Governo quer limitar gastos com defensoria pública e negar direitos fundamentais

Jornal GGN – Em artigo para o Justificando, a advogada Isabella Faustino Alves fala sobre as propostas do governo interino de contingenciar gastos com defensoria pública, fechando unidades e exonerando defensores. Para ela, a medida faz parte de um plano de governo que nega direitos à população, especialmente a de baixa renda.

Ela concentra a crítica principalmente no Projeto de Lei 257/16, que estabelece medidas de reequilíbrio fiscal e prevê um percentual máximo de 0,7% para os gastos dos Estados da Federação com pessoal de Defensoria Pública. Em sua opinião, a proposta é inconstitucional, pois afeta drasticamente o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita.

“Na prática, isso significa negar direitos a crianças de baixa renda que dependem de pensão alimentícia; às crianças e adolescentes em situação de risco, de maneira geral; aos adolescentes privados da liberdade ou em conflito com a lei; a idosos em situação de vulnerabilidade; a mulheres em situação de violência doméstica; a consumidores que sofrem lesões diversas, diariamente, em todo o Brasil; às pessoas encarceradas; a todos aqueles que necessitam de medicamentos e tratamentos/ assistência médica em geral e que, não raro, tem essa necessidade negada ou retardada pelo Poder Público, necessitando recorrer ao Poder Judiciário; àqueles que esperam a concretização do direito à moradia, no campo e nas cidades; a todos aqueles que sofrem com as mais diversas violações de direitos humanos e a todos aqueles que não tem condições de contratar um advogado para acessar o Poder Judiciário, sem prejuízo de seu sustento e de sua família”.

https://www.youtube.com/watch?v=0NCvDg6E3JQ width:700 height:394

Do Justificando

A quem interessa negar direitos ao povo?

Por Isabella Faustino Alves

Há muito, já cantava o grande compositor brasileiro, Adoniram Barbosa: “Quando o oficial de justiça chegou lá na favela / E contra seu desejo entregou pra seu Narciso / Um aviso pra uma ordem de despejo /Assinada seu doutor, assim dizia a petição / Dentro de dez dias quero a favela vazia / E os barracos todos no chão / É uma ordem superior / Não tem nada não, seu doutor / Vou sair daqui pra não ouvir o ronco do trator /Pra mim não tem problema / Em qualquer canto me arrumo / de qualquer jeito me ajeito /Depois o que eu tenho é tão pouco / minha mudança é tão pequena que cabe no bolso de trás / Mas essa gente aí, hein, como é que faz?”

Atualmente, no Brasil, a grande maioria das demandas coletivas relativas a moradia, despejos  e conflitos habitacionais urbanos conta com a atuação da Defensoria Pública, na assistência de pessoas em situação de hipossuficiência econômica e hipervulnerabilidade social, como é o caso de todos os brasileiros que ainda não tiveram efetivado o direito fundamental à moradia. Essa é uma relevante atuação da Defensoria Pública na tutela de direitos fundamentais, a exemplo de diversas outras.

Segundo dispõe a Constituição, incumbe à Defensoria Pública, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, com vistas a efetivar o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita. No entanto, a Defensoria Pública, função essencial à justiça e instituição primordial para a Democracia, com a qual conta diariamente a maior parte dos brasileiros e brasileiros, hoje se encontra sob grave risco.

O Projeto de Lei 257 16, que estabelece Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal, prevê, no que diz respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, a imposição do percentual de até 0,7% da Receita Corrente Líquida do Estado para gastos com pessoal das Defensorias Públicas dos Estados, o que, se aprovado, importará no fechamento de parte significativa das unidades da Defensoria Pública do país e, ainda, na exoneração maciça de Defensores Públicos e servidores da instituição, em quase todos os Estados da Federação.

O que significa fechar unidades da Defensoria Pública e exonerar Defensores Públicos? Na prática, isso significa negar direitos a crianças de baixa renda que dependem de pensão alimentícia; às crianças e adolescentes em situação de risco, de maneira geral; aos adolescentes privados da liberdade ou em conflito com a lei; a idosos em situação de vulnerabilidade; a mulheres em situação de violência doméstica; a consumidores que sofrem lesões diversas, diariamente, em todo o Brasil; às pessoas encarceradas; a todos aqueles que necessitam de medicamentos e tratamentos/ assistência médica em geral e que, não raro, tem essa necessidade negada ou retardada pelo Poder Público, necessitando recorrer ao Poder Judiciário; àqueles que esperam a concretização do direito à moradia, no campo e nas cidades; a todos aqueles que sofrem com as mais diversas violações de direitos humanos e a todos aqueles que não tem condições de contratar um advogado para acessar o Poder Judiciário, sem prejuízo de seu sustento e de sua família.

Hoje não há um patamar previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal com relação à Defensoria Pública, estando vinculada, ainda – e a despeito de se tratar de instituição autônoma – ao orçamento do Poder Executivo. No entanto, o patamar previsto no aludido Projeto de Lei é absolutamente insuficiente às finalidades a que se presta a instituição, destacando-se que a maior parte das Defensorias Públicas dos Estados tem gastos com pessoal em percentual superior ao previsto nesse Projeto, razão pela qual uma futura adequação resultaria na necessidade de exonerar membros, servidores e fechar unidades, um abominável retrocesso social e negação de direitos, sobretudo aos pobres, marginalizados e oprimidos de nossa sociedade.

Além de violar a Constituição Federal em diversos aspectos – sobretudo ao afetar drasticamente o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, cuja prestação incumbe à Defensoria Publica, e de legislar em sentido contrário ao dispositivo constitucional que prevê a obrigatoriedade de todas as unidades jurisdicionais brasileiras contarem com Defensores(as) Públicos(as) – , o aludido projeto de lei negligencia o fato de que obstar o funcionamento das instituições cuja missão consiste na efetivação de direitos fundamentais e em demandar pela efetivação de outros direitos de igual fundamentalidade é negar a própria razão de ser do Estado.

Com efeito, o Estado, enquanto instituição, só existe em razão de os indivíduos terem aberto mão de certa parcela de sua liberdade (o que permite ao Estado interferir diretamente em suas vidas, em diversos aspectos) em troca de que esse ente efetive direitos fundamentais, dos quais se reconhece como devedor, sobretudo, a partir de sua Constituição. Assim, atuar o Estado com vistas a embaraçar a efetivação de direitos, notadamente direitos já conquistados, importa em agir contra sua própria finalidade, a resultar em intolerável contrassenso. A partir dessa constatação elementar, é notório que se utilizar de crise econômica como justificativa para retrocessos sociais, mormente na seara dos direitos já garantidos (a duras penas) é negar sua própria finalidade, e pretender se utilizar de um direito CONTRA seu respectivo titular.

Contra esse Projeto de Lei, verdadeira transgressão ética das finalidades do Estado, impossível não lembrar a lição de Paulo Freire, que, em sua Pedagogia da Autonomia, nos legou o sempre oportuno registro: “Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência, da indignação, da ‘justa ira’ dos traídos e dos enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas.”

Isabella Faustino Alves é Defensora Pública. Coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Tocantins. Conselheira Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Estado do Tocantins). Especialista em Direito Constitucional e Direito do Estado. Integra o Coletivo Defensores Públicos pela Democracia.

Redação

5 Comentários

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  1. É ruim mesmo, mas a velha

    É ruim mesmo, mas a velha história de pensão alimentícia não sai da cabeça das pessoas. O assunto é muito amior que isto.

    1. Eu li inumeros direitos que

      Eu li inumeros direitos que serão prejudicados, entre os quais a prestação de pensão alimenticia.

      Vamos  alguns direitos que correm o risco de serem prejudicados elencados pela Defensora: “Na prática, isso significa negar direitos a crianças de baixa renda que dependem de pensão alimentícia; às crianças e adolescentes em situação de risco, de maneira geral; aos adolescentes privados da liberdade ou em conflito com a lei; a idosos em situação de vulnerabilidade; a mulheres em situação de violência doméstica; a consumidores que sofrem lesões diversas, diariamente, em todo o Brasil; às pessoas encarceradas; a todos aqueles que necessitam de medicamentos e tratamentos/ assistência médica em geral e que, não raro, tem essa necessidade negada ou retardada pelo Poder Público, necessitando recorrer ao Poder Judiciário; àqueles que esperam a concretização do direito à moradia, no campo e nas cidades; a todos aqueles que sofrem com as mais diversas violações de direitos humanos e a todos aqueles que não tem condições de contratar um advogado para acessar o Poder Judiciário, sem prejuízo de seu sustento e de sua família.”

  2. Enquanto isso, juízes e procuradores…

    “Defensoria Pública pra que? Essa corja melequenta ainda quer cometer crime e ser defendida pelos nossos impostos?”

    Entreouvido num convescote de juízes e promotores…

    Ficção à parte, quem duvida que nossas zelites imbecilóides apresentem argumentos como esse?

  3. Nova Sinecura

    Informem-se e vcs perceberão que por trás dessa retórica da pensão há em verdade uma vontade enorme de se criar mais um órgão a estilo do Ministério Público, com orçamento próprio, autonomia, enfim, uma verdadeira sinecura para os seus membros, o que está quase pronto.

    Todo os países do mundo vivem sem defensoria.

    Advogados podem muito bem fazer esse trabalho social e de forma mais barata, basta aumentarem os honorários da assistência judiciária gratuita. Hà milhões de advogados sem trabalho no Brasil.

    Não precisamos dessa gente, é ilusão pensar que eles podem ajudar algo!

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