Especial GGN: O arcabouço fiscal na visão dos economistas

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Representantes da academia e do mercado financeiro analisam pacote apresentado pelo governo Lula ao Congresso

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assina marco fiscal elaborado pela equipe econômica para o Congresso Nacional. Foto: Ricardo Stuckert/PR

O debate sobre as regras propostas no arcabouço fiscal apresentado pelo governo Lula para votação no Congresso tem dividido economistas dos campos progressista e liberal, por conta das diversas medidas propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua possibilidade de cumprimento.

Segundo Haddad, as novas regras vão permitir ao país apresentar um crescimento sustentável. Entre as medidas propostas, está a limitação do crescimento real dos gastos a um percentual de 70% da receita líquida apurada em um período de 12 meses, além de zerar o déficit primário em 2024 e apresentar superávit primário em 2025 (0,5% do PIB) e em 2026 (1% do PIB).

Se a meta de superávit não for cumprida, há uma trava maior no crescimento das despesas. Além disso, a regra estabelece um espaço para crescimento da despesa entre 0,6% e 2,5%, assim como um piso para investimentos. 

“Temos que ter um Orçamento em que seja fixada a despesa como proporção do PIB [Produto Interno Bruto] e que tenha estabilidade no tempo. Estamos atuando com os tribunais superiores, com o próprio Executivo para garantir essa nova etapa da economia brasileira”, disse Haddad, segundo a Agência Brasil.

“Com orçamento equilibrado, finanças robustas, a margem que já está para lá de dada de redução da taxa de juros, o país voltar a crescer de maneira socialmente sustentável e fiscalmente sustentável”, ressaltou o ministro.

Cálculo da receita líquida será efetuado em junho

O mercado financeiro considerou uma série de medidas do arcabouço interessantes, seja por conta do cálculo das despesas como pelas referências a serem usadas.

Pelo lado da arrecadação, o economista Matheus Pizzani, da CM Capital destaca a definição do período quando será feita a trava para o cálculo da receita líquida que será usada como base referencial para as despesas – o mês de junho.

O economista lembra que havia discussão sobre a utilização de fevereiro como mês de referência, em função do processo de elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Para Pizzani, outros pontos importantes envolvem o cálculo da receita líquida que balizará o reajuste das despesas, que deverá excluir valores relacionados a concessões, permissões, pagamentos de dividendos, participações e royalties relacionados à exploração de recursos naturais, além de transferências legais e constitucionais à estados e municípios.

“O mecanismo pode ser considerado positivo, uma vez que exclui a possibilidade de aumentos em demasia no nível de despesas do país em períodos marcados por arrecadações extraordinárias no campo das receitas não administradas pela Receita Federal, vide o que aconteceu em 2022, quando a escalada do preço do barril de petróleo gerou ganhos vultosos ao país através do pagamento de dividendos por parte da Petrobrás”, lembra, em comentário enviado ao Jornal GGN.

A medida ajuda ainda a evitar que sejam realizadas privatizações e concessões sem critério técnico e apenas com vistas a angariar mais recursos para serem computados no momento de expansão das despesas do governo para o ano subsequente.

Arcabouço à brasileira

A busca de soluções caseiras pode ser recorrente em diversas áreas, mas segundo Gabriel Leal de Barros – sócio e economista-chefe da Ryo Asset -, as inovações devem ter respaldo em casos de sucesso e fracasso dentro e fora de casa.

Em artigo publicado no blog do IBRE, da Fundação Getúlio Vargas, Barros afirma que a nova regra de gastos terá um mecanismo mais complexo e pró-cíclico por conta da vinculação da saúde e educação à taxa de expansão da arrecadação – o que, a partir de experiencia empírica, ele considera “danoso para o equilíbrio” fiscal.

Entre os pontos analisados, o economista afirma que a proposta do governo federal “tem limitações” e traz algum ceticismo por conta dos maus resultados vistos no país com a política de bandas de resultado primário.

“A punição para o seu descumprimento, crescer 50% ante 70% da receita, por sua vez, é demasiado branda, e são desconhecidas as medidas de correção e válvulas de escape. Em suma, há baixo “enforcement’”.

O economista lembra ainda a incorporação de características do resultado primário ajustado pelo ciclo econômico, um debate que ele considera “pouco maduro” no país e que apresenta falta de consenso sobre ajustes por fatores atípicos tanto nas receitas quanto nas despesas primárias.

E as questões sociais?

Enquanto a academia parece ter recebido o arcabouço de forma mais favorável, os economistas com uma orientação mais social não parecem muito satisfeitos com as regras estabelecidas por Haddad.

”A saúde e educação passarão a ocupar crescentemente o espaço das áreas que não têm piso. Cogita-se a adoção de uma correção pelo PIB per capita, que se aplicada desde 1998 teria feito o Brasil perder quase 40% de todos os gastos que realizou (o PIB per capita foi uma possibilidade de indexador divulgada pelo secretário do Tesouro)”, afirma David Deccache, assessor econômico do PSOL na Câmara dos Deputados e diretor do IFFD (Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento).

Em comentário publicado no twitter, Deccache aponta três pontos críticos do arcabouço e aquilo que chama de “ingrata surpresa”, que é a inclusão do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Caixa Econômica Federal no teto de gastos.

Segundo o economista, os bancos públicos não estavam limitados na proposta de teto de gastos apresentada pelo governo de Michel Temer.

“Como o BNDES e a Caixa são estatais financeiras não foram excluídas do novo teto, portanto estão dentro dos limites da regra e aumentos de capitais para irão concorrer com gastos sociais e investimentos públicos”, lista Deccache.  

“No teto do Temer todas as estatais não dependentes, inclusive financeiras (como BNDES e Caixa) estavam excluídas e gastos com aumentos de capitais não concorriam com as demais despesas primárias, como saúde e educação”.

Arcabouço “insustentável”

O novo arcabouço “parece insustentável econômica e politicamente” na visão de Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor de desenvolvimento socioeconômico, economia internacional e brasileira no IE-Unicamp e coordenador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon).

“Os limites impostos ao crescimento da despesa pública exigem que a despesa privada cresça a uma taxa 64% superior à taxa de crescimento da despesa pública para impedir uma desaceleração do crescimento do PIB. Isso não tem precedentes por períodos longos”, explica, em artigo analisando a proposta de Haddad.

Ao lembrar que a lógica do novo pacote lembra a regra neoliberal do Teto de Gastos anterior, Bastos explica que as novas regras determinam de forma implícia “que o gasto público cresça abaixo do crescimento econômico, a menos que a carga tributária aumente ano a ano”.

Bastos lembra que até mesmo o PIB terá um limite estreito para crescimento, por conta da sinergia entre o gasto público e a renda/gasto privado, “decretando uma trajetória de crescimento econômico baixo que é incompatível com as necessidades e com o potencial da sociedade brasileira”.

Além de considerar o plano “pró-cíclico na fase de desaceleração cíclica, podendo resultar em espiral recessiva grave”, Bastos afirma que a proposta se mostra “matematicamente incompatível” com a agenda social do terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como o reajuste do salário mínimo de acordo com o PIB e as provisões de aumento do gasto público com saúde e educação.

“Se tiver sucesso junto com o projeto social-liberal ao qual se vincula (o que é pouco provável), o NAF/NRF talvez represente o funeral do que os liberais chamam de “Estado patrimonialista” ou “capitalismo de compadres”, mas mais precisamente da política econômica social-desenvolvimentista que caracterizou os governos de Lula”, diz o economista.

“No entanto, o mais provável é que o NAF/NRF tenda a frustrar expectativas com escolhas eleitorais e com a democracia, e estimular o conflito distributivo agudo seja na sociedade, seja no sistema político entre grupos dependentes de diferentes rubricas orçamentárias. Por isso, o NAF/NRF não é o arcabouço mais adequado para reconsolidar a democracia brasileira na conjuntura ameaçadora que ela ainda não superou”.

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Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

4 Comentários

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  1. De acordo com uma notícia que li num jornalão da mídia corporativa:

    “Campos Neto diz que arcabouço está ‘na direção certa’ e que BC quer achar ‘condições estruturais’ para queda de juros”. Traduzindo: Quando a inflação baixar, a taxa de juros acompanhará a baixa; quando a inflação subir, a taxa de juros também sobe. As duas grandezas são, portanto, diretamente proporcionais, e não inversamente proporcionais, como nos querem fazer crer. “Presidente do Banco Central disse ainda que o Congresso Nacional poderá fazer alguns reparos no texto e que é preciso melhorar a comunicação para tranquilizar os mercados e balizar as expectativas econômicas”. Traduzindo: O BC existe em função do mercado, não da sociedade. Sua função não é tranquilizar a sociedade, mas tranquilizar o mercado. “Campos Neto disse que o texto final do arcabouço, se aprovado, tem critérios realistas de manejo das contas públicas, e elimina o “risco de cauda” de explosão da dívida pública”. Até às pedras sabem que o faz elevar a dívida pública é a taxa de juros estratosférica. Como diria um Artista, o Tranquilizador dos Mercados e perturbador da sociedade quer a frente das coisas olhando de lado. “A gente precisa avançar e explicar melhor para que isso consiga permear através dos mercados, para que a expectativa de inflação melhore e para que abra espaço para a gente fazer o nosso trabalho de queda de juros”. Traduzindo: Quando a taxa de juros baixar, a inflação a acompanhará. Enquanto a taxa de juros estiver alta, a inflação também estará alta.
    “Nenhum banqueiro central gosta de subir juros (…). Então, a gente obviamente quer achar as condições é estruturar para que isso aconteça”. Resumindo: Nenhum banqueiro central que atua em função do mercado e não da sociedade, não gosta de elevar os juros, mas odeia baixá-los.

  2. Introdução e Diálogo entre a Inflação e a Taxa de Juros

    Inflação – Oi, muito prazer em conhecê-la. Eu me chamo inflação.
    Taxa de Juros – Olá. Muito prazer em conhecê-la também. Meu nome é Taxa de Juros. Então, me fale sobre você, Sra. Inflação.
    Inflação – O meu trabalho é facilitar a vida dos pobres e dificultar a vida dos ricos. Eu me encarno no aumento de preço dos bens e serviços, que geralmente são ofertados pelos ricos, produzidos e prestados pelos pobres, respectivamente, e procurados por ricos e pobres. Quando eu atuo, os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Eu geralmente me manifesto quando a demanda aumenta e a oferta não acompanha a elevação da demanda; quando a oferta diminui e a procura não diminui na mesma proporção; quando aumenta o volume de moeda em circulação se eleva sem a elevaçao proporcional dos bens e serviços. E você? Me fale um pouco sobre você, s’il vous plait.
    Taxa de Juros – Pois não. O meu ofício é facilitar a vida dos burgueses agiotas, ao emprestarem dinheiro aos pobres mortais ou ao comprarem títulos da dívida pública. Se um capitalista financeiro empresta 10 reais a um pobre, este deve devolver-lhe, ao final de determinado período, o dinheiro emprestado e pagar-lhe uma taxa, um acréscimo. Os Burgueses Financeiros geralmente não produzem, eles especulam. Eu aumento quando a procura por empréstimos aumenta sem o aumento proporcional do capital financeiro ou quando o capital disponível para financiamento diminui sem a redução proporcional da demanda por empréstimo. Quando eu me elevo, a dívida pública se eleva proporcionalmente bem como o endividamento privado. E, em alguns países, quando a inflação aumenta, eu aumento mais do que o aumento da inflação. E quando eu me elevo, a produção e a correspondente oferta diminuem, e eu acabo, dessa forma, contribuindo ainda mais para o aumento da inflação. Se a inflação se estabiliza, eu me mantenho à sua frente, porque nos países acima mencionados eles acham que eu e você somos grandezas inversamente proporcionais. Ou seja, nós duas dificultamos a vida dos pobres e facilitamos a vida dos ricos. Temos compatibilidade de jênios. Vamos nos casar.

  3. Introdução e Diálogo entre a Inflação e a Taxa de Juros

    Inflação – Oi, muito prazer em conhecê-la. Eu me chamo inflação.
    Taxa de Juros – Olá. Muito prazer em conhecê-la também. Meu nome é Taxa de Juros. Então, me fale sobre você, Sra. Inflação.
    Inflação – O meu trabalho é facilitar a vida dos pobres e dificultar a vida dos ricos. Eu me encarno no aumento de preço dos bens e serviços, que geralmente são ofertados pelos ricos, produzidos e prestados pelos pobres, respectivamente, e procurados por ricos e pobres. Quando eu atuo, os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Eu geralmente me manifesto quando a demanda aumenta e a oferta não acompanha a elevação da demanda; quando a oferta diminui e a procura não diminui na mesma proporção; quando aumenta o volume de moeda em circulação se eleva sem a elevaçao proporcional dos bens e serviços. E você? Me fale um pouco sobre você, s’il vous plait.
    Taxa de Juros – Pois não. O meu ofício é facilitar a vida dos burgueses agiotas, ao emprestarem dinheiro aos pobres mortais ou ao comprarem títulos da dívida pública. Se um capitalista financeiro empresta 10 reais a um pobre, este deve devolver-lhe, ao final de determinado período, o dinheiro emprestado e pagar-lhe uma taxa, um acréscimo. Os Burgueses Financeiros geralmente não produzem, eles especulam. Eu aumento quando a procura por empréstimos aumenta sem o aumento proporcional do capital financeiro ou quando o capital disponível para financiamento diminui sem a redução proporcional da demanda por empréstimo. Quando eu me elevo, a dívida pública se eleva proporcionalmente bem como o endividamento privado. E, em alguns países, quando a inflação aumenta, eu aumento mais do que o aumento da inflação. E quando eu me elevo, a produção e a correspondente oferta diminuem, e eu acabo, dessa forma, contribuindo ainda mais para o aumento da inflação. A fim de evitar que você suba, Sra. Inflação, eu me mantenho na estratosfera, o que faz reduzir a produção e a oferta e, em consequência, faz você se elevar.

    Se você se estabiliza, eu me mantenho à sua frente, porque nos países acima mencionados eles acham que eu e você somos grandezas inversamente proporcionais. Ou seja, nós duas dificultamos a vida dos pobres e facilitamos a vida dos ricos. Temos compatibilidade de jênios. Vamos nos casar.

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