‘Não estavam armados porra nenhuma’: homenagem de Tarcísio a Erasmo Dias é auto-homenagem

“Em memória do coronel Antonio Erasmo Dias, o pavor da juventude paulista na década de 1970”.

Tarcísio de Freitas (Foto: Isadora de Leão Moreira/ Governo do Estado de São Paulo).

do Come Ananás

‘Não estavam armados porra nenhuma’: homenagem de Tarcísio a Erasmo Dias é auto-homenagem

por Hugo Souza

Sete anos após o capitão Jair Bolsonaro usar o microfone da Câmara para dedicar seu voto pelo impeachment de Dilma ao torturador de Dilma – “pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff” -, o capitão Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro, usa agora a caneta do governo de São Paulo para dedicar um entroncamento de rodovias no interior do estado à memória de outro feroz agente da ditadura, o coronel Antonio Erasmo Dias, o pavor da juventude paulista na década de 1970.

relatório final da Comissão Estadual da Verdade Dom Helder Câmara, de Pernambuco, dá uma amostra de como Erasmo Dias perseguiu a juventude paulista na década de 1970 para além do episódio mais notório da invasão da PUC:

O secretário de Segurança de Pública de São Paulo, coronel Antonio Erasmo Dias, se reunia semanalmente em uma sala do DOPS com líderes estudantis acompanhados de seus genitores e proferia discursos de prevenção contra o inimigo, como ressaltava, sempre “à espreita”. A Carta Mensal nº 3, de setembro de 1974, contém uma dessas explanações transmitindo aos pais de estudantes mensagem “para que conheçam a técnica subversiva da ideologia fantasiosa comunista que procura lançar a juventude repleta de pujança, na senda do terrorismo, do crime, da masmorra ou da cova!” O documento foi repassado a todas as unidades do DOPS do país e o discurso de quase quatro páginas assim conclui:

“Não fazemos isto tudo com o coração tranquilo, pois isto nos entristece, porém, o fazemos por obrigação, como um alerta, como o brado de um pai que não gostaria que seus filhos, por má obrigação, tivessem o destino inglório de uma cova rasa, de uma masmorra ou de um desterro, a troco de uma ideologia utópica que até hoje não se provou compatível com a alma brasileira!”.

Apresenta suas escusas aos pais pelo tempo “perdido” e reitera a certeza de ter alcançado “algumas consciências amortecidas, como se alguma alma se salvasse das profundezas do Inferno”. A masmorra, a tortura e a cova rasa continuaram sendo os destinos dos que teimaram em fazer oposição ao regime.

Masmorra ou cova? Foi cova para os três jovens trucidados pela guarnição 66 da Rota no bairro dos Jardins, em São Paulo, no dia 23 de abril de 1975 – a famoso caso Rota 66. Quase 30 anos depois, em julho de 2004, Erasmo Dias contou a um repórter que ele em pessoa coordenou a fraude na investigação do caso mediante maconha “enrustida” pelos policiais e a simulação de um tiroteio entre os jovens e a sua polícia:

“Eles não estavam armados porra nenhuma”.

Diz a reportagem “Vontade de matar”, do Estadão:

“Não foi uma nem duas vezes… Às vezes, chegava assim e o cara estava morto sem ninguém vendo – só Deus sabe – e eu chegava assim e via o revólver e tic, tic, tic”. O ex-secretário demonstrou em seu gabinete como fazia para simular que “bandido” atirava até descarregar sua arma. “Cansei de ver no começo: polícia deu cinco tiros e o bandido um só. É excesso de zelo! Economia. Eu fazia, quando eu ia [aos locais de crimes]. A primeira coisa que eu fazia era isso [descarregar a arma do suspeito morto]. Quando eu não estava lá eu não recomendava que o cara [o policial] fizesse isso, pois o cara põe a mão nisso, ele vai ser indiciado; eu não vou ser indiciado”.

Covarde, Erasmo Dias pediu – e a reportagem atendeu – que a confissão só fosse publicada depois da sua morte, que veio finalmente em 2010. Cínico, Tarcísio justificou a promulgação da homenagem a Erasmo Dias dizendo que contra o coronel não pesa nenhuma condenação.

A julgar pelos 28 cadáveres produzidos pela polícia de Tarcísio na Baixada Santista em um intervalo de 40 dias, com Tarcísio dizendo-se “muito satisfeito” em meio a denúncias de execuções, a julgar por tudo isso, dizíamos, a homenagem de Tarcísio de Freitas a Erasmo “tic, tic, tic” Dias é uma auto-homenagem.

Hugo Souza é jornalista

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Hugo Souza

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