A Parceria Transpacífica, por Bhagwati

Do Valor Econômico

A ameaça ao comércio transpacífico

Por Jagdish Bhagwati

Como se o solapamento das conversações mundiais da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC) não tivesse sido suficiente (a última reunião, realizada em Genebra, produziu, mal e mal, um resultado apenas passável, de raspão), os Estados Unidos potencializaram sua insensatez ao promover, vigorosamente, a Parceria Transpacífica (TPP, pelas iniciais em inglês). O presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou-a ao lado de nove países asiáticos durante sua recente viagem à região.

A TPP está sendo vendida nos Estados Unidos a uma mídia obediente e a uma opinião pública imbuída de confiança como evidência da liderança americana na área de comércio. Mas o contrário é que é verdadeiro, e é relevante que os que atribuem importância ao sistema de comércio mundial saibam o que está acontecendo. É de se esperar que esse conhecimento desencadeie o que eu denomino de “Efeito Drácula”: expor o que preferiria continuar escondido à luz do sol e que vai murchar e fenecer.

A TPP é uma prova da capacidade dos lobbies setoriais americanos, do Congresso e dos presidentes do país em confundir a política pública de governo. O entendimento predominante em amplos círculos atualmente é de que os acordos de livre comércio, sejam eles bilaterais ou multilaterais (entre mais de dois países, mas não entre todos) são erigidos sobre a base da discriminação. É por isso que os economistas normalmente os denominam acordos de comércio preferenciais. E é por isso que a máquina de relações públicas do governo dos Estados Unidos denomina “parceria” o que é, na verdade, um acordo de livre comércio multilateral discriminatório, invocando uma falsa aura de cooperação e espírito cosmopolita.

Os países são, em princípio, livres para ingressar na TPP. O Japão e o Canadá disseram que pretendem fazer isso. Mas um exame mais acurado revela que a China não faz parte dessa agenda. A TPP também é uma reação política à nova agressividade da China, assentada, portanto, sobre um espírito de enfrentamento e contenção, e não de cooperação.

Os Estados Unidos vêm consolidando um modelo para seus acordos de comércio preferencial que inclui vários itens não relacionados ao comércio. Diante disso, não surpreende que o modelo da TPP inclua várias agendas não ligadas ao comércio, como padrões trabalhistas e restrições ao uso de controles de contas de capital, muitos dos quais vedam o acesso da China.

De saída, o suposto caráter aberto da TPP foi inteiramente enganoso. Para isso, a TPP foi negociada com os países mais fracos, como Vietnã, Cingapura e Nova Zelândia, que foram facilmente ludibriados a aceitar essas condições. Só depois disso foi oferecida a filiação a países maiores como o Japão, na base do “pegar ou largar”.

A máquina de relações públicas engatou então a quinta marcha ao convocar a inclusão de condições tão irrelevantes como a de tornar a TPP um acordo de comércio “de alta qualidade” para o século XXI, quando, na verdade, era uma operação de espoliação articulada por vários lobbies domésticos.

O regionalismo americano mais próximo de casa mostra os Estados Unidos tentando agora promover o Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca). Mas seu modelo preferido foi expandir o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, entre Canadá, México e Estados Unidos) nos países andinos e nele incluir enormes doses de questões não relacionadas ao comércio, que eles engoliram. Isso não foi considerado aceitável pelo Brasil, a principal força por detrás da Alca, que se concentra exclusivamente em questões relativas ao comércio. O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, um dos grandes líderes sindicais mundiais, recusou a inclusão de padrões trabalhistas nos tratados e instituições de comércio exterior.

O resultado dos esforços dos Estados Unidos na América do Sul, portanto, foi cindir a região em dois blocos, e o mesmo tende a acontecer na Ásia. Desde que os Estados Unidos entenderam que tinham escolhido a região errada junto à qual adotar atitudes regionalistas, o país vem tentando conquistar um assento à mesa asiática. Os EUA finalmente o obtiveram com a TPP, simplesmente porque a China tinha se tornado agressiva na afirmação de seus direitos territoriais no Mar do Sul da China, e frente à Índia e ao Japão.

Muitos países asiáticos aderiram à TPP para “manter os EUA na região” em vista do jogo duro chinês. Eles abraçaram os EUA da mesma maneira pela qual os países do Leste Europeu se apressaram em aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e à União Europeia (UE) face à ameaça, real ou imaginária, representada pela Rússia pós-soviética.

O projeto americano para o comércio asiático é inspirado pela meta de conter a China e o modelo da TPP na prática a exclui, devido às condições não referentes ao comércio impostas pelos lobbies americanos. A única maneira pela qual uma fusão da China com a TPP poderia conquistar credibilidade seria tornar opcionais todas as cláusulas não ligadas ao comércio exterior. Naturalmente, os lobbies americanos não aceitariam isso. (Tradução de Rachel Warszawski)

Jagdish Bhagwati, professor da Universidade de Columbia e professor visitante sênior de Economia Internacional no Conselho de Relações Exteriores americano, é autor de “Termites in the Trading System: How Preferential Agreements undermine Free Trade” (“Fatores de Corrosão do Sistema de Comércio Exterior: Como os Acordos Preferenciais minam o Livre Comércio”, em tradução livre). Copyright: Project Syndicate, 2011.

Luis Nassif

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