O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou na última quarta-feira (27) que vai apresentar em breve uma proposta para destravar o crédito imobiliário ofertado pelos bancos no país, a partir de um novo mercado secundário de títulos imobiliários.
Desta forma, o ministro espera potencializar o crescimento da economia brasileira a partir da construção civil. Mas este objetivo pode não encontrar respaldo na capital paulista, na qual Haddad foi prefeito entre 2013 e 2016, graças à especulação imobiliária.
Haddad, aliás, venceu o prêmio ONU-Habitat, concedido pela Organização das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, como uma das quatro melhores práticas inovadoras de agenda urbana com seu Plano Diretor.
Naquela época, o Executivo Municipal almejava tornar a metrópole “mais humana, moderna e equilibrada, através do emprego e da moradia para enfrentar as desigualdades sócio-territoriais”. Para tanto, uma das premissas era construir moradias populares a poucos metros de linhas de ônibus e estações de metrô e trem, para que a população pudesse se deslocar em pouco tempo até o trabalho.
O Programa Minha Casa, Minha Vida, lançado pelo governo federal, surge como a solução perfeita para viabilizar o premiado plano diretor. Afinal, Haddad almejava que o centro expandido fosse ocupado por pessoas de baixa renda, vivendo em imóveis com preços acessíveis, de acordo com Ermínia Maricato, arquiteta, urbanista e ativista pela reforma urbana no Brasil.
“O plano era perfeito, sabe? Então, você traz a pessoas que compram um apartamento de que não podem comprar um apartamento de mais de 150 mil reais, perto do transporte. Tinha essa diretriz, mas aconteceu o contrário. O Plano Diretor não foi seguido e as pessoas de renda média e baixa não vierar morar nos lugares onde a legislação tinha demarcado, porque o plano foi distorcido”, lembra a ativista.
No entanto, independente do programa habitacional, o que se viu na cidade de São Paulo foi exatamente o contrário.
Apartamentos para classe baixa? Só promoções no primeiro andar
Ainda em janeiro, o prefeito de Sâo Paulo, Ricardo Nunes (MDB), sancionou a Lei nº 18.079/2024, que prevê a Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí, a fim de produzir moradia popular nos bairros que ficam no entorno do rio Tamanduateí, como Cambuci, Henry Ford, Mooca, Ipiranga, Vila Carioca e Vila Prudente.
Desta forma, o objetivo da Prefeitura é aumentar o número de habitantes na região para 260 mil. Hoje, 139 mil pessoas vivem nos bairros citados acima.
Atendida pelas estações Sacomã, Tamanduateí e Alto do Ipiranga do Metrô (linha verde) e Ipiranga do trem (linha 710 – Rubi/ Coral), a região deve ganhar mais um terminal de transporte de massa: mais uma estação Ipiranga, ligada à linha prata do monotrilho.
Com isso, uma das áreas mais inóspitas da região, no entorno na avenida Presidente Wilson, que atravessa os bairros da Mooca, Ipiranga, Vila Monumento e Vila Carioca, está ganhando uma nova cara: saem os galpões industriais e chegam os canteiros de obras.
A avenida concentra alguns lançamentos, todos eles usam o Minha Casa Minha Vida como meio de atrair interessados.
Para adquirir um imóvel pela iniciativa federal, as regras são:
Regras do Minha Casa Minha Vida para áreas urbanas:
- Faixa 1: renda mensal de até R$ 2.640
- Faixa 2: renda mensal de R$ 2.640,01 a R$ 4.400
- Faixa 3: renda mensal de R$ 4.400,01 a R$ 8.000
Valor máximo dos imóveis em áreas urbanas:
- Faixa 1 (subsidiado): até R$ 170 mil
- Faixa 1 e 2 (financiado): até R$ 264 mil
- Faixa 3 (financiado): até R$ 350 mil
Porém, todos eles são vendidos, mesmo na planta, por valores acima de R$ 200 mil – o que exclui a população da Faixa 1 do programa, pois ganham até dois salários mínimos (R$ 2.460) e poderiam financiar apartamentos de até R$ 170 mil pela iniciativa federal.
Empreendimentos em construção na Avenida Presidente Wilson:
- Easy Ipiranga: a partir de R$ 247.900, apartamentos de 37m²
- Bosque Ipiranga: a partir de R$ 242.000, apartamentos de 37m² e 41m²
- Triunfo: a partir de R$ 320.000, apartamentos de 35m² e 50m²
- Meu Mundo Estação Mooca: a partir de 268.086, apartamentos de 24m² a 36m²
Quando há imóveis para a Faixa 1, são unidades específicas, limitadas e promocionais, geralmente localizadas no primeiro ou segundo andar apenas.
Nem a classe média
Como mostra o levantamento da Pesquisa Seade, realizada pelo governo do Estado em 2019, os lançamentos atuais excluem 75% das famílias mais pobres – justamente as que mais necessitam de moradia digna e acesso ao transporte.
Enquanto a renda média domiciliar gira em torno de R$ 3.443, o maior valor recebido pelos 25% mais pobres é de R$ 1.311. Para metade das famílias residentes na capital paulista, o maior valor pouco mais que dois salários mínimos (R$ 2.423). Já entre os 25% mais ricos, a menor renda corresponde a R$ 4.051.
Uma simulação de fluxo de pagamento mostra que uma família com renda de R$ 5.500 interessada em adquirir um imóvel de R$ 320 mil pelo MCMV contaria com até R$ 50.656 entre subsídio do programa e descontos da construtora. Assim, resta cerca de R$ 40 mil de entrada durante o período de obras, valor que pode ser parcelado em 52 prestações de R$ 926. A família teria ainda de desembolsar cerca de R$ 10 mil no ato do contrato e assumir um financiamento, a partir da entrega do apartamento, de R$ 218 mil.
O que as construtoras não contam, no ato da venda de imóveis na planta, é que exista a taxa de evolução da obra cobrada pelo banco que financia o empreendimento como uma espécie de seguro caso o apartamento não seja entregue. Na simulação acima, a taxa de evolução da obra era de, aproximadamente, R$ 1.650 por mês nos últimos seis meses até a entrega das chaves.
Somando o parcelamento da entrada e taxa de evolução da obra (R$ 2.576) ou o parcelamento da entrada e as parcelas de financiamento do imóvel, que no mínimo giram em torno de R$ 2.500, metade da renda de uma família de classe média fica comprometida com o sonho da casa própria.
Nem o aluguel do imóvel acima, que já tem dois dos quatro prédios do complexo habitacional prontos, é viável para a população de baixa renda: a locação do mesmo apartamento de 35m² sai por, pelo menos, R$ 1.600, além de R$ 310 de condomínio por mês.
No outro exemplo, um corretor de imóveis oferece a seguinte proposta para quem deseja adquirir um imóvel no Alto do Ipiranga, próximo à estação Santos-Imigrantes:
De acordo com a sugestão de pagamento de uma família ou indivíduo com renda de R$ 4.400, a entrada seria parcelada em R$ 1.234 mensais. Mas existe ainda duas parcelas ao ano de R$ 6 mil, o que obrigaria o comprador a guardar R$ 1.000 por mês a fim de honrar as parcelas semestrais. O corretor de imóveis, no entanto, não observa que o interessado tem de pagar a taxa de evolução da obra, informada apenas pelo banco financiador responsável pela obra.
Por isso, em geral, as construtoras direcionam anúncios de imóveis a preços populares nas redes sociais para investidores.
Cada vez mais caros
Mesmo com programas federais e mais crédito para financiamentos imobiliários, a situação em São Paulo não deve mudar para trazer as famílias de baixa renda para as regiões centrais da cidade.
Isso porque a situação, de acordo com a professora de Direito na Fundação Getúlio Vargas e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Bianca Tavolari, a última revisão do plano diretor aprovada já na gestão de Ricardo Nunes estabeleceu parâmetros construtivos mais permissivos, em que as construtoras vão poder vender imóveis com valores mais altos, com vaga de garagem e subsídios, aprofundando a bolha imobiliária que a capital paulista já apresenta.
Na região central de São Paulo, segundo dados do Censo 2022, 58,7 mil domicílios estão sem uso, o que equivale a 20,7% dos 283,2 mil imóveis que compõem o centro expandido.
Mesmo que a cidade tenha virado um canteiro de obras de “apartamentos populares”, a tendência é de que a quantidade de imóveis vazios aumente, assim como a desigualdade habitacional que empurra as classes baixa e média cada vez mais em direção às periferias, onde o preço dos imóveis e dos aluguéis são realmente mais acessíveis.
Até porque, segundo fontes, a Câmara Municipal virou um verdadeiro balcão de negócios. Em junho de 2023, quando foi votada a revisão do Plano Diretor da capital, o vereador Adilson Amadeu (União Brasil-SP) pediu ao Sindicato Patronal da Habitação em São Paulo (Secovi-SP), uma contrapartida das construtoras pelo “ônus político pesado” causado pelo plano, a fim de ajudar a campanha de Ricardo Nunes na tentativa de reeleição este ano.
“Politicamente se estabeleceu nesta oportunidade um ônus político pesado ao amigo prefeito Ricardo Nunes, e desta forma questiono o que o Secovi fará para ajudar o nosso prefeito em sua reeleição? Desculpe o desabafo, mas uma política sensível desta merece uma contrapartida à altura, e espero sinceramente que o ajude a mostrar à cidade que o prefeito, ao escutar vossa entidade, tomou a melhor escolha para o município bem como para o seu progresso político”, disse Amadeu em mensagem enviada pelo WhatsApp.
Um dos ônus, que não passam pela Câmara, é a velha prática de especulação imobiliária, em que as construtoras têm acesso a informações sobre investimentos em determinadas regiões com antecedência, a ponto de adquirir os terrenos na área a preço de banana e lucrar sobre eles apenas por ter a facilidade de receber informações privilegiadas.
Gambiarra
O Plano Diretor de São Paulo previa ainda a construção de imóveis menores, a fim de torná-los mais acessíveis, e sem vagas de garagem, até porque a intenção era trazer para o centro trabalhadores que usam o transporte de massa. Com vagas, os moradores do entorno de estações de trem e metrô talvez não os utilizasse como meio de transporte.
“Muitos desses apartamentos que chamamos de microapartamento são menores do que 35m² porque tinha um incentivo específico de desconto na outorga para construção de apartamentos menores no Plano |Diretor. Então teve um bom de microapartamentos estimulado pela legislação, mas também por uma dinâmica de mercado. Uma das razões possíveis do porquê tem menos gente morando é porque esses apartamentos são vendidos para investimdores, para serem colocados em plataformas. Não temos os dados do Airbnb e da a Prefeitura para saber é o tamanho do problema aqui em São Paulo, mas a gente sabe que não necessariamente esse apartamento menores estão sendo utilizados para moradia”, continua a pesquisadora do Cebrap.
Outra vantagem dos microapartamentos é a venda casada, em que as construtoras já vendem duas unidades que podem ser transformadas em um apartamento com metragem maior. Assim, além de mais espaço, o comprador consegue ainda ter direito a duas vagas de garagem, segundo Bianca Tavolari.
Apesar de todos os imbróglios, porém, a Constituição de 1988 e a legislação brasileira são, na visão de Ermínia Maricato, avançadas. “Mas ela não é aplicada. Se você me perguntar o precisa fazer primeiro, eu diria que é uma democracia. Em seguida, precisamos controlar o orçamento público e promover uma Reforma Fundiária”, aponta a urbanista.
Até lá, resta os interessados em morar no centro de São Paulo adquirir um imóvel usado pelo programa Minha Casa Minha Vida, cujo valor tende a ser mais alto em comparação a uma aquisição ainda na planta. Ou então escolher uma região um pouco mais afastada da área central.
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Camila, não existe taxa de evolução da obra, e sim a cobrança dos juros sobre os valores do financiamento que são liberados mensalmente para a construtora para pagar a execução da obra. Os valores vão aumentando na medida que a obra avança.
O seguro MIP morte e invalidez permanente é cobrado pelo banco no financiamento e varia conforme a idade de quem o fez. Trata-se de outro encargo diferente dos juros da fase de obra.
Espero ter esclarecido.
Por isso tem que haver uma intervenção governamental nessa área, habitação não deveria haver especulação.
Dá sua casa para o Boulos