Implicações da regulamentação do Fundeb, por Gregório Grisa

A possibilidade de usar seus recursos para custear instituições não públicas induz a abertura de escolas privadas precárias, abre espaço para abuso de poder político e manobras relativas ao limite de pagamento de pessoal dos entes federados.

Implicações da regulamentação do Fundeb

por Gregório Grisa

Ontem a Câmara dos Deputados aprovou a regulamentação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) com alterações preocupantes em seu escopo. A matéria segue agora para o Senado.

Uma das principais mudanças foi a autorização do repasse de até 10% dos recursos do Fundeb para escolas privadas sem fins lucrativos (comunitárias, confessionais e filantrópicas) no ensino fundamental e ensino médio. Essa medida tem caráter regressivo, pois privilegia municípios mais ricos (com maior Índice de Desenvolvimento Humano), onde estão a maioria das vagas privadas ofertadas. A capacidade instalada da rede privada concentrada em regiões mais ricas já esvazia o argumento de que esse precedente seja necessário, além disso, o Brasil não tem problemas de oferta de vagas no ensino fundamental e médio (matrículas estão diminuindo inclusive). Não há motivo técnico para permitir esse desvio dos recursos do Fundeb, a não ser abrir mercado para grupos específicos, inclusive os de cunho religioso.

Outra alteração foi a aprovação de destaque do partido NOVO que autoriza o uso dos recursos de remuneração (mínimo de 70% do Fundeb) para pagar funcionários de escolas privadas, inclusive administrativos e terceirizados. Essa possibilidade expande a definição de “profissionais da educação” prevista na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Subjaz a essa proposta o intento indireto de reduzir ao máximo a realização de concursos públicos e de congelar o piso nacional do magistério.

Oito em cada dez municípios do país usam todo recurso do Fundeb para pagar profissionais da educação pública. Diante da possibilidade desse recurso pagar profissionais sem vínculo estatutário, mais precarizados e “baratos” em escolas privadas, o que você acha que o gestor irá fazer? Ao invés de ampliar a rede pública com escolas de tempo integral, realizar concursos, porque prefeitos e governadores não irão fomentar que a rede privada (inclusive de parceiros políticos) abra vagas para conveniar? Até como moeda política.

Governadores e prefeitos podem fazer convênios com o Sistema S (que já tem fonte pública de recursos) e com entidades privadas com recursos próprios de estados e municípios. O Fundeb, contudo, é um fundo de colchão básico para financiar a ainda subfinanciada educação pública. O problema não é o convênio em si, mas retirar recurso exclusivo da educação pública que precisa do dobro de recursos que recebe hoje, conforme aprovado no Plano Nacional de Educação.

O Fundeb representa 60% do financiamento da educação básica. A possibilidade de usar seus recursos para custear instituições não públicas induz a abertura de escolas privadas precárias, abre espaço para abuso de poder político e manobras relativas ao limite de pagamento de pessoal dos entes federados.

O histórico brasileiro de regulação, fiscalização e avaliação de serviços prestados por entidades sem fins lucrativos não inspira otimismo. A cooptação de agentes políticos, o desvio de função e a corrupção são fenômenos que pairam sobre essas experiências. Sem entrar no mérito do que significa na prática entidades “sem fins lucrativos”.

Portanto, neste caso do Fundeb, não se trata de preconceito contra parcerias, já realizadas na educação infantil e na educação especial, etapa e modalidade em que há demanda, mas de constatação de que repassar recursos para o setor privado no ensino fundamental e médio não é uma demanda que se justifica. As evidências indicam o caráter regressivo dessa alocação de recursos e a experiência política aponta para inúmeros riscos na gestão dos ainda escassos recursos para manutenção e desenvolvimento de ensino no Brasil.

Prof. Gregório Grisa – Doutor em Educação

Redação

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