O câmbio e os clichês

As críticas do “Estadão” de hoje às idéis de Yoshiaki Nakano são montadas sobre clichês. Como Nakano enfrentou o grande dogma, o jornal trata de desqualificar até um feito que ele próprio incensou por doze anos: o ajuste fiscal de Covas. E fez isso de maneira leve, sem sequer se dar ao trabalho de checar os dados de um economista de segundo time. Sequer considerou os dados que demonstravam a ignorância de Alexandre Scwartsman sobre o que escreveu acerca do ajuste fiscal paulista. É para queimar o herético? Então pouco importa a qualidade do combustível.

Nas matérias, foram consultados economistas para que apresentassem respostas pré-fabricadas, aceitas acriticamente, sem sequer o cuidado de comprovar sua veracidade.

Do “Estadão” para o economista José Júlio Senna, da MCM Consultores: “Qual sua opinião sobre a utilização do câmbio para o crescimento econômico?”

Do Senna: “Fico estarrecido. Não conheço um único estudo, em qualquer país, que aponte a taxa de câmbio como entrave ao desenvolvimento”.

Se o câmbio chinês fosse uma cobra, Senna seria mordido por ele, por confundí-lo com um cinto pirata de marca Gucci. O fenômeno cambial mais estudado da atualidade, merecedor de artigos semanais nos principais jornais do mundo, é a política cambial chinesa, de manter sua moeda super-desvalorizada. E o Senna não conhece estudo algum? Provavelmente a China que ele conhece é aquela da dinastia Ming.

No pós-guerra, o tiro inicial de todos os “milagres” econômicos passou por um câmbio desvalorizado: Alemanha, Japão e Itália. Nos anos 50, o início do milagre coreano passou por um câmbio desvalorizado e ferozmente controlado. O grande salto inicial da China consistiu em abrir a economia para investimentos e não para a conta capital.

É evidente que o câmbio é apenas o tiro inicial, antes que a economia ganhe condições para prescindir da moeda desvalorizada. Ou seja, economia que não tem condições iniciais para abdicar do fator preço recorrem ao câmbio desvalorizado para que o preço baixo compense a falta de qualidade. Depois que os produtos ganham valor agregado (tecnologia, qualidade, inovação, marca) podem abdicar do preço. A China já tem uma estrutura industrial sofisticada, invadiu o mundo com seus produtos e até agora não se considerou em condições de abdicar do câmbio desvalorizado.

Seria relevante que o professor mostrasse um estudo sobre um país que, antes de virar potência e ter as demais condições para crescer, tivesse abdicado do câmbio desvalorizado.

Vamos a alguns dados:

No início do milênio, o mundo poderia ser dividido em quatro grandes blocos, classificados segundo a intensidade de atuação no câmbio.

a – No primeiro bloco, 47 países, praticamente todos desenvolvidos, nos quais a intervenção no mercado de câmbio visava “moderar a taxa de variação e evitar flutuações indevidas das moedas locais”. As intervenções são mais amenas apenas porque esses países não sofrem de vulnerabilidade externa, tem sistema financeiro estruturado e grande parte da dívida em moeda nacional.

b – Em 33 países, sobretudo os em desenvolvimento, a intervenção detectada era ativa e a flutuação administrada, mas sem regras fixas ou trajetórias pré-definidas para a taxa de câmbio. São países sem liquidez, com o câmbio exposto a meia dúzia de operações articuladas. O Brasil entra aqui. Nestes países, ao contrário do primeiro grupo, o controle de capitais também é arma eficaz contra a volatilidade cambial. O Chile é um caso clássico. No começo da década de 90, 80% dos ingressos de recursos no país eram de curto prazo. No final da década, quando a quarentena já era prática estabelecida, 80% eram investimentos produtivos.

c – No meio do caminho entre a taxa fixa de câmbio e alguma flutuação, o FMI categorizou os países com “regime intermediário de câmbio”, como o regime de bandas e reajustes pré-fixados.

d – No extremo do controle cambial, estava um pequeno número de países com “currency board” e dolarização, como Bulgária, Estônia, Lituânia, Equador e Argentina (na época).

Fonte? FMI.

Luis Nassif

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