Dos primórdios ao Fanerozoico, por Felipe A. P. L. Costa

Na ausência de seres vivos, a história do planeta foi governada tão somente pelas leis da física e da química – mais ou menos como estaria a ocorrer atualmente em outras partes do Sistema Solar.

Dos primórdios ao Fanerozoico

Por Felipe A. P. L. Costa [*]

Até o início do século 20, a história geológica da Terra era representada por uma escala formada de segmentos empilhados, cada um correspondendo a uma camada estratigráfica. Com a invenção dos métodos de datação, a escala de tempo geológico passou a associar as camadas estratigráficas a uma sequência cronológica de intervalos de tempo, cada um deles definidos em função de eventos notáveis na história do planeta, como as mudanças periódicas na composição dos restos fósseis.

A União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS, na sigla em inglês) tem um grupo de trabalho encarregado de preparar e divulgar versões atualizadas da escala de tempo geológico. A escala da IUGS é organizada em níveis hierárquicos, incluindo éon, era, período e época. Um éon é subdividido em eras; a era, em períodos; e o período, em épocas.

Gradstein et al. (2004) listam seis éons [1], a saber:

(1) Gênese (4,56-4,51 bilhões de anos atrás, Gaa), abrangendo as fases de acreção (leia-se: crescimento por agregação de material vindo de fora) e diferenciação;

(2) Hadeano (4,51-3,85 Gaa), durante o qual a Terra foi alvo frequente de impactos, como o que deu origem à Lua;

(3) Arqueano (3,85-2,6 Gaa);

(4) Transição (2,6-2,3 Gaa), durante o qual a crosta atual se formou;

(5) Proterozoico (2,3-0,542 Gaa); e

(6) Fanerozoico (de 0,542 Gaa para cá), notável pela abundância de fósseis.

O Fanerozoico, com seu rico e diversificado acervo de fósseis, é subdividido em três eras: Paleozoico (0,542-0,251 Gaa), Mesozoico (0,251-0,0655 Gaa) e Cenozoico (de 0,0655 Gaa em diante).

Tudo o que se passou antes do Cambriano (0,542-0,488 Gaa), o primeiro período da era paleozoica, é habitualmente referido como Pré-Cambriano. A designação abrange uns 87% de toda a história da Terra, desde a fase de acreção e diferenciação até a chamada explosão cambriana, marcada pelo repentino aparecimento de fósseis de inúmeros grupos animais.

A Terra pré-biótica

As mais antigas evidências da presença de seres vivos foram encontradas em rochas do início do Arqueano, com uma idade estimada em 3,8 Ga. Levando em conta que a Terra foi formada há 4,56 Ga, podemos dizer que o planeta esteve desocupado durante menos de 800 milhões de anos. É possível que novos achados abreviem ainda mais esse intervalo. Não há dúvida, porém, de que houve um período pré-biótico mais ou menos prolongado e durante o qual o planeta esteve desabitado.

Na ausência de seres vivos, a história do planeta foi governada tão somente pelas leis da física e da química – mais ou menos como estaria a ocorrer atualmente em outras partes do Sistema Solar. As leis ordinárias do mundo inanimado, claro, ainda estão em vigor por aqui. O que ocorre é que, na presença de seres vivos, o curso de vários processos é acelerado ou, de algum outro modo, modificado; além disso, surgem processos novos. O acúmulo de oxigênio na atmosfera terrestre é um exemplo disso.

O xis da questão é que os seres vivos não são expectadores passivos do que se passa à sua volta. Em maior ou menor extensão, todos eles estão a alterar o lugar onde vivem. Assim é que, no cômputo final, boa parte daquilo que nós chamamos de paisagem natural decorre da presença ou da ação de seres vivos.

Coda

A história da vida tem se caracterizado pela proliferação, irradiação e extinção de linhagens. Algumas estimativas sugerem que o total de espécies viventes – algo entre 5 milhões e 50 milhões de espécies – corresponderia a menos de 1% de todas as espécies que já teriam vivido na Terra. O planeta, portanto, já teria sido povoado por algo entre 500 milhões e 5 bilhões de espécies – talvez mais. São números impressionantes, a respeito dos quais nós ainda temos muito a aprender.

A mensagem final é esta: datando o passado da Terra, foi possível não só situar a ordem dos eventos, mas também fixar os intervalos de tempo transcorridos entre eles. A obtenção de dados cronológicos e a construção de escalas de tempo absoluto permitiram sedimentar o quadro geral que tem sido usado na elaboração das modernas árvores filogenéticas (ver artigo ‘Reconstituindo filogenias’).

Notas

[*] Artigo extraído e adaptado do livro O que é darwinismo (2019), assim como 26 artigos anteriores – ver aquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaqui e aqui. (A versão impressa contém ilustrações e referências bibliográficas.) Para detalhes e informações adicionais sobre o livro, inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato com o autor pelo endereço [email protected]. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Para detalhes, ver Gradstein, F & mais 4. 2004. A new Geologic Time Scale, with special reference to Precambrian and Neogene. Episodes 27: 83-100.

Redação

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