Joao Furtado
João Furtado, economista, especialista em temas ligados à indústria e às políticas para o desenvolvimento. Casado, 62 anos, tem 3 filhos.
[email protected]

O rentismo e a destruição da Petrobras, por Luiz Marinho Nunes e João Furtado

O que aconteceu entre 2014 e 2016, incluindo um conjunto de obras mal concebidas e não concluídas, é uma exceção, e não a regra

Divulgação Petrobras

O rentismo e a destruição da Petrobras

por Luiz Marinho Nunes e João Furtado*

O artigo “Ruim para a Petrobras e ruim para o Brasil” publicado no Valor de 16/03/2023 por Ferreira & Cardoso argumenta que o governo não deve ter múltiplos objetivos, mas concentrar-se na redução da pobreza e das desigualdades sociais, o que só é alcançável com equilíbrio orçamentário.

Contrariando a própria receita, no final de um longo segundo parágrafo, o artigo muda o seu foco e revela seu real objetivo: tratar da Petrobras e da alocação dos seus recursos.

A mensagem é direta: a Petrobras deve se limitar a atuar na exploração e produção das águas profundas e manter a distribuição de dividendos nos níveis excepcionais onde foram colocados no último governo, sem paralelo na história.

O que motivou a criação da Petrobras incluía sem dúvida a produção de óleo no país, mas ia além: produzir os derivados necessários ao desenvolvimento brasileiro, que deveriam trazer competitividade ao conjunto da economia. Não é por menos que até à década de 80 os principais investimentos da Petrobras foram no refino, embora continuasse a busca pelo óleo no território nacional.   

Curiosamente, o artigo alega que as dificuldades pelas quais a Petrobras passou decorrem da atuação em campos fora de sua “expertise”, que pelo visto, no entendimento dos autores, se resume às águas profundas do pré-sal.

Bem, para a empresa que implantou o parque de refino, liderou a distribuição de combustíveis enquanto desenvolvia de forma pioneira no mundo em desenvolvimento a indústria petroquímica, promoveu a articulação com a indústria de bens de capital e a engenharia brasileira, propiciando seu desenvolvimento, construiu a malha de gasodutos, inclusive o Bolívia-Brasil, sem esquecer o impulso dado ao álcool e mais recentemente o desenvolvimento do HVO, a partir de óleos hidrogenados, ver a sua competência reduzida ao segmento de E&P das águas profundas é revelador de muito desconhecimento.

O que aconteceu entre 2014 e 2016, incluindo um conjunto de obras mal concebidas e não concluídas, é uma exceção, e não a regra, e responde por apenas uma parte dos resultados desfavoráveis da empresa nos anos subsequentes. Foi justamente neste período que o petróleo, em decorrência da reação da OPEP ao shale americano,  viu os seus preços despencarem, arrastando consigo a economia dos próprios países da OPEP e causando uma grande reestruturação na indústria de petróleo nos EUA, enquanto as IOCs (Exxon, Shell etc) amargavam resultados medíocres.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn”      

Como os autores reconhecem que nas próximas décadas o petróleo tem seu mercado ameaçado pelas novas energias, a proposta de abandonar o campo da transição energética é sinônimo de projetar a extinção da maior empresa brasileira, pari passu à transferência de dividendos superiores aos próprios lucros.

Como planejar o fim de uma empresa se compatibiliza com o interesse dos acionistas? Não é difícil entender. Os acionistas mais bem aparelhados e detentores de informações de mercados sairão do negócio antes do fim.

Como toque final, reforçando o curto-prazismo que é a tônica do artigo, o PPI é entronizado como a única política de preços possível, mas deixando de apontar as três margens de lucro para a empresa:

O preço internacional dos derivados já inclui a margem do produtor e do trader;

O custo de internação é fictício para a maior parcela das vendas, oriundas de derivados refinados no país,  constituindo portanto uma segunda margem;

A Petrobras, seguindo o viés ideológico que a orientou entre 2016 e 2022, informa que sobre o PPI ainda adiciona uma margem que a remunera. 

Ouvir uma dupla de adeptos do neoliberalismo aceitar com naturalidade a existência de um mercado internacional de petróleo que funciona como tal, apesar de ter seus preços (e quantidades) dirigidos por um cartel, é muito mais do que apenas curioso. Afinal, se há um dogma nessa linha ideológica de pensamento é o horror aos cartéis. Neste caso, a consequência da proposição principal do artigo é que a empresa continue a explorar os consumidores brasileiros com margens decorrentes da cartelização para remunerar os acionistas, sacrificando a transição energética, que poderia ser acelerada pelos próprios lucros retidos.

Por fim, num malabarismo lógico, os autores afirmam que preços muito distantes do mercado internacional – ora, quem falou em muito distantes, bastaria uma comparação de preços direta com “hub” de referência – seriam prejudiciais aos importadores. Então, em nome desse pequeno grupo de importadores, todos os brasileiros devem aceitar pagar preços elevados.

Por tudo isso, cabe indagar: estamos diante de análise técnica ou advocacia de interesses?

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem um ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Joao Furtado

João Furtado, economista, especialista em temas ligados à indústria e às políticas para o desenvolvimento. Casado, 62 anos, tem 3 filhos.

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. É a lógica do capitalismo predatório, cujo lema é: “Farinha pouca, o pirão todo para mim”. Sendo o petróleo de propriedade de povo brasileiro, na visão desses ratos, quem tem que lucrar, são os importadores do que falta para atendar a demanda interna. Para eles, o consumidor brasileiro é que tem que pagar a conta dos lucros exorbitantes.A necessidade de mudar a política de preços da Petrobras, é cada vez mais premente. Não se justifica cobrar dos consumidores um preço que corresponde a 100% de importação, quando o seu percentual é de 30%.

  2. Nenhuma empresa produtora de petróleo cria inovação tecnológica. Para extrair petróleo no solo é só sair na calçada em frente ao escritório da empresa e contratar a primeira pessoa que passar, dar algumas horas de treinamento e pronto. Para isso não precisa engenheiro, pesquisadores, universidades, etc. O que gera tecnologia, conhecimento e agrega valor é o refino que traz no bojo as indústrias petroquímica, químicas de segunda, terceira e quarta geração e grande leque de pesquisa e que gera empregos aos formandos de nossas UFs, UFEs, com criação de centros de pesquisas.

  3. Ademais, o petróleo é uma commodities que hoje vale 140 dólares e em dois ou três meses pode cair para 30 dólares, enquanto os derivados químicos tem seus preços estabilizados. Portanto o refino representa um valor agregado quase sempre fora da oscilação do preço do petróleo. A riqueza no entorno de um campo de petróleo não beneficia o povo desta região, quando o campo se esgota a população continua na mesma pobreza de antes da descoberta do campo, mas uma refinaria cria uma estrutura paralela industrial que representa um desenvolvimento perene ao povo local.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador