Controles de capitais não funcionam

Márcio Garcia, no “Valor” de _06/07/2007

(…) Minha convicção sobre a ineficácia de controles seletivos de entrada de capitais no Brasil hoje está fundamentada em pesquisas sobre o período no qual foram instituídos controles de entrada de capital durante a década de 90. Naquela época, havia forte entrada de recursos que buscavam se aproveitar do elevado diferencial de juros. Durante a maior parte do primeiro mandato de FHC, após 1995, vigorou o regime de crawling peg, no qual a taxa de câmbio depreciava-se lentamente, à taxa anual de cerca de 7%. Dado o elevado diferencial de juros da época, os capitais de arbitragem entravam em nossa economia de forma maciça. O câmbio controlado tornava a arbitragem conhecida como carry-trade uma forma muito lucrativa de aproveitar os altos juros brasileiros. O carry-trade resume-se a tomar emprestado em uma moeda com juro baixo e aplicar em outra moeda com juro alto, ganhando o diferencial. O risco está em a moeda de juro alto depreciar-se frente à de juro baixo. Sob câmbio fixo, ou controlado, entretanto, tal risco é muito pequeno, desde que uma crise cambial não force o abandono do regime cambial.

O quadro do balanço de pagamentos da época era muito distinto do atual: havia déficit no balanço comercial e no balanço em transações correntes. As exportações eram cerca de 1/3 do valor previsto para 2007 (acima de US$ 150 bi). Ou seja, a entrada dos capitais de arbitragem, bem como os de longo prazo, representava o principal suporte da política cambial da época. Posteriormente, as crises que aumentaram a aversão ao risco internacional reverteram os fluxos de capitais e forçaram a desvalorização do real em 1999. Hoje, a realidade é bem distinta. São os fluxos do comércio internacional os principais responsáveis pela contínua apreciação cambial desde 2003.

Chamo a atenção para o que vem pela frente. Há duas diferenças fundamentais em relação ao período 1994-1998, se se quiser comparar as duas realidades. A primeira, apontada pelo Márcio, é o fato da balança comercial ser totalmente diferente, ao contrário da balança comercial de 94/98. O segundo fator – que ele não aborda, para não estragar o raciocínio – é que o espaço de arbitragem (diferença entre taxa interna de juros e taxa internacional) é muito inferior hoje em dia. Quanto menor o espaço para arbitragem, mais eficazes são os controles de capitais, porque quanto maior a margem de arbitragem, menor o efeito do custo adicional imposto por alguma forma de controle.

Portanto, se o objetivo dos controles de capitais é impedir a apreciação da moeda nacional, as chances de sucesso são hoje muito menores do que eram na década de 90, quando a apreciação do real era causada exclusivamente pela entrada de capitais (especulativos e de longo prazo). Ainda assim, os controles de capitais na década de 90 foram muito pouco eficazes em deter os capitais especulativos.

As tentativas de obstar a entrada do capital especulativo via controles seletivos de entrada de capital iniciaram-se ainda em 1993, antes do Plano Real. O principal instrumento da época era o imposto sobre operações financeiras (IOF), que era pago por todos os capitais destinados a investimentos em renda fixa de curto prazo.

Esse é o ponto. Se tenho oportunidade de um ganho de até 30% ao ano, o efeito de um IOF será praticamente absorvido.

O objetivo de tal imposto era o de onerar, seletivamente, as operações de arbitragem de juros de curto prazo, o carry-trade, de forma a reduzir a entrada de recursos que fazia expandir rapidamente a dívida pública. Tal como hoje, a entrada de cambiais pressionava a taxa de juros doméstica (Selic) para baixo. Para não deixar a taxa Selic cair, o que, tal como hoje, poderia ameaçar o controle da inflação, o BC esterilizava a operação cambial, vendendo títulos e enxugando a liquidez que havia aumentado com a entrada das cambiais. Tais intervenções esterilizadas aumentavam tanto a dívida pública (passivo caro do governo), como as reservas cambiais (ativo do governo que pouco rendia). Para mitigar o custo fiscal das intervenções cambiais esterilizadas, foram impostos os controles de entrada.

Minha pesquisa com alunos da PUC-Rio sobre o período (Garcia e Barcinski [1998], Garcia e Valpassos [2000], e Carvalho e Garcia [2006], disponíveis na minha página, www.econ.puc-rio.br/mgarcia) demonstrou que tais controles tiveram muito pouco efeito em deter o fluxo de capitais especulativos. A razão principal da ineficácia dos controles de capital é a sofisticação dos instrumentos financeiros aliada ao fato que se queria então, como se parece querer hoje, deter apenas o capital especulativo, e não todos os capitais. Dada a fungibilidade intrínseca dos fluxos de capitais, é relativamente fácil para instituições financeiras disfarçar fluxos especulativos como fluxos destinados a outros fins, por exemplo, financiamento de exportações ou investimento estrangeiro direto. Dado que hoje exportamos três vezes mais do que há dez anos, há muito mais fluxo de exportação para “abrigar” operações de carry-trade.

Há dois agentes nítidos no mercado: os bancos comerciais (sujeitos a uma fiscalização mais intensa do BC; e os bancos de investimento e gestores de recursos em geral. Bancos comerciais são eminentemente conservadores. Restringindo a atuações dos bancos de investimento mais agressivos, deixaria o jogo entre o BC e bancos comerciais cautelosos.

Ademais, o mercado financeiro é povoado por operadores que se dedicam precisamente a conceber operações de arbitragem de todo tipo. Esperar que o BC pudesse se opor a tal movimento é ingênuo e nocivo, pois faria o BC utilizar seus instrumentos de controle e supervisão, que poderiam ser mais bem usados na prevenção de crimes, na tentativa vã de deter a parte especulativa dos fluxos de capitais.

É campeão! O objeto fiscalizado é o mesmo. Mas identificar operações financeiras disfarçadas desviaria o pobre fiscal de olhar para a prevenção do crime. É um recurso que já gastou por excesso de mal uso esse “ou” “ou”. Como se não fosse possível o “e”. (…)

Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

Luis Nassif

14 Comentários

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  1. Boa noite, Nassif .Não vou
    Boa noite, Nassif .Não vou comentar
    o texto , uso este canal para sugerir que vc comente mais -aqui – sobre a questão cambial ( imagino que vc esteja cansado de bater nessa tecla) ,as opiniões que agentes do mercado te passam sobre qual será o limite de apreciação do real…
    obrigado e abs

  2. Creio que primeiro precisamos
    Creio que primeiro precisamos reduzir os juros da Selic para próximo dos 8% nominais ao ano e se for o caso só depois partir para medidas de controle da entrada de capital via normas para o mercado financeiro.

    Creio que não há grande risco de estimular a demanda via corte nos juros da selic no primeiro momento, Haverá um aumento expressivo da demanda via crrédito mas a própria base monetária já é um limite para essa expansão.

    No segundo momento haverá um aumento adcional na demanda em função da redução do desemprego, mas lembro que isto é o que menos preocupa pois isto significa tambem um aumento da oferta de bens e serviços. Neste cenário o que mais preocupa é a capacidade do aumento do investimento na infraestrutura do Brasil, mas a queda dos juros da selic e o aumento da arrecadação devem viabilizar um aumento da capacidade de investimento do Governo que deve ser direcionado para a infraestrura garantindo a continuidade do crescimento do PIB.

    O grande limite para a redução dos juros da selic seria um problema de liquidez e de credibilidade dos títulos da dívida pública, mas creio que este é um problema que já foi resolvido e não ha o menor risco de fuga de capitais com a redução dos juros da selic para 8% nominais ao ano, apenas o capital a busca dos altos juros da dívida pública praticados atualmente pelo COPOM seria afastado.

  3. Creio que qualquer tipo de
    Creio que qualquer tipo de controle incluve o de fluxo de capitais pode ser eficiente bastando usar as ferramentas corretas.

    No momento a melhor forma de controlar o entrada de capital externo que buscam as altas remuneração da renda fixa no Brasil de curto prazo é não só diminuir esta remuneração com alongar o prazo das aplicações e estimular fundos de investimentos que tenham pelo menos 2O% DE SUA CARTEIRA EM TITULOS PÚBLICOS.

  4. Dois comentarios:

    (1) Mas
    Dois comentarios:

    (1) Mas por que controle de capitais, se o diferencial de juros esta se fechando? E por que controle de capitais se voce acha que os juros sao altos?!?

    (2) O comentario que a fiscalizacao do controle de capitais pode ser feita ao mesmo tempo que a prevencao de crimes financeiros nao procede. Eh o mesmo que dizer que voce pode falar para seu zelador aproveitar que estah consertando o ar condicionado e sem sair da janela, dar uma olhada no vazamento no vaso sanitario, afinal eh tudo no mesmo apartamento!

  5. Roberto escreveu: “O grande
    Roberto escreveu: “O grande limite para a redução dos juros da selic seria um problema de liquidez”

    Errado. O limite para a reducao dos juros da selic eh a remuneracao da caderneta de poupanca. Os bancos nao podem remunerar a poupanca a uma taxa mais alta que recebem em suas aplicacoes.

  6. Oi Nassif,

    Como nao
    Oi Nassif,

    Como nao bastassem os comentarios ridiculos de um certo tio sobre o que nao entende (Baladaboa) agora temos um pseudo-cientista. Olha so que beleza de texto:
    1- No 1o paragrafo ele diz que o diferencial de juros pode apreciar uma moeda. Nao ha diferencas hoje?
    2- Ele comeca o 2o paragrafo falando sobre a balanca de pagtos. E nao toca mais no assunto. Pelo contrario, ele afirma (como todo mundo) que sao os fluxos do comercio internacional os responsaveis pela apreciacao do real (o que e curioso pq o superavit na balanca de pagtos e muito pequeno).
    3- No 3o e 4o paragrafo, o diferencial da taxa de juros pode ser menor, mas o volume financeiro e assustadoramente maior.
    4- No 5o paragrafo, ele reconhece que o diferncial da taxa de juros aumenta a divida interna. Logo, isto poderia estar acontecendo hoje em dia tb, mas ele nao comenta.
    5- Agora, o que legal mesmo e ele dizer minha pesquisa com alunos da PUC-Rio demonstrou que. Uau, o homem tem o Santo Graal da Economia.
    E por ultimo, ele nao sugere nada.

  7. Controle de capitais é uma
    Controle de capitais é uma assunto politico, decorre do projeto nacional que o Governo de ocasião entende melhor para o País, cabe aos economistas administrarem esse controle da forma mais eficiente possivel mas a decisão não se dá na instância economica.
    Um País pode funcionar com ou sem controle de capitais, nos ultimos cem anos o controle de capitais foi imposto por Governos de todos os matizes em centenas de situações, a decisão depende geralmente das circunstâncias e não de fé doutrinária.
    A Inglaterra, pátria do liberalismo economico, teve controle de capitais desde o incio ada Segunda Guerra até 1979, o Chile deve grande parte de sua solidez economica a um inteligente sistema de controle de capitais implantado em diversos graus esde o inicio do Governo Pinochet. Dos quatro grandes emergentes, o único que não tem controle de capitais é o Brasil, coincidentemente o que menos cresce dentre os quatro.
    Não é portanto tema para economistas, é tema de politica, de Poder, de construção de País.
    Quem decide sobre controle de câmbio não é o Henrique Meirelles e nem o Altamir Lopes, é o Lula aqui, o Kirchner na Argentina, o Chavez na Venezuela.
    O ilustre articulista é um fundamentalista neoliberal de quatro costados e a tese por ele exposta é o catecismo clássico da seita, nenhuma novidade ou espanto.

  8. Uma redução da taxa Selic
    Uma redução da taxa Selic para 8% nominais ao vai exigir uma correção na remuneração para permitir a continuidade das atuais condições de competição.

    Recentemente já ocorreu um ajuste na remuneração da cardeneta de poupança para se ajustar a redução dos juros da Selic do patamar de 15% para os atuais 12%.

  9. Nassif,
    acho q você está
    Nassif,
    acho q você está subestimando enormemente a agilidade da tecnologia financeira desenvolvida nestes últimos anos… Chamar os bancos comerciais de conservadores é pura ingenuidade: todo mundo entrou no jogo… Pode-se fazer os fatídicos “total return Swaps” (basicamente pegar umprestado os balanços dos bancos para ter-se uma exposição, de absolutamente qualquer coisa, no Brasil sem nunca ter colocado 1 centavo aqui) com a mesma facilidade usando o Credit Suisse ou o Santander…
    Ruben

  10. Estou com o “Roberto – São
    Estou com o “Roberto – São Paulo”, que os Controle de Capitais não dariam certo com o atual nível de juros do país – com a Selic a 8 % ao ano, não haveria necessidade de controle de capitais.

    Também estou de acordo com “o Economista”, que a Selic não cai mais rapidamente, pois os Bancos não querem a concorrência da aplicação dos seus Fundos com a Poupança.

  11. A maioria dos países tem
    A maioria dos países tem algum tipo de controle de capitais, não sei por que o Brasil se acha a última bolacha do pacote, que não precisa restrigir o capital especulativo.

  12. É necessário sim. Fácil não é
    É necessário sim. Fácil não é não.

    A Argentina, após a renegociação soberana da dívida pública, logo que recomeçou o assédio dos capitais especulativos, estabeleceu uma série de controles. A principal, um pedágio de 30% do capital, imobilizado por 1 ano. Principal objetivo: manter uma taxa de câmbio suficientemente alta para recuperar a industria nacional. Somando, uma retenção (imposto) sobre as exportações de comodities – no caso do carro chefe, a soja, 29%. Manter o dólar em torno de 3 pesos e algumas moedas é a eixo da política econômica – de crescimento – do governo Kirchner.

    O Banco Central recolhe os dólares do mercado e lança títulos da divida pública, em moeda nacional a uma taxa de 11,5% ao ano, para uma inflação de 10%. Com o dólar fixo, a famosa bicicleta financeira começou a rodar. Como? Simples: cada dólar trocado a 3 pesos, no fim do ano transforma-se em 3,33 pesos, portanto 1,1 dólar. Um rendimento acima de 10% ao ano em moeda americana, nada desprezível.
    Nova medida do Banco Central impediu a entrada de capitais para a comprar de dívida pública. “Echa la Leí, Echa la Trampa”. O capital externo começou a comprar bonos da divida externa – em dólares – no mercado internacional e internaliza-los trocando por pesos. De forma anônima.
    Nesta última quinta o Banco Central baixou nova norma tentando a identificação dessa bicicleta. Vai conseguir? Vamos ter que esperar para ver. Mas não é nada fácil não. O dito balanço quase-fiscal ainda é positivo mas cada vez mais difícil de ser mantido e com as reservas já alcançando os 44 bilhões de dólares.

  13. Os anos de ouro do
    Os anos de ouro do crescimento economico brasileiro, décadas de 50 a 70, conviveram com um sofisticado sistema de controle de capitais, cuja linha central era o conceito de prioridade. Como os comandantes da economia brasileira nesse periodo tinham uma clara visão de País, o objetivo era atrair de forma disciplinada o capital produtivo de longo prazo, o que se conseguiu mesmo com esse rígido controle.
    Nos anos neoliberais de Collor até hoje os comandantes não são vultos da dimensão de um Roberto Campos, de um Delfim, de um Simonsen, personagens do ciclo de grande desenvolvimento do Brasil moderno. Hoje temos meros gestores de portfolios moldando os corações e mentes do Banco Central, tipos insignificantes em termos de construção de País, a visão deles é inteiramente na linha do capital especulativo que eles representam , sendo que o pão-e-manteiga dessa gente se ganha com a volatilidade e a arbitragem, com a porta giratória do dinheiro que entra e sai continuamente. É isso que gera negócio, taxa, comissão e bonus. Estão se lixando para o País, o guichê da conta capitais tem que estar escancarado, esse é o negócio da turma, que comanda o pensamento economico que determina a politica monetária e cambial. Os mecanismos de controle, fruto de uma longa experiência que se iniciou na década de 20 e se consolidou com a criação da FIRCE com a Lei 4131, foram um a um desmontados, tijolo a tijolo, até não restar mais nada.
    O escancaramento da conta capitais no Brasil de hoje, especialmente após a gestão Alexandre Schwartsman na Diretoria de Area Externa do BC, não tem paralelo nos grandes emergentes.
    O Brasil virou o maior paraiso fiscal do planeta, atraindo capital volatil do mundo inteiro, é a festa da uva da geração de ouro do Plano Real.

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