Primeiro leilão do pré-sal pode confirmar parceria estatal entre Brasil e China

Sugerido por Webster Franklin

Da Carta Maior

Petróleo promove aliança estatal Brasil/China

Se as expectativas do primeiro leilão do pré-sal se confirmarem, Brasil e China iniciam a partir desta 2ª feira uma parceria estatal das mais robustas.

por Saul Leblon

Se as expectativas do  primeiro  leilão do pré-sal se confirmarem, Brasil e China iniciam a partir desta 2ª feira uma parceria estatal das mais robustas, consistentes e estáveis  do século 21.

O pré-sal guarda 100 bilhões de barris; a Petrobrás, só ela, sabe como tirá-los de lá; a China consome 10 milhões de barris por dia; não tem petróleo, mas dispõe de reservas de dólar da ordem de US$ 3 trilhões.

Essa contabilidade deve marcar por décadas as relações entre os dois países.

Sobretudo,  tende a alargar a  avenida  industrializante  indispensável ao trânsito de um novo ciclo de desenvolvimento no país.
A ficha começa a cair entre os analistas da emissão conservadora.

De forma talvez precipitada, eles comemoraram a ‘falta de interesse’ das petroleiras gigantes dos EUA e da Europa no primeiro leilão do pré-sal.

“Culpa do intervencionismo intrínseco ao modelo de partilha”,  festejaram os centuriões dos mercados desregulados.

Escapava-lhes o desdobramento estratégico, agora explícito.

O festejado recuo da Exxon, Chevron, BP e BG do leilão de Libra abriu caminho para,  em torno do petróleo nacional, Brasil e China erguerem pilares de uma sólida parceria.

Algo de que sempre se ressentiu a diplomacia soberana do Itamaraty, retomada em 2003.

Em uma das últimas entrevistas antes de deixar o posto, o então chanceler Celso Amorim, atual ministro da Defesa, localizou na relação sino-brasileira a mais importante  lacuna da reordenação geopolítica realizada pelo Brasil na última década.

‘Precisamos dar uma forma importante ao relacionamento com a China. Não desenvolvemos um conceito pleno de como vai ser nossa relação com a China. Essa é uma autocrítica. Não deu tempo. Precisamos pensar mais profundamente nisso’, disse o embaixador,   em entrevista ao jornal ‘O Estado de São Paulo’, em 27/10/2010.

O conceito de que se ressentia Amorim refletia, na verdade, a falta de um poder de fogo  efetivo.

Afinal, como ter os interesses soberanos  do Brasil contemplados na relação com um  gigante solidamente hegemônico em questões chave do xadrez mundial.

Entre elas, a escala, o planejamento estratégico, o monitoramento justo do câmbio,  do comércio exterior e dos fluxos de capitais, ademais da supremacia tecnológica e industrial.

A disputa desigual redundou no sabido.

O Brasil tem na China o principal cliente para suas matérias primas, como o minério de ferro, ademais dos grãos.

A balança comercial favorece o Brasil. Mas a prova do pudim se dá na tonelagem, que evidencia uma relação econômica subalterna.

Um dado resume todos os demais.

A China compra o minério de ferro brasileiro a US$ 140/150 a tonelada. E vende trilhos ao país a US$ 850 a toneladas, para abastecer um plano de expansão da malha ferroviária  de 10 mil kms, até 2020.

Por que a relação colonial não se repetiria no caso do óleo do pré-sal?

Pela diferença que existe entre uma estatal,  mantida como ferramenta de desenvolvimento e uma empresa privada, a exemplo da  Vale do Rio Doce, focada exclusivamente na geração de dividendos aos acionistas.

Dirigida até 2011 pelo tucano Roger Agnelli, a Vale sempre rejeitou os apelos do governo Lula no sentido de destinar um pedaço desses dividendos à construção de uma planta de trilhos no Brasil (a que existia foi desativada por FHC pouco antes de privatizar a Vale, em 1997)

A Petrobras transita na pista inversa do modelo de negócio que dá as  costas aos interesses da Nação,  para contemplar apenas  o do pregão.

Embora seja uma empresa aberta, o governo tem a maioria dos votos na gigante criada por Getúlio.

Isso muda tudo.

Explica, por exemplo, a abrangência redobrada das  inversões na cadeia do petróleo e da pesquisa,  a ponto de a Petrobras figurar hoje como  líder mundial em tecnologia de prospecção submarina.

Cerca de R$ 237 bilhões serão investidos por ela até 2017.

Os alvos:  pesquisa,  produção do pré-sal e a construção simultânea de três refinarias, de modo a agregar valor ao óleo extraído do fundo do oceano.

O retorno mais que compensa ao país.

Os próximos 30 anos vão marcar o estirão produtivo e de encomendas do pré-sal.

Os encadeamentos das inversões em produção, refino, serviços e tecnologia somam valores da ordem de US$ 700 bilhões em investimentos.

Significa dizer que o Brasil ganhará novo peso econômico, tecnológico  e geopolítico.

Peso este  precificado desde já nas negociações  com a China que precisa garantir seu abastecimento no século 21.

Estamos no umbral de uma parceria ancorada em investimentos bilionários,  de retorno garantido, que envolve tecnologia sofisticada e matéria-prima escassa no mundo.

O Brasil detém dois dos três vértices desse triângulo. A China tem o capital e a sede de petróleo.

Mudou a condição do jogo.

E o Brasil tem o mando de campo neste caso.

A regulação soberana do pré-sal destina à Petrobrás o monopólio da operação: só ela retira o óleo do fundo do oceano, do qual o país continua sendo o único dono.

Mais que isso.

A  Pré-Sal Petróleo S.A vai gerir toda a administração estratégica  dos campos do pré-sal.

Terá para isso 50% dos votos no comitê gestor de cada campo.

Caberá  ao comitê decidir, por exemplo,  o custo equivalente em barris  da exploração do petróleo.

Uma vez fixado, define-se a sua contrapartida: o petróleo excedente (ou seja, que excede ao custo de exploração).

É sobre esse ‘excedente’ que incide a parte do governo no volume total extraído dos campos: a ‘partilha’ do pré-sal, que será  de 41,5%, no mínimo

Não por acaso, o piso do leilão desta 2ª feira ( 21/10).

Há, ainda, os royalties, elevados de 10% para 15% na regulação do pré-sal.

A PPSA controlará toda essa contabilidade, com poderes incontestáveis. Em caso de impasse no comitê gestor, ela detém o voto de Minerva.

Cabe-lhe, ademais, o poder de veto sobre decisões que possam ferir o interesse nacional.

Quais decisões?

Por exemplo, controlar o ritmo da exploração; controlar o volume de petróleo exportado; controlar o índice de nacionalização dos equipamentos e encomendas requeridos em cada etapa do processo.

Esse poder dosador  dá ao Estado a possibilidade de transformar o ciclo do pré-sal  num impulso industrializante de características inéditas na história do desenvolvimento brasileiro.

Quais sejam: altamente planejado em suas metas em encadeamentos; com taxas de retorno plenamente previsíveis e asseguradas e dotado de desdobramentos políticos e sociais soberanamente  definidos – caso das transferências do fundo social à educação e à saúde.

A essa singularidade do modelo de partilha vem se agregar agora a parceria de empresas estatais de um país afeito ao planejamento e à disciplina dos planos estratégicos.

Se bem sucedida a parceria, ademais de tonificar a estrutura industrial brasileira, terá repercussões sensíveis no imaginário  político e  social do país.

O conjunto tem  consistência e  horizonte para regenerar a combalida imagem do interesse público como planejador e gestor direto do desenvolvimento da Nação.

Até hoje, a insaciável fome chinesa por matérias primas exerceu no Brasil um efeito duplamente regressivo e paradoxal.

Ao projetar uma demanda firme por produtos não manufaturados,  desloca o investimento local  para atividades primárias.

Com a indiscutível competitividade de sua exportação manufatureira,  sufoca a atividade fabril no país.

O conjunto explica em boa parte a cordilheira de obstáculos que o Brasil precisa superar para deflagrar um novo ciclo de desenvolvimento consistente e inclusivo.

Por uma dessas ironias da história, o pré-sal abre a possibilidade de que isso ocorra agora, justamente,  através de uma parceria de gigantes estatais do Brasil e da China.

O leilão desta 2ª feira é o pontapé desse jogo histórico.

Redação

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. se ficar o bicho pega se correr o bicho come

    “Para tanto, a ideia do “exército ao redor de um poço de petróleo” é interessante. Todo mundo sabe que o petróleo orienta a geopolítica global. O fluxo de petróleo decide quem é dominante, quem é invadido e quem é excluído da comunidade global. O controle físico até mesmo de um segmento de oleoduto resulta em grande poder geopolítico. E os governos que se veem nessa posição são capazes de conseguir enormes concessões.

    De tal forma que, em um só golpe, o Kremlin é capaz de condenar o Leste Europeu e a Alemanha a um inverno sem aquecimento. E até a perspectiva de Teerã abrir um oleoduto do Oriente até a Índia e a China é um pretexto para Washington manter uma lógica belicosa.

    […]

    …, as riquezas de países como o Quênia sendo roubadas e vendidas em leilão a plutocratas em Londres e Nova York.

    […]

    Os Estados Unidos não são os únicos culpados. Nos últimos anos, a infraestrutura da internet de países como Uganda foi enriquecida pelo investimento chinês direto. Empréstimos substanciais estão sendo distribuídos em troca de contratos africanos com empresas chinesas para construir uma infraestrutura de backbones de acesso à internet ligando escolas, ministérios públicos e comunidades ao sistema global de fibras ópticas.

    A África está entrando na internet, mas com hardware fornecido por uma aspirante a superpotência estrangeira. Há o risco concreto de a internet africana ser usada para manter a África subjugada no século XXI.

    CYPHERPUNKS – Liberdade e o Futuro da Internet. Julian Assange com Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann. Boitempo Editorial, 2013.

    Se a presidenta Dilma desse uma passada de olho neste livro que é um alerta de quem têm uma experiência direta cara a cara com o inimigo e o combate: “conhecemos o novo Estado da vigilância do ponto de vista de um insider, porque investigamos seus segredos”, ela poderia evitar constrangimentos públicos porque poderia agir como a sabedoria popular do espírito francês diante das maldades e bisbilhotices do mundo: Je me défends (Eu me defendo).

    “Sabemos que as antigas potências colonialistas usarão qualquer vantagem que tiverem para suprimir a independência latino-americana.

    […]

    Não é segredo algum que, na Internet, todos os caminhos que vão e vêm da América Latina passam pelos Estados Unidos. A infraestrutura da internet direciona a maior parte do tráfego que entra e sai da América do Sul por linhas de fibra óptica que cruzam fisicamente as fronteiras dos Estados Unidos. O governo norte-americano tem violado sem nenhum escrúpulo as próprias leis para mobilizar essas linhas e espionar seus cidadãos. E não há leis contra espionar cidadãos estrangeiros. Todos os dias, centenas de milhões de mensagens vindas de todo o continente latino-americano são devoradas por órgãos de espionagem norte-americanos e armazenados para sempre em depósitos do tamanho de cidades.

    […]

    O problema também transcende a geografia. Muitos governos e militares latino-americanos protegem seus segredos com hardware criptográfico. Esses hardwares e softwares embaralham as mensagens, desembaralhando-as quando chegam a seu destino. Os governos os compram para proteger seus segredos, muitas vezes com grandes despesas para o povo, por temerem, justificadamente, a interceptação de suas comunicações pelos Estados Unidos.

    Mas as empresas que vendem esses dispendiosos dispositivos possuem vínculos estreitos com a comunidade de inteligência norte-americana. Seus CEOS e funcionários seniores são matemáticos e engenheiros da NSA, capitalizando as invenções que criaram para o Estado de vigilância. Com frequência seus dispositivos são deliberadamente falhos: falhos com um propósito. Não importa quem os está utilizando ou como – os órgãos de inteligência norte-americano são capazes de decodificar o sinal e ler as mensagens.

    Esses dispositivos são vendidos a países latino-americanos e de outras regiões que desejam proteger seus segredos, mas na verdade constituem uma maneira de roubar esses segredos.”

    E a administração Obama estimula a espionagem eletrônica como fundamentalística tática da operação de inteligência corporativo-estatal belicosa insidiosa para criar seu Império de Vigilância Global. E o crescente Império Chinês do PCC não fica atrás…

    1. melhor se assim for …

      melhor se assim for, pelo menos sairemos dos domínios dos “bárbaros da modernidade” no dizer de Raymundo Faoro  e poderemos aprender muito com uma Civilização de 5 mil anos que tem História, Cultura, Filosofia, Arte e etc etc etc  que nos deu Confúcio, Lao Tze, Sun Tzu e tantos outros…mas não vejo dessa forma, opino que foi um grande lance de Geopolítica  quando sabemos que as garras dos “falcões do Norte” estão se afiando faz tempo..

  2. Todo mundo falou

    Todo mundo já falou e criticou.

    Pra mim. Que comece a retirada deste petróleo, e vamos acreditar que o dinheiro arrecadado será usado na educação e saúde do povo brasileiro. O lance é este aí, petróleo no fundo do mar não vale nada, mas termos a garantia do destino do dinheiro arrecadado.

    Já temos o imposto do CPMF como experiência. Vamos criar outro CPMF?

  3. Nas plataformas até o

    Nas plataformas até o faxineiro será chinês assim como a comida, a plataforma inteira, os capacetes e o chicote,

    a turma dos santelmos de plantão acha lindo, que maravilha, chegou o sanduiche de cachorro refogado, que delicia.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador