Refugiados e Solidariedade Seletiva, por Nadejda Marques

As normativas e instituições para imigrantes e refugiados de hoje ainda carregam as ideologias da época da Guerra Fria.

Agência Xinhua

Refugiados e Solidariedade Seletiva

por Nadejda Marques

Na sexta-feira passada, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) divulgou que no dia 23 de maio suspenderá o uso da política Title 42, medida instalada durante a administração Trump que determina a expulsão ou suspensão de pedidos de asilo de milhares de imigrantes usando como justificativa preocupação com a saúde pública durante a pandemia da COVID-19. Mesmo com todas as medidas de prevenção da COVID-9 suspensas por todo o país, a administração Biden defendia a prorrogação da política abrindo exceção somente para crianças desacompanhadas. Foi assim que, em fevereiro, a administração Biden deportou cerca de 20.000 imigrantes haitianos em meio a escândalos de tratamento abusivo e racista por parte das autoridades de fronteira.

No entanto, nas últimas semanas um crescente número de refugiados ucranianos têm chegado ao solo americano. Muitos chegam no México em voos de Paris e se apresentam na fronteira como milhares de latinoamericanos. Os refugiados ucranianos têm seus pedidos de asilo processados em horas ou no máximo alguns dias, enquanto os latinoamericanos esperam pela sua vez por vários dias e até meses. Ou seja, a administração Biden se vê forçada a abandonar a política migratória do Title 42 porque não poderia justificar a hipocrisia do tratamento diferenciado aos refugiados ucranianos enquanto dezenas de milhares de pessoas sofrem na fronteira do México vindos da América Latina e enfrentando a mesma brutalidade de sempre. Dito de outra forma, se a medida for de fato suspensa, não será por vitória do direito, mas sim para servir ao propósito de propaganda que, em tempos de guerra, celebra a suposta superioridade moral americana.

Mas, os Estados Unidos não são os únicos a dar tratamento diferenciado a alguns refugiados. Em março, a Comissão Europeia anunciou uma Diretiva Temporária de Proteção aos Refugiados que permite aos refugiados ucranianos de um a três anos de residência em um país europeu além de permitir também acesso ao mercado de trabalho e serviços educacionais. Essa nova diretiva é muito diferente do tratamento dado aos refugiados da Síria e do Norte da África que chegam desde o ano de 2015, muitos dos quais ainda aguardam a aprovação dos seus pedidos de asilo em campos ou áreas segregadas de acesso restrito sob vigilância constante e baixo uma áurea de indocumentados.

As normativas e instituições para imigrantes e refugiados de hoje ainda carregam as ideologias da época da Guerra Fria. São normas que foram desenhadas para um grupo idealizado preferencialmente composto por brancos e cristãos e que estariam escapando à opressão do bloco socialista. Após a queda do muro de Berlim, os refugiados perdem a importância política/ideológica que tinham e cada país passa a exercer seu poder de deferir ou indeferir acesso e pedidos de asilo conforme seus interesses. Assim, as políticas migratórias que prevalecem são formas de restringir o movimento das pessoas e não expressões de solidariedade internacional. Triste viver em um mundo onde refugiados são tratados de forma desigual como se alguns fossem melhores que outros. Não tarda e veremos como a solidariedade seletiva corrompe a humanidade e fere mais do que faz bem.

Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.

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Redação

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