuídosLa Hora Fria etc. Zumbis transformados em problema sanitário público, monstros e mutações em uma Espanha onde o desemprego cresce a taxas em torno de 30% e o espectro do racismo, xenofobia e intolerância é cada vez mais ameaçador.

Segundo o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia, órgão ligado à União Europeia, a cada ano já são 4 mil os casos de agressão motivados por discriminação no país. A organização também diz que o número de neonazistas identificados na Espanha subiu de pouco mais de 2 mil, em 1996, para 10,5 mil, no ano passado.

Linchamento e sacrifício ritual

Cólera é um sinalizador desse mecanismo de uma sociedade que procura bodes expiatórios para tentar se purificar, personalizando o mal em estrangeiros e imigrantes, e nos filmes em monstros, mutantes e zumbis.

Em seis minutos o curta Cólera faz uma fantástica síntese do mecanismo psíquico da personalidade autoritária e o fascismo. Retomando a clássica fórmula da personalidade autoritária descrita por Theodor Adorno (“quem é duro consigo mesmo, também é com os demais”), no curta vemos uma população com os rostos crispados, duros e embrutecidos pela própria vida rústica.

 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. assisti-o e.n.c.o.l.e.r.i.z.a.d.o pela bobagem

    assisti-o e.n.c.o.l.e.r.i.z.a.d.o pela bobagem perda de tempo de se ver estéril insosso apuro tecnológico som/imagem para vender arte tecnológica fake barroca rococó ….

    no you tube tem um caminhão de videos que retratam coléra de todos os gêneros e povos e barbáries com genuína verossimilhança colérica e maestria arte colérica em tempo real da coléra a toda prova insofismável.

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