Simas, Joel e Luiz Rufino, Gramsci e o lado de fora da universidade
por Rogério Mattos
Confesso que me sinto como alguém que “pegou o bonde andando” na recente reação raivosa da ultra-direita contra Antonio Gramsci. Em minha época de graduação, as referências eram para pensadores brasileiros tradicionais (Sérgio Buarque, Caio Prado, G. Freyre), talvez na intenção de marcar a importância do trabalho intelectual no Brasil diante das correntes de pensamento estrangeiras. Existiam também as referências a autores franceses mais contemporâneos. Numa escola historiadora, os Annales são presença constante, além dos inúmeros livros, entrevistas, artigos, prefácios e tudo o mais, de Michel Foucault. Assim, Gramsci aparecia (pelo menos para mim como jovem estudante) como algo deslocado. Um duplo deslocamento: temporal, frente a nova e abundante produção intelectual brasileira em estreita relação com os chamados clássicos nacionais, e conceitual, i. e., deslocado em relação aos “avanços” do estruturalismo e das correntes intelectuais que apareceram depois, em especial na Europa. No vagabundeio pela internet, comecei a assistir as aulas do prof. Luiz Antonio Simas. Uma situação inusual, uma combinação de fatos que não esperava, acabou por me deixar incomodado diante do que para mim era um escritor talvez de talento: esse mesmo, o Simas. É que por um outro tipo de vagabundeio, apareci na Rua do Ouvidor no dia em que ele estava lançando a 2ª edição de seu livro “Pedrinhas Miudinhas”. Tinha lido trechos de seu livro na então nova Livraria da Travessa, recém inaugurada na rua Sete de Setembro. Fiquei bastante intrigado, na leitura rápida do livro que peguei num pequeno balcão da luxuosa livraria (o que me incomodava; a antiga Travessa, localizada na travessa do Ouvidor, não era chique e tinha títulos preciosos, além de um acervo enorme das editoras universitárias e um café de 60 centavos no botequim da frente) em como Simas procurava traduzir o vocabulários dos terreiros em verdadeiras categorias epistemológicas. Parecia uma grande pretensão para um livro tão pequeno. Essa pretensão achei muito preciosa, mas não tinha a mínima ideia de como embarcar em suas propostas. O que eu faço nessas raras ocasiões? Eu “espero amadurecer”. Falei: parece um ótimo livro. Vamos ver como um dia eu poderia lê-lo. E ficou tudo por isso mesmo, ou seja, uma boa impressão sugestiva para um estudo futuro. E aí, alguns anos depois, por acaso (não era o que planejava para aquele dia de São Sebastião), estava ali num bom bar na rua do Ouvidor, com um grupo de samba de primeira tocando ao lado e o Simas relançando seu livro. Entrei na livraria Folha Seca, um verdadeiro marco de resistência e já de memória da cidade do Rio de Janeiro, e vi o autor autografando seus livros. Passou pela minha cabeça uma ideia que sempre ocorre nessas ocasiões: não faz sentido nenhum pegar um livro autografado por alguém que não me conhece. Se houver a dedicatória de um amigo, considero muito, mesmo se ele for o mais absoluto desconhecido. Até se for a dedicatória de minha mãe, de minha prima ou sobrinho pequeno, vale mais do que meu nome escrito numa página por alguém que não guardo nenhuma relação afetiva. E fiquei na dentro da Folha Seca vendo seus bons livros e assistindo de vez em quando o Simas autografar o “Pedrinhas miudinhas”. Sai da Folha Seca com o primeiro volume de memórias do Zé Dirceu, autografado por minha esposa. Era um presente que ela tinha me prometido.0 Comentário
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