Desmonte da Comissão sobre Mortos Políticos por Bolsonaro prejudica retomada dos trabalhos e pode comprometer justiça

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Há urgência na volta da Comissão, já que a busca pelos restos mortais das vítimas da ditadura é prejudicada pelo tempo

Foto: Reprodução/ebc.com.br

O Instituto Vladimir Herzog publicou, nesta quarta-feira (26), a análise de um relatório da Comissão Nacional da Verdade publicado em dezembro de 2014, junto com a sua extinção. Segundo a identidade, das 29 recomendações feitas pelo órgão – então vinculado ao governo federal -, só duas foram cumpridas até hoje, quase 10 anos depois. 

Essas recomendações variam em tema e complexidade. Pelo menos 21 delas aguardam resposta do poder público, já que seis foram parcialmente cumpridas.  

As únicas duas recomendações estabelecidas até hoje são a revogação da Lei de Segurança Nacional e a criação da audiência de custódia, para prevenir casos de tortura e prisão ilegal.

Já propostas simples, como a proibição de comemorações do golpe de 1964, marco do governo Bolsonaro, não foram cumpridas.

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Inércia 

Uma das principais recomendações deixadas pela Comissão Nacional da Verdade em seu relatório final era a continuidade da busca pelos restos mortais de vítimas da ditadura, trabalho feito até então pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Político.

Entre a inércia e o negocismo, o governo de Jair Bolsonaro (PL) assinou o desmonte da Comissão Especial, que – como apontando no relatório de 2014 – tinha muito trabalho a fazer para garantir Justiça às famílias de vítimas da ditadura. 

A procuradora federal Eugênia Gonzaga, que encabeçou o órgão durante cinco anos – período em que os trabalhos avançaram – falou à Revista Piauí sobre a necessidade da Comissão Especial, que deve ser restabelecida, mas tem esbarrado nos trâmites jurídicos. 

Ao contrário do recomendado pela Comissão da Verdade, Gonzaga relatou que nos últimos quatro anos, “ficou tudo parado” na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Político. “A situação é praticamente a mesma de quando eu saí”, disse. 

Há uma urgência pela volta das atividades, já que a busca pelos restos mortais das vítimas é prejudicada pelo tempo, uma vez que material ósseo tende a se desgastar e isso dificulta novas análises de DNA. 

A situação preocupa principalmente os restos mortais de participantes da Guerrilha do Araguaia, que foram armazenados há anos no hospital da UnB, em Brasília. Algumas dessas ossadas foram encontradas por expedições em 1990 e até hoje não foram devidamente analisadas.

“Esses remanescentes ósseos, pelo que soubemos da última vez, estavam começando a esfarelar, não podiam ser manuseados de novo. E as condições de armazenamento não eram ideais. Eles tinham que ser mandados direto para o laboratório de análise”, explicou Gonzaga. 

A carência da análise desse material foi apontada por Eugênia Gonzaga em um outro relatório, de 2019, quando ela deixou a presidência da Comissão Especial. No documento, foi listado tudo o que Gonzaga fez à frente do órgão e tudo o que ainda precisava ser feito.

À época, a procuradora foi demitida por Bolsonaro em meio a um embate envolvendo declarações do então presidente contra o pai do ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que havia sido morto pela ditadura. 

Com isso, o colegiado passou a ser presidido por Marco Vinícius Pereira de Carvalho, que durante o período no cargo apenas negou requerimentos de pessoas que pediam o reconhecimento de seus familiares e engavetou os projetos de memoriais e novas escavações. Em dezembro passado, a Comissão Especial decidiu se autoextinguir. 

Busca pela Justiça 

Como apontado pela reportagem da Piauí, desde janeiro o governo Lula promete recriar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Político. Os conselheiros já foram escolhidos e Eugênia Gonzaga deve reassumir a presidência. Contudo, o decreto da volta do grupo ainda não teria sido publicado porque o governo quer garantir que não haja judicialização da medida. 

Gonzaga afirmou que, quando voltar, nem sabe por onde começar. “São tantas urgências que é difícil enumerar.” Mas, o primeiro ponto mencionado por ela é a conclusão da análise das ossadas encontradas no Cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, em São Paulo. Em 2018, neste local, foram identificadas as ossadas de dois militantes de esquerda que foram mortos por agentes da repressão em 1971.

Vale ressaltar que, mesmo na gestão Bolsonaro, a análise das ossadas de Perus foi um dos únicos trabalhos que avançou, por meio de decisões da Justiça e por causa de uma parceria com o ICMP (International Commission on Missing Persons), instituto sediado em Haia, na Holanda, e que é referência mundial na análise de ossadas.

Essas ossadas retiradas do cemitério foram distribuídas em 1.049 caixas e tem mobilizado os peritos do ICMP, que pretendem entregar novos resultados até junho.

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Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

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