Em SP, policiais protestam por “direitos humanos aos humanos direitos”

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Ilustração: Carlos Latuff
 
 
Jornal GGN – A Associação de Docentes da Unifesp (ADUNIFESP) emitiu uma nota repudiando a atitude de policiais militares que decidiram ocupar o campus da Baixada Santista durante uma audiência pública para discutir educação em direitos humanos. Segundo a nota, o grupo de PMs protestava contra discussão de gênero nas escolas, demandava a mudança da nomenclatura “ditadura militar de 1964” para “Revolução de 1964” e ainda defendiam “direitos humanos aos humanos direitos”. Na nota, a associação cobra das autoridades o uso da Universidade para manifestações dessa natureza.
 
Abaixo, a nota assinada pela ADUNIFESP.
 
 
Manifestamos nosso mais profundo repúdio ao que ocorreu na Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, na noite de 11 de agosto de 2017, durante a Audiência Pública convocada pelo Conselho Estadual da Condição Humana para discutir o texto do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de São Paulo.
 
Desde às 18h o campus foi ocupado por policiais, muitos fardados e inicialmente armados (foi exigido que guardassem as armas). A calçada do portão principal ficou abarrotada de viaturas da Polícia Militar. A comunidade acadêmica que ali se encontrava para as atividades diárias tinha pouca informação a respeito e ficou estarrecida quando soube que se tratava de uma audiência em que seriam definidos os rumos da educação em direitos humanos e, mais ainda, quando compreendeu que os policiais militares (que a esta altura chegavam a quase cem) defendiam a proposta de eliminar conteúdos fundamentais à educação pública. Estes bradavam por “direitos humanos aos humanos direitos”, “mudar a nomenclatura Ditadura Militar de 1964 para Revolução de 1964”, “retirar a discussão de gênero nas escolas”, etc
 
Professores, técnicos e estudantes que estavam no campus, após tomarem conhecimento do que ocorria, decidiram participar da audiência e foram hostilizados pela tropa, que tentou impedir que votassem, sob o argumento de que não estavam lá desde o início. Houve até gritos de “vagabundos”. Se fazem isso contra quem estava no próprio espaço de trabalho e estudo (muitos descendo da sala de aula), o que não farão com pessoas mais vulneráveis em um país com cerca de treze milhões de desempregados?
 
Estudantes e professores que se manifestaram pacificamente com cartazes em defesa da Escola Pública e dos Diretos Humanos também foram hostilizados. Ouviram-se frase macabras, como “Depois morre e não sabe o porquê!” ou “Quando precisarem da polícia, chamem o Batman”. Além disso, um grupo de militares e seus apoiadores começou a fazer cartazes com “Bolsonaro 2018”, “Liberdade sem libertinagem”, “Pode confiar #”. Situação preocupante em que os que defendem a “escola sem partido” partidarizam sua atuação portando as vestes e as insígnias de uma corporação militar. Ainda mais lamentável: a alta patente fardada nada fez para controlar seus subordinados que, aliás, quase agrediram fisicamente algumas docentes e estudantes.
 
Feita a leitura do texto-base do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de São Paulo, começou a “votação”. O que se viu foi um verdadeiro espetáculo de horror. Depois de perderem uma proposta, militares agrediram verbalmente professores e estudantes, chamando-os – mais uma vez – de “vagabundos”. Nas votações subsequentes, intimidaram-nos fazendo pessoalmente a contagem dos votos e filmando, fotografando e olhando de modo ameaçador cada um que votava contra a posição deles. Ao longo da noite, a comunidade acadêmica correu sérios riscos.
 
Foi aprovada a supressão de qualquer referência a direitos humanos no plano estadual; foi eliminado o item que obrigava o Estado a garantir a permanência e combater a evasão escolar das minorias; foi suprimida a obrigação de formar agentes de segurança pública com base nos princípios dos direitos humanos.
 
Apesar do temor, a comunidade acadêmica resistiu pacificamente. Externamos nossa forte preocupação com quem pretende, na base do grito, se sobrepor à produção de conhecimentos, à liberdade de pesquisa, à democracia e à autonomia universitária.
A Adunifesp-SSind entende que este ato abusivo e autoritário se insere num movimento maior de ataques à democracia e aos direitos humanos em curso em nosso país. Também o fato de que ele tenha ocorrido dentro da Unifesp escancara o processo de demonização e ataque às Universidades Públicas que é impetrado hoje em dia por setores reacionários da sociedade.
Por fim, repudiamos veementemente o modo como ocorreu a votação e solicitamos que o Conselho Estadual da Condição Humana desconsidere o resultado desta “consulta”.
 
Queremos esclarecimentos sobre a utilização do espaço da Universidade Federal de São Paulo para episódios desta natureza. Manifestamos nossa preocupação com a integridade física dos professores, técnicos e estudantes que ali defendiam o ensino público e de qualidade, a escola sem mordaça, a permanência dos direitos humanos como princípio norteador da educação. Exigimos que as chamadas autoridades competentes manifestem posição urgente e clara sobre o ocorrido, especialmente no tocante às relações entre disciplina da tropa e Estado de direito.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. QUALQUER pais do mundo onde

    QUALQUER pais do mundo onde policias militares tem acesso aa populacao tem assasinatos em serie ou em massa por causa deles.

  2. Será que precisamos de uma Bastilha?
    No transcorrer de nossa história não tivemos nada similar a queda da Bastilha.Será que mais sangue do povo deve correr para que nos tornemos uma sociedade minimamente civilizada?

  3. Não é uma corporação de

    Não é uma corporação de segurança pública. É uma organização terorista! Isso é terror de Estado! É o Estado contra as liberdades civis! Abaixo a PM! Por uma polícia desmilitarizda!

  4. Gente direita… ahahahah!

    Ora, ora, policiais armados estavam em serviço ou fora dele?

    Bom, se estavam em serviço, deveriam é estar trabalhando (sic).

    Se não estavam…  deve ser mais seguro um campus universitário do que voltar pra casa fardado.

    Sendo policiais militares, é de se saber que são o rosto de Alckmin. E não mais.

    E as frases prontas, não sabem nem pensar.

    Ao que me parece, gente paranóide não deveria usar farda. Não são gente direita, só de direita.

     

  5. Ou bate calcanhares ou exercita os neurônios

    Essa turma tem as armas.

    Essa turma é e será bolsonaro.

    Essa história está tomando proporções assustadoras

    Imagem relacionada

  6. Viva os Panteras Negras, viva Mimia Abu Jamal!

    “Just as every cop is a criminal
    And all the sinners saints
    As heads is tails
    Just call me Lucifer
    ‘Cause I’m in need of some restraint”

    Rolling Stones, Simpathy for the Devil

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador