Novos problemas sobre como vender, permutar ou arrendar o Rio de Janeiro
por Sebastião Nunes
Otávio Ramos, sempre ponderado, desviou o rumo da discussão, projetando a venda do Pão de Açúcar para a França:
– Imaginemos que a França decida pela compra. O problema será o seguinte: Onde, em Paris, colocar o novo e atrativo monumento?
– Em cima da Torre Eiffel? – Opinou galhofando Adão Ventura.
– Não seja bobo – zombou Manoel Lobato, incapaz de entender piadas. – Botar um monte enorme naquela ponta fininha da torre? Nem sonhando!
– Talvez em cima do Arco do Triunfo – voltou a galhofar Adão.
– Por que em cima, e não ao lado de alguma coisa? – entrou na conversa Luís Gonzaga Vieira, gastando o parco francês. – Pode perfeitamente ser colocado no Champ de Mars, compartilhando os turistas com a Torre.
– Chega de brincadeira – irritou-se Sérgio Sant’Anna, que, carioca da gema, se considerava guardião das belezas do Rio. – Comprar não dá o direito de levar. Nenhum comprador, permutador ou arrendador pode levar coisa alguma.
– Ah, não?
Sancho Pança, sentado numa nuvem, concluiu que a discussão precisava de apoio logístico, de modo que serviu uma rodada, extraída de seu embornal e a gosto do freguês. Sérgio preferiu maconha; Adão, cachaça; Otávio, ayahuasca; Lobato, uma pedra pequena de crack; Jimi Hendrix e Janis Joplin, heroína diluída em uísque; Vieira, cerveja; Sancho, parceiro em tudo e em nada, aplicou-se uma seringa graúda de cocaína dissolvida em mel de assa-peixe.
DEPOIS DE BREVE PAUSA
Séculos rolaram silentes e curiosos sobre as cabeças delirantes de meus grandes e inesquecíveis amigos mortos.
– Não – retornou Sérgio, centenas de anos depois. – Suponhamos que os Estados Unidos, sempre nadando em dólares, resolvam pagar pelo Pão de Açúcar, com bondinho e tudo. Se pudessem levar, botariam ele num parque nacional e fariam bilhões atraindo turistas locais e internacionais. Como não dá pra levar, têm de explorar no Rio mesmo. Como?, eis a questão.
(Pausa para lembrar que o genocida quadrúpede Bolsonaro, pendurado pelo rabo de cabeça para baixo, continuava a sacudir as orelhas e a mascar tufos de capim. Não apreciando drogas, nada lhe foi ofertado pelo bondoso escudeiro, que nunca negava nada, nem ao mais perverso dos criminosos.)
– Pra começar, era só deixar como está e exigir visto de entrada dos visitantes – opinou Otávio, sempre disposto a opinar.
– De publicidade entendem eles mais do que sós – sentenciou Adão, o expert da turma. – Eles saberão o quê e como vender. Nosso problema é outro: o que vão levar no pacote, a indispensável contrapartida?
– Melhor vender para o Japão – aventurou-se Vieira. – Os Estados Unidos nunca vão engolir uma contrapartida.
– O Japão detesta montanhas, com todos aqueles terremotos – chutou Lobato, que do Japão sabia apenas que as mulheres tinham a perereca na vertical. Ou pensava saber, desde que lhe venderam a piada como verdade. – Melhor ofertar aos ingleses.
RETORNANDO AOS TRILHOS
Cabeça a ponto de estourar de raiva, Sérgio pediu outro baseado – “triplo, por favor” –, tentando aparentar calma.
– Meus queridos, sábios e venerandos amigos – disse ele, da maneira mais suave que foi capaz. – O que vão fazer é problema deles, dos compradores. Nosso problema é só vender, permutar ou arrendar, por no mínimo 500 anos. Estamos entendidos?
Ninguém disse nada, de modo que Sérgio admitiu que sim, estavam entendidos.
– Já que estamos entendidos, vamos anunciar o Pão de Açúcar nas mídias sociais da forma mais ampla possível. Não precisamos por enquanto informar a contrapartida. Ela será escolhida de acordo com a cara do freguês.
– Acho melhor decidir logo a coisa ruim – discordou Otávio. – Proponho incluir no pacote do Pão de Açúcar algumas figuras que estão na moda, pra facilitar o negócio e aproveitar o momento. Que tal o doutor Jairinho + Flordelis + Rogério Caboclo? São três canalhas respeitáveis. Acho que ficar livre deles vale bem a venda do…
– Ah, não vamos começar de novo – contestou Sérgio. – Tá muito modesta essa contrapartida de merda. Assim o Pão de Açúcar vai sair a preço de banana. Melhor, como já ficou decidido, deixar pra depois.
– Também discordo – aparteou o carioca honorário Vieira. – Vamos fechar o pacote. Mas a preço de banana, não. Nesse ponto tô com o Sérgio. Que tal oferecer em contrapartida todos os governadores vivos do Rio, soltos, processados ou presos?
– Calma, meus amigos, calma – implorou Sérgio. E virando-se para Sancho, fez o pedido que sempre agradava aos amigos:
– Abre esse embornal, amigo Pança. Vamos delirar mais um pouco.
(No próximo capítulo: delirando mais um pouco.)
Sebastião Nunes é um escritor, editor, artista gráfico e poeta brasileiro.
Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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Há um problema de verossimilhança: qualquer reunião para vender o Rio necessariamente teria que ocorrer no apartamento do Leblon do “Doutor Aécio”, vulgo Mineirinho.