Afogando em números. I. Quantos átomos há no Universo?, por Felipe Costa

Neste artigo, vamos falar de ordens de grandeza maiores, pois o interesse aqui envolve objetos mais numerosos (estrelas, moléculas, átomos)

Afogando em números. I. Quantos átomos há no Universo?

Por Felipe A. P. L. Costa [*].

APRESENTAÇÃO. – Em artigo anterior (ver aqui), falamos de milhões, bilhões e trilhões. Cada ordem de grandeza foi associada então a um nível de organização do universo biológico (espécies, populações, indivíduos). Neste artigo, vamos falar de ordens de grandeza ainda maiores, pois o nosso interesse aqui envolve objetos ainda mais numerosos (estrelas, moléculas, átomos), embora menos diretamente acessíveis à nossa experiência cotidiana.

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1. QUANTAS ESTRELAS HÁ NO UNIVERSO?

Algumas estimativas dão conta de que há entre 50 bilhões e 1 trilhão de galáxias em todo o Universo [1]. A Via Láctea, a nossa galáxia, é apenas uma delas. As estimativas dão conta ainda de que a Via Láctea abrigaria entre 100 e 200 bilhões de estrelas. (No que segue, vou presumir que o tamanho médio das galáxias existentes no Universo não difere muito do tamanho da nossa galáxia.)

Portanto, para obter uma resposta (aproximada) à pergunta deste item 1, podemos tomar os valores extremos, dois a dois: o par de mínimos (5 × 1010 galáxias, cada uma delas abrigando tão somente 1 × 1011 estrelas) e o par de máximos (1 × 1012 galáxias, cada uma abrigando 2 × 1011 estrelas).

A partir dessas estimativas, podemos calcular o número mínimo (EMIN) e o número máximo (EMAX) de estrelas existentes em todo o Universo conhecido. Para tanto, efetuamos as seguintes multiplicações:

EMIN    = (5 × 1010) × (1 × 1011) = 5 × 1021 estrelas; e

EMAX  = (1 × 1012) × (2 × 1011) = 2 × 1023 estrelas.

O Universo observável abrigaria, portanto, algo entre 5 sextilhões (5 × 1021) e 200 sextilhões (2 × 1023) de estrelas.

2. QUANTAS MOLÉCULAS DE ÁGUA HÁ NOS OCEANOS?

Apresente a pergunta acima a um químico ou a um oceanógrafo e ele talvez lhe responda mostrando os cálculos. E o resultado obtido por ele, salvo algum deslize de minha parte, não deve diferir muito do número que eu mesmo obtive: 4,5947 × 1046 moléculas de H2O.

Veja: 4,5947 × 1046 equivale a 45 947 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000.

É um número e tanto!

Anote o nome: são quase 46 quadridecilhões de moléculas.

A rigor, o número real deve ser um pouco menor. Afinal, por simplificação, adotei aqui dois pressupostos. (i) Fixei o volume total dos oceanos em 1,374 × 109 km3; e (ii) Presumi que 1 L de água do mar contém 3,344 × 1025 moléculas de H2O, a despeito, portanto, da presença de sais e outras substâncias [2].

Eis a linha de raciocínio que eu segui (confira e veja se eu não me atrapalhei em alguma conta):

Primeiro passo. Como 1 km3 = 1 × 109 m3, então o volume dos oceanos em metros cúbicos seria igual (1,374 × 109 km3) × (1 × 109 m3 km–3)= 1,374 × 1018 m3.

Segundo. Se um mol-grama de água (= 18 g de H2O) têm 6,02 × 1023 moléculas (número de Avogadro) [3], então 1 L (= 1 000 g) tem (6,02 x 1023) × (103 / 18) = 3,344 × 1025 moléculas.

Terceiro. Se o resultado do passo anterior estiver correto, então 1 000 L de água (= 1 m3) têm (3,344 × 1025) × (103) = 3,344 × 1028 moléculas.

Quarto. Juntas, as águas dos oceanos teriam então (1,374 × 1018 m3) × (3,344 × 1028 moléculas m–3) = 4,5947 × 1046 moléculas – CQD.

3. QUANTOS ÁTOMOS HÁ NO UNIVERSO?

Faça a pergunta acima a um físico ou a um astrônomo e ele talvez lhe diga de pronto (i.e., sem fazer as contas) que o Universo observável deve abrigar algo como 1080 átomos.

1080 equivale ao algarismo 1 seguido de 80 zeros: 100 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000.

É um número impressionante.

Anote o nome: são 100 quinvigintilhões de átomos.

Como podemos chegar até aí? Até onde sei, um cálculo aproximado envolveria as seguintes variáveis: (i) o número de estrelas existentes no Universo (item 1 acima); (ii) a massa do Sol (1,989 × 1033 g) [1], adotada aqui como tamanho médio das estrelas; e (iii) o número de átomos de H existentes em 1 átomo-grama de hidrogênio (1 g) (número de Avogadro; item 2 acima).

Com base nisso, efetuamos então as seguintes multiplicações:

(5 × 1021 estrelas) × (1,989 × 1033 g estrela–1) × (6,02 × 1023 átomos g–1),

simplificando as unidades e rearranjando, obtemos

(5 × 1,989 × 6,02) × (1021 × 1033 × 1023) átomos,

de onde então chegamos a

59,8689 × 1077 = 5,98689 × 1078 átomos.

No fim das contas, convenhamos, trata-se de um resultado bem próximo a 1080 [4].

4. CODA.

Não vou me estender muito mais, mas ainda cabe aqui um derradeiro registro. Em português brasileiro, a terminologia dos numerais segue a chamada escala curta, segundo a qual os nomes acima de milhão mudam de três em três casas (i.e., cada novo termo é 1 000 vezes maior que o anterior). Portugal adota a escala longa, razão pela qual os nomes por lá mudam de seis em seis casas (i.e., cada novo termo é maior que o anterior 1 000 000 de vezes) [5].

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NOTAS.

[*] Artigo extraído e adaptado do livro A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (em processo de finalização). Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os livros do autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir algum volume específico ou para mais informações, faça contato com o autor pelo endereço [email protected]. Para conhecer outros artigos ou obter amostras dos livros, ver aqui.

[1] Sobre as estimativas, ver Comins & Kaufmann (2010).

[2] Sobre os pressupostos, ver Garrison (2010).

[3] Alusão ao naturalista e químico italiano [Lorenzo Romano] Amedeo [Carlo] Avogadro (1776-1856). Para detalhes, ver Bettelheim et al. (2012).

[4] A rigor, mantidas as ordens de grandeza das estimativas adotadas aqui, o número real deve ser um pouquinho maior, visto que nem todos os átomos do Universo estão reunidos em estrelas. No caso do nosso sistema planetário, por exemplo, a massa do Sol responde por menos de 99,9% da massa de todo o Sistema Solar (ver aqui). De resto, cabe notar o seguinte: o número total de partículas, mais precisamente prótons (lembrando que 1 H = 1 próton), existentes no Universo é comumente referido como o número de Eddington – alusão ao físico e astrônomo inglês Arthur [Stanley] Eddington (1882-1944). Em 1938, ele estimou que o Universo teria 1,57 × 1079 prótons – para detalhes, ver, e.g., Persinger (2013).

[5] No primeiro caso, a terminologia segue a fórmula 103(n+1), onde (i) (n + 1) é a quantidade de classes (conjuntos de três casas ou ordens sucessivas, da direita para a esquerda: a casa da unidade, a das dezenas e a das centenas); (ii) 3(n + 1) é a quantidade de ordens que o número possui; e (iii) Como regra, o nome do número começa por n-ilhão. Se n = 3, então (n + 1) = 4, 3(n + 1) = 12 e o número em questão terá um nome iniciado por trilhão. Considere: 1,234567891 × 1012, que é uma representação em notação científica do número 1 234 567 891 000 (lê-se: 1 trilhão, 234 bilhões, 567 milhões e 891 mil). No segundo caso, que é o sistema adotado em Portugal, por exemplo, bastaria dizer que a terminologia segue a fórmula 106N. E aí, como regra geral, o nome do número começa por N-lhão.

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REFERÊNCIAS CITADAS.

++ Bettelheim, FA & mais 3. 2012 [2010]. Introdução à química geral, orgânica e bioquímica, 9ª ed. SP, Cengage.

++ Comins, NF & Kaufmann, WJ, III. 2010 [2008]. Descobrindo o Universo, 8ª ed. P Alegre, Bookman.

++ Garrison, T. 2010 [2006]. Fundamentos de oceanografia, 4ª ed. SP, Cengage.

++ Persinger, MA. 2013, Support for Eddington’s number and his approach to astronomy: Recent developments in the physics and chemistry of the human brain. International Letters of Chemistry, Physics and Astronomy 13: 8-19.

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Redação

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  1. Se o articulista considerar-se um vírus inteligente dentro de um organismo, perceberá que não terá tempo de vida suficiente para calcular quem é, o que é e nem onde está, dada sua proporcionalidade. O que percebemos como galáxia pode ser nada mais que um aglomerado de matéria orgânica decomposta num organismo.

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