Notas sobre ciência, tecnologia e desenvolvimento econômico

A maior capacidade de inovar possibilita uma maior competitividade no mercado internacional. Por isso, a posição científica e tecnológica dos países é um elemento chave na definição da sua participação no cenário econômico global
 
Ulisses Pereira dos Santos | Brasil Debate 

A capacidade tecnológica das nações se consolidou ao longo dos anos como um determinante da posição dos países na corrida em busca do desenvolvimento econômico e do protagonismo no cenário político internacional.

Por isso, desde a revolução industrial, a busca pelo desenvolvimento passa pela absorção, decodificação e criação de conhecimento tecnológico. No entanto, a evolução da indústria fez com que o desenvolvimento tecnológico se tornasse cada vez mais dependente do desenvolvimento científico.

A evolução da indústria e da concorrência fez com que se buscassem na ciência novas oportunidades para o desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido, a evolução da indústria desde meados do século 19 tem sido pautada na incorporação do conhecimento científico e na sua aplicação econômica, visando à promoção de inovações tecnológicas.

A maior capacidade de inovar possibilita, por sua vez, uma maior competitividade no mercado internacional. Por isso, a posição científica e tecnológica dos países é um elemento chave na definição da sua participação no cenário econômico global.

Dados sobre patentes e de artigos científicos, utilizados para medir respectivamente a capacidade tecnológica e científica dos países mostram isso. As nações com maior renda também estão entre as com maior número de patentes registradas e artigos científicos publicados, como os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão.

No caso de países que se desenvolveram recentemente, como a Coreia do Sul, ou que se encontram em desenvolvimento acelerado, como a China, além da evolução nos indicadores econômicos é clara a evolução em indicadores de ciência e tecnologia.

No caso da China, por exemplo, em 1995 foram publicados por residentes no país menos de 12 mil artigos científicos. Em 2010 esse número saltou para quase 135 mil artigos. Em termos de produção tecnológica, o salto foi de 144 para 8 mil pedidos de patentes junto ao United States Patentand Trademark Office, entre os anos de 1995 e 2010.

Mas, é importante ter em mente que esse relacionamento entre ciência e tecnologia no processo de inovação depende de três pilares fundamentais para que seja exitoso. São eles a existência de uma estrutura científica, de uma estrutura tecnológica e de fluxos de informações entre estas estruturas.

A estrutura científica é sustentada pela existência de universidades e institutos de pesquisa. A estrutura tecnológica é baseada na existência de centros de pesquisa e desenvolvimento industriais destinados ao desenvolvimento de produtos e processos inovadores para as empresas.

Os fluxos de informações entre estas partes são baseados na existência de relações interativas entre universidades/centros de pesquisa e empresas. Por meio de tais relações as empresas podem absorver o conhecimento científico produzido nas universidades para transformá-lo em novas tecnologias produtivas.

A existência de tais pilares se baseia, muitas vezes, no esforço do Estado, enquanto provedor da estrutura científica e incentivador da estrutura tecnológica. O Estado pode ainda atuar viabilizando a interação universidade-empresa por meio de uma legislação a ela favorável, ou da criação de agências voltadas para a sua promoção.

Em países desenvolvidos esses três pilares são facilmente identificáveis havendo notável equilíbrio entre eles, o que contrasta com as economias menos desenvolvidas, como a brasileira.

No Brasil, a razoável estrutura científica vem se ampliando ao longo da década de 2000. Contudo, a estrutura tecnológica é limitada, em razão do baixo investimento empresarial em P&D. Por sua vez, os fluxos de informação entre essas partes são apenas ocasionais, dado os entraves burocráticos e a restrita cultura de interação entre universidades e empresas no país.

No entanto, com a instalação de novas universidades e novos cursos de pós-graduação, como vem ocorrendo nos últimos anos, são ampliadas as possibilidades de melhora nesse quadro. Como resultado desse processo já é verificável um considerável aumento na produção científica brasileira.

O número de artigos científicos publicados por residentes no Brasil mais que dobrou no período entre os anos de 2000 e 2010. Por outro lado, o número de patentes registradas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial foi apenas 18% maior em 2010 que o valor registrado em 2010.

Esses dados ilustram um dos principais problemas do sistema brasileiro de inovação, o descompasso entre as capacidades científica e tecnológica no país. A estrutura tecnológica não é capaz de absorver parcela considerável do que é produzido em termos de ciência no país, o que resulta dos escassos fluxos de informação entre estas partes.

Nesse sentido, é necessária a continuidade na política de expansão do sistema de ensino superior associada a um esforço direcionado para o desenvolvimento da estrutura tecnológica e para a criação de novos fluxos de informação entre universidades e empresas.

Tal esforço demanda o comprometimento público e privado com a realização de investimentos que o viabilizem. Somente a partir dele a economia brasileira poderá converter sua produção científica em capacidade tecnológica e, assim, melhorar sua posição no cenário econômico mundial.

Crédito da foto da página inicial: Marcos Santos/Agência USP

 

Redação

1 Comentário

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  1. Mais importante do que

    Mais importante do que ampliar os programas de pesquisa é estabelecer prioridades. Estas não devem ser decididas apenas com olho no mercado, mas com um olhar sobre as reais necessidades do país. Como pesquisador que passou pelos melhores laboratórios de pesquisa de SP, fico indignado vendo dinheiro público sendo gasto para pesquisar problemas que não nos dizem respeito, sob o argumento tolo de que pesquisa básica é fundamental, independentemente de quem a faz. Os EUA, por terem um parque industrial desenvolvido, se permitem o luxo de fazer pesquisa básica com pouco critério (a não ser o de qualidade), pois geralmente aquilo que encontram poderá ter alguma aplicação. Nós não temos o direito de sair pesquisando qualquer coisa. Parem com essa bobagem. Vou além: quem deve decidir o que pesquisar não são os pesquisadores, mas sim a sociedade. Os pesquisadores, na sua maioria, são corporativistas, olham geralmente pra sua linha de pesquisa e têm pouca visão de aplicação daquilo que produzem. Já me deparei com bons pesquisadores debruçados em modelos totalmente alheios à nossa realidade, mas acreditavam, e acreditam, que estão contribuindo com alguma coisa para além da formação de novos pesquisadores que, de resto, irão reproduzir o mesmo modelo. Basta ir a qualquer laboratório de biologia molecular da USP e vcs verão alguns absurdos como, por exemplo, pesquisa sobre regulação gênica em fungos que crescem apenas na região dos Grandes Lagos (EUA). Não faz sentido um país que não tem uma indústria farmacêutica sólida fazer pesquisa em ciência básica usando o mesmo modelo aplicado em país desenvolvido, apenas pra fornecer conhecimento a quem já tem um parque industrial estabelecido. Haja vista o caso do captopril, cuja atividade foi descoberta no Brasil, mas por não termos estrutura não conseguimos levar adiante. Quem lucrou? Os EUA. Apesar disso, devemos fazer pesquisa na área farmacêutica, mas de um modo “brasileiro”.  Aliás, o Prof. Isaias Raw faz isso muito bem no Instituto Butantan, que os tucanos lutam pra destruir. Aquilo sim é pesquisa que muda a realidade, tanto é que eles têm sofrido uma pressão enorme de toda sorte pra interromper a produção de vacinas e outros congêneres. Sou pesquisador da área e posso afirmar que pouco do que se faz em biologia molecular no Brasil é de algum impacto na nossa realidade. É impressionante. Mas existem modelos que têm dado certo: EMBRAPA, Instituto Butantan, FIOCRUZ (com ressalvas), pra citar alguns. 

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