Denúncia de violações de direitos humanos por mineradoras na pandemia é aceita pela CIDH, por Maurício Angelo

O governo brasileiro foi notificado e tem 90 dias, até o fim de julho, para se manifestar. Se o Estado não se pronunciar, será enviada uma nova notificação que, caso seja novamente ignorada, poderá levar a Comissão a seguir adiante com a denúncia e as investigações.

do Observatório da Mineração

Denúncia de violações de direitos humanos por mineradoras na pandemia é aceita pela CIDH

por Maurício Angelo

Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aceitou a denúncia de entidades sindicais sobre as aglomerações de trabalhadores e as violações de direitos durante a pandemia nas operações de mineradoras brasileiras.

O governo brasileiro foi notificado e tem 90 dias, até o fim de julho, para se manifestar. Se o Estado não se pronunciar, será enviada uma nova notificação que, caso seja novamente ignorada, poderá levar a Comissão a seguir adiante com a denúncia e as investigações. Inicialmente, porém, a CIDH busca uma “solução amigável”.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, eu mostrei sistematicamente no Observatório as implicações drásticas do fato de que as mineradoras não pararam as suas atividades, contaram com o apoio do governo federal – após as primeiras denúncias – para tornar a mineração atividade essencial e submeteram os trabalhadores a condições precárias que, desde então, só vem piorando.

Funcionários da Vale morreram com Covid no Pará e as aglomerações são constantes. A CSN, em Congonhas (MG), se negou mesmo a negociar melhores condições. Em abril de 2020 eu perguntei às maiores mineradoras do Brasil o que estavam fazendo para proteger os seus funcionários e evitar a contaminação. Metade ficou em silêncio.

As matérias feitas pelo Observatório da Mineração foram citadas na denúncia enviada para a CIDH.

Em Itabira (MG), berço da Vale, minas chegaram a ser paralisadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), decisão revertida logo depois. A Nexa Resources, do Grupo Votorantim, escondeu casos de coronavírus entre os seus funcionários no Mato Grosso. Os casos se repetem país afora.

O último dado disponível, de 2018, mostra que as mineradoras brasileiras empregam formalmente 212 mil funcionários diretos. Mas, como a terceirização no setor é ampla e irrestrita, o número real é muito maior.

“A mineração feita de modo descontrolado e ilimitado durante a pandemia está contribuindo para aumentar a contaminação de trabalhadores e das comunidades onde atuam”, afirma Maximiliano Garcez, advogado que apresentou a denúncia à CIDH.

Os fatos desmontam o argumento de que a mineração fornece insumos imprescindíveis para o setor hospitalar e de medicamentos. Na verdade, a contribuição dos minérios destinados a esses setores representa míseros 0,01% a 0,51% do total extraído, afirma a denúncia, o que pode ser perfeitamente suprido pelos estoques já disponíveis.

Vale registra lucro recorde e distribui R$ 18,7 bilhões aos acionistas

Mantidas como essenciais pelo governo Bolsonaro e submetendo os trabalhadores a condições terríveis, as principais mineradoras registraram lucro recorde em 2020, incentivadas pelo boom das commodities – o preço da tonelada do minério de ferro alcançou quase US$ 200, recorde histórico – e a desvalorização do real.

O caso mais escandaloso é o da Vale, que registrou lucro superior a R$ 30 bilhões somente nos 3 primeiros meses de 2021, ápice da pandemia no Brasil. O resultado é 2220% – dois mil duzentos e vinte por cento – maior que o mesmo período do ano passado.

Com cada ação cotada a R$ 110, a Vale é a empresa mais valiosa da bolsa brasileiracom R$ 580 bilhões, o dobro da Petrobras, segunda colocada. A Vale também ocupa o posto de empresa mais valiosa da América Latina.

O dinheiro farto e a produção incessante fez com que, em 2020, a Vale fosse a empresa que mais distribui dividendos aos acionistas, repassando mais de R$18,7 bilhões, número bem acima da média do mercado.

No total, mais de 408 mil brasileiros morreram por Covid-19 até o momento e 14,8 milhões de pessoas foram infectadas.

Enquanto os executivos e acionistas embolsam bilhões, em Parauapebas, no Pará, centro do maior projeto de extração de minério de ferro do mundo, trabalhadores da Vale morrem e são contaminados por Covid. Ainda em maio de 2020 a cidade já vivia um colapso na saúde.

“Bati de frente com a Vale, uma discussão acirrada, inclusive com o infectologista deles, mostrando a realidade. Só vão abrir os olhos quando isso aqui virar uma calamidade pública essa cidade. Ela é propícia demais para uma contaminação”, disse em áudio na época o diretor do hospital local Santa Terezinha.

Hoje, estima-se que os trabalhadores ocupados no setor de mineração respondam por cerca de 44% dos 47,7 mil casos confirmados em Parauapebas. 366 pessoas morreram. Isso em uma cidade de 200 mil habitantes, com um dos mais altos índices de contaminação do Brasil.

Outras mineradoras também vêm lucrando com a pandemia. A CSN Mineração, que abriu capital em fevereiro, reportou lucro líquido de R$ 2,363 bilhões no primeiro trimestre de 2021, superando em quase seis vezes o desempenho apresentado um ano antes. O lucro da Gerdau subiu 939% no quarto trimestre.

No geral, as mineradoras faturaram em 2020 36% a mais que no ano anterior, com R$ 209 bilhões.

Ao contrário do Brasil, países como Mongólia, África Do Sul, Burkina Faso, Gana, Chile, Peru, México e Panamá determinaram a suspensão da atividade mineradora por conta da pandemia.

Entidades pedem medidas urgentes

A denúncia foi formalizada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ainda em maio de 2020 por entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e outros.

As entidades expressam sua preocupação pela insalubridade do setor e como a classificação indevida das atividades essenciais por parte do Governo Federal atentam contra a vida, dignidade, saúde e trabalho seguro por parte das pessoas que trabalham na mineração.

O pedido é para que a Comissão recomende ao governo brasileiro a fiscalização do cumprimento de todas as medidas determinadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) pelas empresas, e que seja aplicada multa em caso de descumprimento dessas medidas.

A denúncia exige ainda transparência no número de trabalhadores infectados; a criação de um órgão técnico para auxiliar na identificação de necessidades urgentes que exijam a continuidade de atividades de mineração, revogando a mineração como atividade essencial; a manutenção de empregos e salários dos trabalhadores cujas atividades sejam suspensas por causa do risco de contaminação; e que sejam garantidas condições de trabalho adequadas de distanciamento social e de proteção contra a contaminação para os serviços de mineração que forem considerados essenciais.

A denúncia também pede que a CIDH declare que, nesse caso, o Estado Brasileiro violou os artigos 1.1, 4.1, 5.1, 11.1 e 27.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos; os artigos I, XI e V da Declaração Americana; e os artigos 7, 7-e, e 10 do Protocolo de São Salvador.

Maurício Angelo – Jornalista investigativo especializado em mineração, Amazônia, Cerrado, Direitos Humanos e crise climática. Fundador do Observatório da Mineração. Como freelancer, publica matérias na Mongabay e na Thomson Reuters Foundation. Já publicou na Repórter Brasil, Intercept Brasil, Pulitzer Center, Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), Unearthed, Folha de S. Paulo, UOL, Investimentos e Direitos na Amazônia e outros. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019).

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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