O combate à ineficência causada pela burocracia, por Delfim Netto

Do Valor

Finalmente, o Brasil sem Burocracia!
 
Por Antonio Delfim Netto
 
Tenho simpatia pelo comportamento e pela integridade da presidente Dilma Rousseff nas suas relações com o setor produtivo. Sua percepção foi, infelizmente, prejudicada por trágicas falhas de comunicação.
 
A busca da necessária e imprescindível modicidade tarifária nos processos de transferência de monopólios públicos para o setor privado foi frustrada por alguns problemas: 1) a crença que poderia fixar, simultaneamente, a qualidade dos serviços concedidos e a taxa de retorno; 2) pelo aparelhamento ideológico das agências de Estado, cujos membros deveriam ser qualificados e independentes para garantir a higidez financeira de contratos de concessão que são necessariamente “abertos” e duram dezenas de anos. A isso juntou-se a forma apressada da redução do custo da energia elétrica e do aumento da competição nos portos, ambos, obviamente, necessários.
 
Em 2011 o governo ajustou a política econômica: 2,7% de crescimento do PIB (contra 3,6% na média 2009/10); taxa de inflação de 6,5% (contra 5,1% na média 2009/10) e taxa Selic média de 12 meses de 11,6% (contra 9,8% em 2010).

 
Em 2012, a situação complicou-se. Tivemos um problema climático e o setor agropecuário caiu 2,1%. Os efeitos da valorização do câmbio sobre o setor industrial levou-o a uma queda de 0,8%. Em resposta à política cambial e à conjuntura mundial, nossas exportações caíram 5,2% e as importações 1,3%, o que ajudou a reduzir o crescimento do PIB a 1%. No quadriênio 2011/14, devemos apresentar um crescimento médio do PIB per capita em torno de 1%.
 
Preso numa armadilha construída pela revolução demográfica e uma deterioração da situação externa, o governo demorou a reconhecer: 1) que a disponibilidade de mão de obra e o “vento de cauda” que permitiram o magnífico programa de crescimento com distribuição de renda de 2003/10 tinham terminado; e 2) que diante desses fatos, o estímulo à demanda produz um resultado fugaz. Ele só se sustenta com subsídios crescentes, prejudica a alocação dos fatores de produção, deteriora a política fiscal, aumenta a pressão inflacionária e o déficit em conta corrente, como ocorreu.
 
É preciso dizer, por outro lado, que tais problemas são, pelo menos em parte, consequências da política social e econômica que soube mobilizar o trabalho nacional, ao mesmo tempo em que aproveitou a janela de oportunidade criada pela conjuntura internacional.
 
Conseguimos obter uma razoável taxa de crescimento (4,5% ao ano entre 2003-2010), juntamente com uma melhora substancial na distribuição de renda (os 20% de menor rendimento cresceram 68%, enquanto o dos 20% de maior rendimento cresceram 31%) no meio da mais grave recessão mundial dos últimos 80 anos. Isso só foi possível graças à inclusão social (salário mínimo, Bolsa Família etc.), apoiada na expansão do crédito interno, que passou de 25% para 45% do PIB no período.
 
Uma vez que a força de trabalho tende a crescer em torno de 1% ao ano, a volta ao crescimento só poderá ser obtida pela ampliação da produtividade de trabalho. Estamos hoje numa situação privilegiada no mundo. No Brasil, quase toda a população entre 15 e 64 anos que pode e deseja trabalhar está empregada. Esse é um bem precioso, ainda que produza algum estresse.
 
De que depende, afinal, o aumento da produtividade do trabalho? Fundamentalmente, do aumento do capital físico (estradas, portos, energia, equipamentos produtivos, comunicação, tecnologia etc.) posto à disposição de cada trabalhador que precisa ter qualificação adequada para operá-lo.
 
O governo já entendera isso em 2012, com um vasto programa de investimento público, através de concessões que deveriam estimular o espírito animal do empresariado privado para também ampliarem os seus investimentos, o que não aconteceu pelas falhas de comunicação acima relatadas.
 
Só no segundo semestre de 2013 as concessões de infraestrutura acertaram o passo, com um atraso de pelo menos dois anos. O governo sente na carne a tremenda ineficiência gerada pela complexidade da administração pública que construiu.
 
Talvez seja isso que tenha levado a candidata à reeleição, Dilma Rousseff, a colocar como parte importante do seu Plano de Transformação Nacional, o programa Brasil sem Burocracia.
 
Um pequeno (mas significativo) exemplo de como as agências do governo batem suas cabeças duras, é a narrativa cheia de peripécias feita pela excelente jornalista Lu Aiko Otta (“O Estado de S. Paulo”, 22/6, pág. B12), do esperado asfaltamento de cerca de três quilômetros de acostamento no chamado Morro dos Cavalos, nas vizinhanças de Florianópolis e de um território dos indios guaranis. Depois de quatro décadas foi parar, a pedido do Ministério da Justiça, na Casa Civil da Presidência da República.
 
O “imbróglio” começou quando – ainda nos anos 70 – o Dnit pensou que tivesse conseguido as licenças necessárias para fazer a obra. Ledo engano. Ela foi embargada pelo Ministério Público Estadual! Envolveram-se, depois a Funai, o Ibama, a Advocacia-Geral da União e “tutti quanti”. Hoje, depois de 40 anos, há uma esperança que o acostamento será feito nos próximos cinco anos pelo próprio Dnit!
 
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

 

Redação

4 Comentários

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  1. Menas!

    “No Brasil, quase toda a população entre 15 e 64 anos que pode e deseja trabalhar está empregada.”

    Segundo a PNAD contínua, 29 milhões de jovens até 29 anos NEM estudam NEM trabalham!

  2. burocracia

    A crise do Estado brasileiro só será debelada quando a sociedade se convencer de que são necessárias mudanças institucionais

    Quase duas décadas de gestões modernizantes e não autoritárias da economia ainda não conseguiram recolocar definitivamente o Brasil numa trajetória sustentável de desenvolvimento. De onde vem essa herança maldita? Ainda estão em ação os vícios em meio aos quais foi formada a nação brasileira.

    Depois da redemocratização política, da estabilização da economia, da abertura parcial dos mercados, da inserção (ainda tímida) do país na economia global, será preciso agora, discutir o Estado no Brasil. E como romper as maldições do passado.

    A ausência de um feudalismo e de uma revolução burguesa em Portugal concedeu ao Estado brasileiro, desde a origem, um poder centralizador inquestionado. Sem ameaças regionais e sem reivindicações de classes, foi muito fácil consolidá-lo, não foi preciso fazer concessões à Nação para legitimar-se. Erigiu-se um “governo das elites”, estabeleceu-se um fosso entre ele e a volumosa massa populacional obsequiosa e cordial.

    . A apropriação estamental da máquina pública é uma deformidade de origem da qual o país ainda não se curou.

    Toma-se posse de cargos públicos para a obtenção de vantagens pessoais.

    O Estado foi, durante séculos, o agente do subdesenvolvimento brasileiro, porque o tipo de colonização introduzido aqui não foi o de ocupação, mas o de exploração.

    Mesmo hoje, o Estado é um entrave ao crescimento sustentado.

    O capitalismo brasileiro é de Estado, improdutivo e caçador de rendas.

    Um modelo de desenvolvimento excludente: o não franqueamento de direitos, a concentração do poder sobre os meios de produção, o trato patrimonialista da coisa pública e a lógica econômica rentista do estamento burocrático e agregados explicam a lentidão do desenvolvimento e a falta de vontade em mudar a situação.

    Microeconomicamente, o Estado brasileiro ainda mantém uma estrutura usurpadora de renda. Vive mais em função de si mesmo do que no cumprimento de seu papel básico de transferência de recursos para políticas públicas promotoras de justiça distributiva. Macroeconomicamente, o Estado habituou-se a conviver com uma constante crise fiscal, antes refletida no financiamento inflacionário de seus gastos e hoje numa incapacidade de racionalizá-los e de controlar o custeio da máquina pública, em detrimento do investimento em infraestrutura e do planejamento de investimentos consistentes.

    A crise do Estado só será, na visão de Gonçalves da Silva, debelada quando a sociedade, após conflitos e barganhas em busca de direitos, se convencer de que são necessárias mudanças institucionais profundas.

     

     

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