Exclusivo: Denúncia de assédio moral atinge colégio militar apontado como referência

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Colégio Militar de Manaus é alvo de denúncia de familiares de ex-alunos; escola diz ter sido inocentada de acusações

Fachada do Colégio Militar de Manaus. Foto: site Colégio Militar de Manaus

O Colégio Militar de Manaus (CMM) é considerado referência no ensino fundamental e médio, mas denúncias de familiares de ex-alunos mostram que os estudantes são alvo de sucessivos episódios de assédio moral por parte dos professores e militares responsáveis.

Criado no governo do Presidente Emílio Garrastazu Médici, pelo Decreto-Lei nº 68.996, de 2 de agosto de 1971, o CMM inaugurou suas atividades em 7 de abril de 1972, tendo como idealizador e primeiro comandante o Coronel Jorge Teixeira de Oliveira, sendo o oitavo colégio militar fundado no Brasil.

“Desde sua criação, o CMM, primeiro estabelecimento de ensino deste gênero na Amazônia, projetou-se no cenário da Educação, destacando-se como uma das mais tradicionais e bem equipadas escolas para os Ensinos Fundamental e Médio e, também, como um dos pioneiros no Ensino a Distância (EAD)”, descreve a instituição em seu site.

Contudo, relatos obtidos com exclusividade pelo Jornal GGN mostram uma escola onde o assédio moral contra os alunos é uma prática corriqueira, partindo do treinamento militar a provas copiadas de faculdades para estudantes do ensino médio.

“Entreguei crianças saudáveis – antes de entrar no colégio, a gente tem que fazer checkup completo. Eles eram saudáveis. Hoje, eles estão com falta de vitamina – o stress é tão grande que não conseguem absorver nutrientes. Acabaram com meus filhos”, diz a pedagoga P.D., mãe de dois jovens que estudaram no colégio manauara.

Marcha e conteúdos inadequados para nível de ensino

“Meus filhos nunca estudaram em colégio militar, só que se fala em excelência. Era o sonho do meu marido”, explica P., que se mudou com a família para Manaus por conta do trabalho do marido, militar do Exército.

E colocar as crianças no CMM era um sonho dele, por conta das promessas de excelência educacional – que acabaram não se comprovando, como explica a pedagoga.

Os jovens (um adolescente no primeiro ano do ensino médio, e uma menina no sexto ano do ensino fundamental) foram transferidos em meados do ano passado, e o que era uma promessa de ensino referência se tornou um pesadelo para a família.

Quando os estudantes chegaram ao CMM, encontraram uma escola onde o corpo técnico tinha dificuldades em ministrar o conteúdo necessário, além da omissão, negligência e o excesso de rigor com os estudantes.

“As várias mães que falam são de filhos concursados, que entravam em concurso”, diz P. “As provas eram copiadas e coladas de universidades, com conteúdo nunca visto pelas crianças – a cada 15 dias, mais de 100 páginas para estudar de cada matéria”.

E a pedagoga ressalta que as provas aplicadas eram todas copiadas de universidades. “A primeira prova de ciências da minha filha era uma pesquisa científica de uma farmácia. A professora pegou a pesquisa e transformou em projeto, para os alunos discorrerem a respeito”.

Além disso, as mães pegaram perguntas aplicadas em vestibulares como Unesp e Fuvest aos alunos – “eles pegavam provas inteiras e aplicavam do sexto ao terceiro ano. Esse conteúdo nunca foi explicado”.

Dentro do rigor militar, ela ressalta que todas as crianças são obrigadas a marchar 1 hora por dia e, quando tem formatura, “eles obrigam 2 horas ou marcam para treinamento 3, 4 horas, como se fosse um soldado”.

Pressão psicológica

Os casos ocorriam no colégio inteiro, e as mães mandavam sucessivas reclamações à diretoria do CMM, sem receber resposta. “Juntei um grupo de mães e começamos – toda vez que entrava em contato com a escola, falava que não tinha reclamação. Apenas individualmente”, afirma P.

Partindo desse ponto, as mães formaram um grupo e enviavam os e-mails encaminhados à escola entre elas, e o colégio não tinha argumentos. “Eu ficava nos grupos chamando as pessoas para marcar reunião, para ver os direitos dos filhos. Então, caiu tudo em cima de mim”, explica P.

“No ano passado, a P. nos procurou tentando ingressar com uma ação de danos morais contra o CMM”, diz Joaquim Vital, advogado de P.. “Ela já tinha entrado no pleito com as mães junto ao MPF e sozinha, pleiteando uma resposta do CMM”.

Segundo Vital, toda vez que ela tentava pedir uma resposta, mesmo sendo esposa de um praça, “eles não conseguiam uma resposta satisfatória em relação ao ensino dos filhos”.

“Ela pleiteou, deu de frente – e como o marido dela não é praça, e sim um oficial, ela deu a cara à tapa”, diz Vital. “O CMM não estava dando uma resposta satisfatória, e como outras mães não podem falar, pois a maioria são mulheres de praças e existe represália, a P. deu a cara e comprou a briga”.

Reunião sem possibilidade de réplica

A pedagoga também lembra a forma como o CMM lidou com a questão junto aos estudantes e seus familiares. Em reunião de pais realizada com o diretor do colégio, coronel Fernando Cunha de Almeida, P. lembra que ele “não nos deixava falar e nos cortava o tempo todo”.

“Nós fomos em peso e gravamos porque não aguentávamos mais mandar e-mail, ligar , marcar reuniões e falarem na nossa cara que ninguém reclamou, que era a primeira vez… e jogavam toda a responsabilidade nos alunos e nas famílias”, diz P.

“Nós enviamos a pauta ao Ministério Público, mas o nome das 23 mães está em segredo de Justiça”, diz P., lembrando que a denúncia do MP foi declarada investigação civil, “e todos os envolvidos foram transferidos – não sei para onde”.

Enfrentamento gerou consequências traumáticas

Por conta desse posicionamento, P. afirma que ela e seus filhos começaram a ser alvo de perseguição e bullying. “Fizeram uma reunião com os pais que queriam aulas todos os dias. Tenho áudio falando que eles não estavam podendo aumentar a quantidade de aulas, e inclusive tiveram que tirar aulas porque eu entrei no MP contra eles. Jogaram esses pais contra mim”.

O advogado Joaquim Vital confirma o impacto no psicológico das crianças. “Os filhos da minha cliente começaram a ter problemas psicológicos: a filha menor passava mal na marcha, com o excesso de rigor”.

“Como P. começou a buscar respostas e a brigar com o CMM, ela começou a ficar mal falada (…)”, diz o advogado. “Ela procurou a gente pois isso começou a afetar os filhos”.

P. lembra que sua filha, então com 12 anos, foi vítima de “bullying sistemático” dentro do CMM. “Hoje ela tem 13 anos, e está em terapia EMDR (forma de terapia para reduzir sintomas decorrentes de eventos traumáticos). Meus filhos estão nessa terapia (…) Tirei eles do CMM no ano passado. Eles estão em colégio particular, tem apoio de psicólogo, psicopedagoga, estudam em casa, tem prazo para entrega das atividades, tem apoio”.

O custo de cada sessão EMDR varia de R$ 300 a R$ 400, e P. diz que tem arcado com todas as despesas relacionadas ao tratamento. “Praticamente gastei tudo o que tinha em tratamento com eles, e o Colégio Militar lavou as mãos”.

O que diz o Colégio Militar de Manaus

O Colégio Militar de Manaus afirma que a educação no Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) é realizada de acordo com a legislação federal e obedece às normas vigentes no Exército Brasileiro.

Segundo a assessoria de comunicação do CMM, a proposta pedagógica vigente na instituição está fundamentada nas diretrizes da Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial (DEPA), “órgão de coordenação e orientação técnica para a condução das atividades de ensino-aprendizagem realizadas nos 14 Colégios Militares (CM)”.

Com relação ao ensino letivo em 2021, o CMM afirma que o período foi marcado uma série de adequações que repercutiram no rendimento acadêmico.

“Em Manaus, por exemplo, muitos colégios permaneceram fechados, sendo que os efeitos adversos relatados na presente denúncia também foram sentidos pelo corpo docente e administrativo do CMM”, diz a instituição, em nota enviada ao Jornal GGN.

“A presente reclamação refere-se ao difícil período supracitado, em que a continuidade da pandemia gerou imensos desafios à educação, não somente ao Colégio Militar de Manaus”, diz a assessoria.

“Ainda assim, foi possível concluir essa fase com baixo índice de fracasso escolar e com resultados expressivos nos concursos e vestibulares, inclusive, com alunos recebendo diversas premiações nas olimpíadas de conhecimentos e a obtenção do prêmio de referência nacional na área da educação a distância”, diz o CMM.

No caso da denúncia, o CMM afirma que a reclamação em questão já foi apreciada pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, “em sede de procedimento extrajudicial (Notícia de fato), tendo ambas apurações resultado em arquivamento por não haver demonstrado quaisquer eventuais excessos, falhas ou omissões por esta instituição educacional”.

Segundo o colégio, recentemente uma demanda de responsabilidade civil de teor semelhante foi considerada improcedente pela Justiça Federal. O CMM, inclusive, cita parte da sentença:

“Como cediço, os colégios militares são integrantes do Sistema de Ensino do Exército (art. 07º da Lei nº 9.786/99) e instituições seculares da vida social brasileira. Por essa razão, possuem peculiaridades que os diferenciam dos estabelecimentos oficiais de ensino e os qualificam como instituições educacionais sui generis por razões éticas, fiscais, legais e institucionais”, diz a decisão judicial.

“Conforme redação expressa de lei, os colégios militares mantêm regime disciplinar de natureza educativa compatível com a sua atividade preparatória para a carreira militar, (art. 07º, §2º, da Lei nº 9.786/99). Sobre o tema, destaca-se que o Sistema de Ensino do Exército valoriza a preservação das tradições nacionais e militares e assimilação e prática dos deveres, dos valores e das virtudes militares (art. 04º, incisos II e IV, respectivamente)”.

“Portanto, não há como prevalecer a tese autoral de que as funções pedagógicas do CMM estão dissociadas de valores militares. Assim, as questões relacionadas ao rigor, meritocracia, uso de fardamento, tempo de exercícios, conteúdo e avaliação acadêmica são inerentes ao âmbito de ensino militar, sendo perfeitamente previsíveis, em se tratando desse tipo de unidade educacional.”

“Nesse sentido, matricular no Colégio Militar constitui-se em uma escolha familiar, sendo, portanto, facultativo cursar a educação básica no SCMB”, finaliza o CMM.

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

2 Comentários

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  1. Sou ex-aluno desta Instituição. De 1983-1989. E uma coisa me foi dita no primeiro dia de aula.
    Não gostou… Pede para sair.
    Ninguem é obrigado a ficar.
    É uma escola para os fortes de caráter. Não tem espaço para fragilidades.

  2. Tenho uma filha que estuda em colégio militar. É um alento e uma satisfação poder proporcionar a ela um estudo de altíssima qualidade, onde são ensinados valores como respeito, disciplina e hierarquia. Lá se aprende a respeitar pai e mãe, professores e colegas. Lá ninguém faz pichações nas paredes ou escreve palavras obscenas em suas carteiras e nas portas de banheiros. Lá, se não estudar, não passará de ano. Lá os alunos saem em condições de enfrentar os certames das diversas universidades e faculdades do país. Quer estudar em escola militar e não quer marchar ou treinar para formaturas?! Achou que as crianças passariam suas manhãs ou tardes na escola jogando no celular? A questão é muito simples: se não consegue se adequar as regras e acha que não está bom, matricule seus filhos em outra escola. A educação dos colégios militares, que é sim de excelência, está alicerçada em regras, rotinas e valores dos quais não se pode abrir mão sob pena de tornar o Colégio Militar uma escola comum e desfigurada, como as que vemos no ensino público em geral, onde o ensino é ruim e professores são desrespeitados e até agredidos. E qual o problema de se copiar questões de cursos pré-vestibulares? Não serão essas questões que eles terão de superar ao fazer o vestibular? Repito, está ruim, fique a vontade para procurar outra escola. Abra vaga para quem está disposto a se enquadrar e estudar. Muito mimimi….

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