Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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A crise da CAPES e o Estado mínimo, por Ion de Andrade

Foto: Reprodução da medida que promove o corte no pagamento de bolsas a pesquisadores e cursos de pós-graduação

Por Ion de Andrade

A hora de descolar a direita universitária da base do governo

A crise orçamentária do Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (clique aqui para ler no insuspeito G1) teve um papel aniquilador sobre o que restava de base governamental nas universidades.

Não foram poucos os grupos de pesquisa, ou professores individualmente, privilegiados pelos investimentos públicos em Ciência & Tecnologia na era petista, que consideraram que num governo “de iguais” seriam ainda mais privilegiados. Apesar das universidades serem predominantemente críticas ao desmantelamento das políticas públicas, uma parte relevante dos seus quadros aderiram à derrubada de Dilma.

Não é hora para revanches, mas para o diálogo firme quanto à lógica que nos conduziu até aqui para que essa realidade seja devidamente compreendida em toda a sua amplitude e incorporada pelo conjunto da comunidade universitária como um conceito.

É preciso, sem arrogância ou superioridade, mas com firmeza, explicar a essa base política conservadora imbricada nas instituições científicas que o balão de ensaio do governo que visava prospectar a viabilidade política de aniquilar a ciência nacional é parte integrante do ideário do Estado mínimo, enquanto um tipo de gestão do Estado que tem como lógica o seu desfinanciamento em favor dos grandes grupos do capital financeiro e do capital internacional sempre beneficiados com um bilionário perdão fiscal, enquanto as políticas públicas de interesse nacional se exaurem.

Aquilo que é óbvio para nós, surpreendentemente escapa (e há os que não veem e os que não querem ver) à percepção dessa base da direita que, nesse episódio, se sente traída.

É preciso explicar aos que não vêem e dizer aos que não querem ver que o dinheiro que falta à CAPES é o que foi perdoado ao ITAÚ; é o que foi entregue às grandes petroleiras que hoje dominam o nosso pré-sal; é o que deixou de ser arrecadado com o perdão fiscal concedido ao agronegócio.

É preciso mostrar a esses pesquisadores, que subitamente descobrem que estão do lado de cá, dos prejudicados, e não do lado de lá dos beneficiados com o golpe, que a mão que fere a ciência é a mesma que feriu o SUS com 20 anos de congelamento de recursos, é a mesma que feriu a Assistência Social e reduziu o número de famílias beneficiárias do Bolsa Família, é a mesma que não corrigiu o salário mínimo em níveis suficientes, é a mesma que colocou no forno, para mais tarde, a reforma da previdência, e é a mesma que atrelou o preço do petróleo ao dólar, ao tempo que aumentou a importação de combustíveis do Estados Unidos, produzindo perdas gigantescas de recursos ao país. E que não há um Estado mínimo à la carte que pegue somente os pobres…

A crise orçamentária da CAPES é uma oportunidade importante para mostrar a que veio o Estado mínimo. Não deixemos de aproveitá-la para descolar da base de apoio da direita esses segmentos cujo conhecimento específico de suas áreas é proporcional ao desconhecimento de tudo o que toca à sociedade.

Devolvidos psicologicamente ao que sempre foram, simples trabalhadores especializados; desapeados de uma ilusória condição de elite, que só agora veem que de nada vale, devem ter de nossa parte a disponibilidade (e a paciência…) para o esclarecimento político. Tarefa difícil reconheçamos, pois exige de nós autocontrole e muito estômago.

Mas o desafio é cívico: pelo Brasil!

 

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

11 Comentários

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  1. Concordo, mas…

    Concordo com os motivos expostos ao longo do texto do Ion. As Universidades federais, por exemplo, ou melhor, muitos docentes e pesquisadores, estão sofrendo processos administrativos, censuras e retaliações. Agora, o golpe é direto, na pesquisa, de paralisar. 

    As “fundações de apoio”, “sem fins lucrativos”, devem estar felizes da vida. Mas instituições privadas de ensino superior também. Sem desmerecer algumas delas, seia injustiça, mas quantas fazem pesquisa dura? São pouquíssimas. Por outro lado, vamos citar, a Unicamp, quantas pesquisas e patentes saem de lá. Universidade prontinha, com estrutura completa.

    O Alckmin já tinha adiantado a bola em tempo quase igual à esta notícia aqui. Mesmo que não faça parte dos mesmos acontecimentos e da mesma “lógica histórica”, dentro desta ela está. Cobrança de mensalidade na pós-graduação que forma pesquisadores? Com produção de patentes? Vai ser um NEGOCIÃO.

    Agora, “tirar a direita”… A primeira providẽncia será “farinha pouca, meu pirão primeiro” que, a médio prazo, não será uma boa atitude de pesquisadores para salvar sua pesquisa e a tchurminha. Realmente, concordo, é preciso muito estômago.  

    Para descolar a direita universitária… bom, dada a sua ausência de compromissos, talvez tenha uma fundação privada que vá estender a mão pra ela. Questão de oportunismo.

    E essa náusea, que nunca passa. 

  2. Educação? Pesquisa? a quem se destina?

    Prezados,

    A educação e pesquisa poderiam ser um fim em si mesmas, como preferem os educadores e pesquisadores em geral.

    Ocorre que na medida em que são sustentadas pelo esforço público, parece razoável que os resultados apresentem-se como contrapartida ao esforço.

    Quem se beneficia em maior grau pela educação e pesquisa patrocinadas pelos governos?

    Em primeiro lugar, a própria população que tem acesso a esta rede. O problema é que a maioria não tem acesso, a não ser por meio de políticas afirmativas, que ainda justas em suas razões, enfraquecem a ideia de mérito que buscam a educação e pesquisa. Logo, se a educação pública atende a um público que seja capaz de pagar por esta educação, qual o sentido de manter os esforços de impostos na área? Além disto, junta-se o óbvio desprezo que os professores nutrem pelos alunos mal formados, oriundos da escola pública. Mais uma vez, isto não reforçaria a ideia de deslocar tais professores para o ensino básico, de modo a melhorar a qualidade da educação de modo geral? Isto não seria mais benéfico ao país que um modelo de ensino elitista e estreito em termos de alcance social?

    Em segundo lugar, a economia. É evidente que a agricultura, indústria e serviços se beneficiam da produção científica. Sua contrapartida a esta oferta de conhecimento e técnica é próxima ao da população em geral: o pagamento de impostos. Mais uma vez os beneficios são desproporcionais, posto que os resultados alavancam em muito o lucro das empresas, ao passo que a população se beneficia de modo indireto. Logo, quem deveria suportar com maior esforço a pesquisa?

    São estas perguntas que os interessados como o eletrón aí acima, fogem. Encastelados em suas torres de marfim, afirmam sua necessidade de existência (indiscutível) mas às custas do erário público. Isto é cabível? Entrementes, muitos dos seus pesquisadores e educadores (sic) apoiam descaradamente a privatização de outros setores da economia, enquanto preservam suas sinecuras.

    Basta! se os recursos são escassos, como todos sabemos, que sejam dedicados ao que trazem maior bem comum. Chega de aposentadorias precoces, salários incompatíveis com a média da população, o arcaísmo de um ensino decadente que não melhora a vida do cidadão comum.

    Que paguem, que busquem os interessados como qualquer empreendimento que tanto defendem como fonte do mérito. Se não suportam ou toleram a concorrência, que tenham a vida romântica dos pesquisadores que morreram empobrecidos, mas deram contribuição que todos seus papers, todas suas dissertações, todas suas teses, jamais emprestarão.

    Fadário para vocês!

    1. Haja cretinice dessa “imagem de Eugenio A”

      A última leva de trolls que invadiram o Blog está sendo contratada para atacar as universidades. Mas esse cara aí extrapolou! Só um exemplo: botar doutores em Física Quântica (ou em Biologia Molecular, ou em qualquer outro ramo avançado de pesquisa) no Ensino Básico? Será que o troll tomou LSD?

    2. Quem tem condições de pagar?

      https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,2-em-3-alunos-de-universidades-federais-sao-das-classes-d-e-e,10000070529

      O total de estudantes das classes D e E em universidades federais brasileiras aumentou entre 2010 e 2014, segundo pesquisa feita pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O trabalho indica que dois terços dos alunos (66,19%) vêm de famílias cuja renda não ultrapassa 1,5 salário mínimo per capita (R$ 1.320). Em 2010, eram 44%.

      E antes de 2010 quantos alunos de baixa renda estudavam em universidades públicas? 

      Além da maior presença de estudantes de classes econômicas menos privilegiadas, o estudo identificou um aumento da participação de alunos autodeclarados pretos e pardos. Eles representam 47,57% dos entrevistados. Em 1997, 2,2% dos pardos e 1,8% dos negros entre 18 e 24 anos cursavam ou já haviam concluído um curso de graduação no País.

       

      “O mito de que a universidade federal é para elite está sendo destruído”, resumiu a presidente da Andifes, Ângela Paiva Cruz, ao anunciar os dados. Para ela, a pesquisa deixa claro que a universidade está mais acessível e inclusiva. “Para se ter uma ideia, 65,34% dos alunos têm uma formação superior a que é apresentada por suas mães”, completa.

  3. Quando o brasileiro acordará?

    Façamos uma pequena análise! Em que governo os bolsistas, os professores, os cientistas tiveram melhor respaldo governamental? No governo FHC ou no governo do PT? Qual o presidente que mais fez pela educação? Quem construiu mais colégios técnicos e universidades em seu governo? FHC ou Lula? E, concluindo nossa pequena análise, o presidente Lula agora em prisão, foi visitado por líderes religiosos, por ganhador de prêmio nobel (não houve a visita propriamente dita por impedimento autoritário do judiciário), vários artistas ( Martinha da Vila, Chico Buarque…), até o Papa manifestou e deu uma força ao Lula! Aí surge uma interrogação aqui na minha cabecinha limitada: – Qual professor Universitário (exceção ao Hadad que é político do PT), qual Bolsista, qual cientista, quem da educação visitou o preso que mais fez pela educação desse país (minúsculo)? Por que a Omissão? 

    Muitos falam que o Temer é culpa do PT, pois era o vice da Dilma quando deposta! Nem um indivíduo com QI de minhoca dá crédito a tais afirmações! O Temer foi colocado lá para: 1 – Entregar o país(minúsculo) aos Gringos; 2 – Ferrar os trabalhadores como um todo e principalmente os estatutários; 3 – Benefiar os mais aquinhoados deste país (minúsculo), AZELITES (fazendeiros, industriais, banqueiros) e, consequentemente ferrar o POVO BRASILEIRO! Tanto isto é verdade que, salvo engano, o primeiro ato em seu governo foi reduzir o Imposto para remessa ao exterior de 25% para 6%! Pobre manda dinheiro ao exterior? 

    Pois bem, concluindo, após esta exposição volto a perguntar: – QUANDO O BRASILEIRO ACORDARÁ???????? Por enquanto, verificamos que alguns ditados mais uma vez estão a se concretizar: “Cada Povo Tem o Governo que Merece”; “Se Colhe Somente Aquilo Que se Planta !

    Que tal situação sirva de reflexão e que façam uma auto-análise (não sei se a grafia é esta)  os “LETRADOS e FORMADORES de OPINIÃO” deste país (minúsculo).

    Valeu a pena seguir o Pato Amarelo e as passeatas? 

    Bom domingo a todos!!!! Que Deus abençoe todos nós!!!!!

  4. Muito bom

    artigo, didático e suscinto como deveriam ser muitas publicações acadêmicas! A universidade precisa de fiscalização e adequação aos dias de hoje e à sociedade em que se insere, mas não será cortando a verba destinada à pesquisa que isso será feito. O sucateamento da pesquisa é só a porta de entrada para a privatização do ensino público garantido, ainda que aquém do necessário, pela constituição. Como se a privatização fosse a solução para todos os problemas, e não sobrasse ao governo custear danos ambientais, econômicos e até de saúde causados por empresas privadas – lembrando, por exemplo,  quanto os convênios devem ao SUS.

  5. Estado mínimo no dos outros é refresco

    Governo federal retira quase meio bilhão do orçamento para a ciência ==> https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2018/02/governo-federal-retira-quase-meio-bilhao-do-orcamento-para-ciencia.html

    Sem decisão do STF, auxílio-moradia vai custar mais de R$ 1 bi em 2018 ==> https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2018/07/sem-decisao-do-stf-auxilio-moradia-vai-custar-mais-de-r-1-bi-em-2018.html

  6. Lamento discordar, mas o

    Lamento discordar, mas o momento é ainda mais crítico. Aqueles que aderiram ao golpe nas universidades públicas, e não foram poucos, agora estão com, veja só, Bolsonaro!! Nunca imaginei um cenário como este. É aterrador. Sou professor de uma universidade federal há 23 anos e participo de praticamente tudo que ocorre em minha instituição, já que exerço, atualmente, o cargo de coordenação de programa de pós-graduação, faço pesquisa, gerencio projetos individuais e institucionais, dou aulas e tudo o mais que imagino ser atribuição de alguém que é (bem) pago para trabalhar em prol da construção de um país melhor. Me sinto, neste momento, totalmente decepcionado, pois uma parcela imensa de professores está aderindo, com força, à candidatura de Bolsonaro. Sempre imaginei que estivesse protegido de conviver com esta situação, pelo menos no ambiente de trabalho, que julgava ocupado por pessoas com formação intelectual suficiente para refletir sobre o enorme perigo que uma pessoa como este candidato representa para o desejo de uma sociedae igualitária e fraterna. Ledo engano. Vejo jovens professores, recém chegados à universidade, a grande maioria contratada durante os governos do PT, esbravejando e pedindo alguém com “força” para frear o que eles chamam de desordem. Infelizmente, este é o quadro que enxergo aqui em Niterói.   

    1. Esse talvez seja o aspecto

      Esse talvez seja o aspecto mais inacreditável dessa situação: o fascismo infectou as universidades.

      Me pergunto o que diabos aconteceu no governo do PT para que todas, TODAS, as instituições fossem contaminadas por essa corja de direita. Está pior que o retorno dos mortos-vivos.

      Afinal, de onde saiu essa geração nazista? Brotaram do chão?

      1. Puro besteirol

        Nas universidades há direitistas, claro, há em TODAS as instituiçoes do país, o golpe teve grande apoio na sociedade, especialmente na classe média. Mas dizer que as universidades estao infectadas pelo facismo é um absurdo. Tem sido nas universidades que há mais reaçoes contra o golpe, e praticamente todas as associaçoes de docentes tomaram partido contra ele, bem como até a associaçao de reitores.

        Esse tipo de comentário — nao por acaso feito por “imagens de”, há interesses muito fortes na privatizaçao das universidades  — é parte de uma estratégia para tirar a simpatia dos leitores de blogs de esquerda pelas universidades, tática velha e conhecida.

  7. Quando não há dinheiro, todo estado é mínimo

    Estado mínimo é bom? É ruim? Não sei, mas quando não há dinheiro, todo estado tem que ser mínimo. A crise começou no segundo mandato de Dilma, e ela já vinha fazendo cortes desde então. Mas na cabeça de vocês, estado mínimo é uma ideologia de elites malvadas que querem destruir a nossa ciência e roubar nosso petróleo etc. etc. etc.

    Se produzir teorias conspiratórias fosse ciência, a ciência brasileira seria a mais evoluída do mundo.

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